As denominações “direita” e “esquerda” vêm da Revolução Francesa.
Na Assembleia Nacional, os apoiadores do rei se sentavam à direita, os apoiadores da revolução se sentavam à esquerda.
Mas tentemos ir mais fundo nisso.
A Revolução Francesa foi uma das várias revoluções burguesas ocorridas no Ocidente.
A revolução burguesa americana e britânica, por exemplo, ocorreram no século anterior. A brasileira, no século seguinte.
As revoluções burguesas serviam para dar fim a um modelo em que apenas famílias nobres, por intermédio de uma monarquia absoluta, comandavam a nação, para uma sociedade mais livre, onde o mercado tinha muito mais força para interferir nas grandes decisões.
De uma forma mais simples, é possível dizer que as revoluções burguesas foram o caminho percorrido para que as nações ocidentais se tornassem capitalistas.
Se a gente interrompe a “palestrinha” aqui, a gente entende que a direita seria uma defensora da idade moderna, e a esquerda, da contemporânea.
Mas isso faria da esquerda uma defensora do capitalismo. E, bem, isso ela não é. Talvez seja preciso ir um pouco mais fundo.
A contemporaneidade tem por gatilho o iluminismo. Ou seja: a forma como a sociedade resolvia os próprios conflitos passou a ser questionada. E novos caminhos passaram a ser testados. Se fossem melhores, o novo caminho passava a ser o padrão.
Em outras palavras, a sociedade deixou de se guiar pela tradição, pelo dogma e pela fé para se guiar pela razão, pelo método científico e, simbolicamente, pela luz.
É mais ou menos como o Mercado se guia: dá certo? Dá lucro? Recebe prêmios. Não dá certo? Não dá lucro? É abandonado.
Então voltamos às revoluções burguesas: foram o caminho percorrido pelo Ocidente para oficializar o modelo científico como método a guiar a sociedade.
Então podemos assumir que a esquerda seria a força a defender o Iluminismo?
Faz mais sentido. Principalmente ao se considerar que o conservadorismo é um movimento que nasce em resposta aos exageros do Iluminismo. E que a direita é conservadora.
Então baterei o martelo desta forma:
Para o bem ou para o mal, a esquerda defende a mudança por intermédio do método científico.
A direita, com base na fé em Deus ou mesmo nas relações familiares da nobreza, defende as formas tradicionais de se resolver conflitos.
Era isso o que estava em jogo na Revolução Francesa e em tantas revoluções burguesas.
Ainda sem essa denominação, o capitalismo permitiu à humanidade evoluir como nunca. Mas uns poucos evoluíam bem mais do que todo o restante.
Afinal, se apenas uma pequena parcela da sociedade tinha acesso ao conhecimento, apenas essa pequena parcela teria algo bom a oferecer...
E os prêmios distribuídos pelo capitalismo se concentraram num grupo minúsculo, no geral, a mesma nobreza da era anterior.
Algo de bom a se dizer da esquerda: ela não costuma se conformar com um problema sem solução, ainda que tente resolvê-lo de forma imprudente.
E começou a discutir formas de se regular essas liberdades do capitalismo de maneira que uma fatia maior da sociedade desfrutasse de suas maravilhas.
Essa mera intenção de mudar o sistema seria, no futuro, denominado de socialismo.
Ou seja... Um modelo que não se guiaria meramente pelo que seria vantajoso — lucro — aos poucos indivíduos que detinham conhecimento, mas a todos os membros da sociedade.
Nascia aí o conflito entre individualismo e coletivismo.
A esquerda é uma investidora de risco. Adora testar novos caminhos independente do estrago que pode nascer deles.
A direita é uma conservadora. Por ela, faz apenas as apostas mais seguras, mas o ideal seria bem apostar. Tem aversão a mudanças pois detesta riscos.
Quando Henri de Saint Simon, criador do termo “socialismo”, morreu, Karl Marx era uma criança com apenas 7 anos de idade.
