Thread by @Vinnymax1789

A Era da Milícia.
Por Vinny Costa (thread).

1. Comumente os historiadores costumam chamar os períodos históricos brasileiros de Eras, seguindo uma tradição “hobsbawmniana” de leitura da realidade. Nesse sentido, tivemos a Era Vargas, A Era Republicana, A Era Militar e, porque não, a Era Lula.

2. Humildemente, sugiro que a partir de agora, nós, historiadores, definamos o período vigente como a Era da Milícia – ainda no singular na esperança de ser apenas um governo a compor este período. Explicito o porquê.

3. As relações entre a Família Bolsonaro e as milícias cariocas revelam uma lógica muito mais complexa do que a relação do governo com um tipo de crime organizado no Rio de Janeiro – o que por si só já revela o abismo que entramos.

4. A questão é que toda a lógica, da candidatura ao primeiro mês de governo, de pensamento que tornou a eleição de Bolsonaro possível vem da estrutura miliciana que há décadas ocupou o espaço público não solidificado pelo Estado Democrático nas comunidades carentes do país.

5. Os milicianos chegaram ao poder nas comunidades brasileiras da mesma forma que Bolsonaro foi eleito presidente do país.

6 .Não por meio de um autoritarismo clássico, mediante o uso da força física, tão marcante nos processos ditatoriais, inclusive no brasileiro das décadas de sessenta e setenta, mas através da lógica do medo que faz o indivíduo realizar a concessão do poder.

7. Para que uma lógica miliciana se forme, em uma comunidade carente ou em um país, o processo é o mesmo. Nada se pode fazer sem um inimigo em comum a ser batido, a ser destruído e que canalize a culpa pelas várias situações caóticas que vivenciamos em sociedade.

8. Nas comunidades brasileiras até o final da década de noventa a responsabilidade pelos graves problemas sociais ali enfrentados eram claramente identificados como uma questão de ausência de Estado que permitiu a existência do poder paralelo do

9. O descaso público e político do país para com suas comunidades mais pobres era o responsável por aquela situação calamitosa. Esse cenário se modifica com a ocupação policial das comunidades e a substituição da lógica de responsabilização pela lógica da culpabilização.

10. Uma parte da polícia que sobe as comunidades e se depara com