É importante saber disso para entender que o socialismo é anterior a Marx.
Havia o dilema: como fazer ajustes no capitalismo de forma a torná-lo mais justo? Marx entrou na discussão quase um século atrasado. E entregou uma receita autoritária, que dava validade moral à truculência, à ditadura.
Era uma época em que democracias ainda engatinhavam. E soavam insatisfatórias à imensa maioria. Por isso, o marxismo serviu de norte moral mesmo a grande parte da elite mais estudada. E, claro, encontrou na “classe trabalhadora” um exército a ser arregimentado.
Hoje, o que se crítica como socialismo é, na verdade, o marxismo em si, com todos os vícios que findariam em dezenas de milhões de mortes no século XX. E é uma pena que esse tipo de confusão ocorra, porque de fato objetivo inicial era nobre — sem trocadilhos com “nobreza”.
Mas de boas intenções o inferno está cheia. Como tentarei mostrar na parte final desta palestrinha.
O capitalismo era tão concentrador de poder que o mundo terminou o século XIX dividido em um punhado de gigantescos impérios. O britânico era tão grande que sempre tinha algum território iluminado pelo sol. Junto com o francês, dominavam o Atlântico e o Índico.
Os Estados Unidos nunca se denominaram império, mas agiam como um que dominava toda a América Latina e grande parte do Pacífico.
O problema veio das unificações itálica e germânica, que puseram mais duas potências no mundo. E de repente havia cacique demais para uma única aldeia global. Quando isso acontece, a humanidade entra em guerra.
Essa, em especial, foi postergada ao máximo. Quando finalmente deflagrada, imaginou-se que duraria um máximo de 3 meses. Mas a demora para o início da "disputa" permitiu a todos estocarem bastante munição. E a coisa não encontraria fim enquanto não acabasse a pólvora.
Três anos depois, com a Europa já destruída, as nações estavam fragilizadas e suscetíveis à ascensão de basicamente qualquer coisa. Era a chance que o marxismo queria para se impor. E a assim o fez na Rússia em 1917, dando vez à União Soviética.
O exemplo russo estimulou revoltas socialistas na Alemanha. Temendo esbarrar em destino semelhante ao russo, a elite local achou por bem desistir da Primeira Guerra Mundial, assinando qualquer rendição, por mais humilhante que fosse para o país.
Mas a ideia de que o capitalismo era nocivo estava por demais forte. Afinal, o modelo levara à destruição do continente. Era preciso impor limites a ele. O socialismo, como se lia sobre a Rússia, seria a desgraça do Mercado. Havia, no entanto, um meio termo: a social-democracia.
A social-democracia funcionava como um marxismo reformado. Pretendia estabelecer limites ao capitalismo, mas sempre respeitando a democracia. Porque a democracia é lenta, haveria tempo para que o Mercado se adequar a qualquer ajuste. E a Alemanha imaginava, assim, chegar à paz.
Era uma solução moderada, que buscava entender anseios do capitalismo e do socialismo. Mas o país estava destruído e humilhado. E os radicais sempre exploram essas brechas para ascenderem.
Em março de 2018, foi formada em Munique o Comitê de Trabalhadores Independentes. Por mais que nascesse da classe trabalhadora, foi tocado por Anton Drexler, um nacionalista contrário não só ao armistício assinado pela Alemanha, como às revoltas socialistas que tomavam o país.
Ele era basicamente "contra tudo isso que está aí": era contra o capitalismo, contra o marxismo e contra a monarquia. Na prática, só acreditava na Alemanha como nação soberana, e no povo alemão como uma raça superior.
As reuniões do comitê discutiam uma nova forma de socialismo. Um socialismo diferente do marxista, um que resgatasse a Alemanha como nação, que não fosse internacionalista como o russo, mas nacionalista. Um socialismo nacional, alemão...
Nascia ali o nacional-socialismo. Que, com o tempo, seria abreviado como "nazismo".
É importante ressaltar alguns pontos:
– Em seus discursos, Adolf Hitler não usava a expressão "nazismo", mas "nacional-socialismo".
– Ele também não criticava o "socialismo", mas o "marxismo".
Isso faz do nazismo um movimento de esquerda? Minha resposta: não.
Mas vamos lá...
A social-democracia era, na prática, o reconhecimento de que havia algum valor nobre no marxismo. Mas, por ser radical, o marxismo não aceitava qualquer via que não a autoritária. E entendeu a social-democracia não como um aliada, mas um obstáculo que o impedia de vencer.
Se até a social-democracia era atacada pelo marxismo, como o nazismo, que renegava Marx, teria alguma articulação com os socialistas? Pois é... Não teria. E seguiu atuando com um grupo político "contra tudo isso que está aí" esperando a próxima grande crise para tomar o poder.
A próxima grande crise veio com a quebra da bolsa em 1929. Nos Estados Unidos, o capitalismo fracassava. Na Alemanha, a culpa recaía sobre a social-democracia, que tentava trabalhar um meio termo entre a loucura dos mais radicais.
Os mais radicais – socialistas (marxistas) e nacionais-socialistas (nazistas) – aproveitaram a Grande Depressão para mais uma vez tentarem tomar o poder. Nisso, valia o "quanto pior, melhor". E forjavam todo tipo de ato político em benefício próprio ou em prejuízo ao inimigo.
O país foi ficando ingovernável. O partido nazista foi ganhando espaço no parlamento, até que se tornou o maior em novembro de 1932, com 37% das cadeiras. Mas 37% dos votos não faziam de Hitler um presidente. O eleito foi Paul von Hindenburg, com 53%.
Como governar sem domínio do Congresso? Contrariado, Hindenburg cedeu à pressão. E entregou três postos chaves aos nazistas: o Ministério do Interior da Alemanha, o Ministério do Interior da Prússia e a chancelaria – que ficou aos cuidados de Hitler.
Mas ainda não havia maioria parlamentar para se governar. Em março de 1933, houve novas eleições. Os nazistas saíram das urnas com 44% das assentos. Faltava pouco. Quem emprestou cadeiras para Hilter ter maioria? O Partido Popular Nacional Alemão, conhecido como DNVP.
O DNVP nasceu como conservador, portanto, de direita. Mas foi se radicalizando até fazer este favorzão para os nazistas, e este desfavor à humanidade.
O nazismo pode ter partido do mesmo ponto de onde partiu o socialismo. Pode aqui e ali ter mirado alguns valores que hoje se entendem como de esquerda. Pode ter renegado o capitalismo e lutado contra tudo isso que está aí. Mas só chegou ao poder porque se articulou com a direita.
E esse pecado a direita não pode jogar no colo de ninguém. É dela. É nosso. É preciso reconhecer este erro e trabalhar para que nunca mais se repita.
O DNVP foi dissolvido ainda em 1933, porque os nazistas atuaram para que o país tivesse um único partido, o do líder máximo. Ainda que polêmico, Hitler só deixou de ser venerado por metade do planeta quando em 1941 se tocaram que a Operação Barbarossa tinha sido um fracasso...
..., o que permitiu que a União Soviética contra-atacasse e, junto com Estados Unidos e Reino Unido, derrotassem fascistas, nazistas e o império japonês.
Os horrores do holocausto só se tornaram públicos em 1945, com a rendição alemã.
Em inglês, a Wikipedia traz uma lista com mais de 40 marcas que, direta ou indiretamente, colaboraram com este horror. O que serve de pista de como o Mercado se comportou durante o pior momento da humanidade. en.wikipedia.org/wiki/List_of_c…
Para ver com os próprios olhos parte do que narrei aqui, sugiro dois documentários que disponíveis na Netflix: "Hitler, Uma Carreira" e "World War II in Colour".
Essa é a forma como enxergo isso tudo. Não sou o dono da razão. Mas venho dedicando leitura ao tema há alguns anos. Se falei alguma bobagem, sinta-se livre para discordar ou corrigir qualquer informação. Peço apenas que busquem ser educados. Chega de tolerar intolerância.
*de 1918
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O que acontece é simples: a sociedade julga caso a caso, priorizando os mais relevantes.
Em qualquer praça você encontra loucos em cima de caixote gritando absurdos piores. Se instala escutas nas salas da família brasileira, registra absurdos ainda maiores...
Mas qual a relevância disso? Ou louco em cima do caixote convence alguém? Ou nem o bêbado da praça é convencido do que o louco grita?
O Brasil lutou a Segunda Guerra Mundial contra nazistas. Pode ser uma explicação para que não se aceite que a linha seja cruzada mesmo no plano das ideias. Mas aposto mais nas milhares de famílias que fugiram da Europa para cá no período ou antes dele. Ou ainda...
Quando comecei a debater o tema com colegas, fiz piada com maconha, mas logo me corrigi e falei mais sério: ele deve estar consumindo lixo da alt right.
Quando Monark alega estar bêbado, cita ideias de outros países, como os Estados Unidos.
Estimo que 9 em 10 amigos que fiz na última década abraçaram o bolsonarismo. Um terço disso, o trumpismo. Todos direta ou indiretamente consumiam lixo que a alt right plantava na web de mil formas distintas. Eu mesmo consumi e caí na lábia de alguns, para a minha máxima vergonha.
Enfim... Cuidado com o que vocês consomem na web. Se nota uma pessoa importante sumindo do seu campo de visão, visita o perfil, curte uns posts aleatórios. Há como manipular o algoritmo a seu favor para evitar que ele te tranque em câmaras de eco.
No governo Lula, Lira continua presidindo a Câmara.
Aras não só continua PGR, como será cogitado para STF com chance boa de entrar.
Não boto fé em Pacheco. Acho que a presidência do Senado volta para Renan.
Ministro da Agricultura será Alckmin.
Curioso pra saber Casa Civil e Fazenda.
Cenário óbvio? Gleisi e Nelson Barbosa.
Cenário animador e possível? Rodrigo Maia e Henrique Meirelles
(Tou esquecendo de Kassab. Mas Kassab curte um cidades, desenvolvimento regional, algo que mexa com bastante verba para município, if you know what i mean)
O texto de Risério é rico em várias e graves evidências anedóticas de que há racismo da parte de movimentos identitários contra várias etnias, mas não procura demonstrar estatisticamente que este seria um problema para a sociedade priorizar…
Até que se dê a esta missão e nela tenha sucesso, vai apanhar (com certa razão) de quem carimba os episódios de isolados — não dá pra afirmar que são regra ou exceção, mas o ônus da prova cabe a quem acusa.
Este é o primeiro ponto.
Não gosto do uso que fazem da expressão "racismo reverso”. Passa a sensação de que o racismo nasceu com o tráfico negreiro, e só as vítimas desse mal poderiam reclamar do preconceito sofrido. Quando racismo infelizmente existe na humanidade desde que a humanidade existe…
Já está bom de o antilavajatismo baixar a bola também. Pois todo dia é um festival de “a Lava Jato é a origem de todos os males” como se corrupção desenfreada que a operação combatia não tivesse nada a ver com isso, nem estivesse servindo de sustentação a Bolsonaro.
“Aras não faz nada!”
Exatamente como o antilavajatismo sempre sonhou.
Imaginei que o “também” do primeiro tweet explicitava uma crítica ao lavajatismo, que está com a bola devidamente baixa. Mas de fato era muito sutil a menção, por isso o reforço aqui.
Contudo, a thread não é sobre a Lava Jato, já muito criticada, mas sobre o antilavajatismo.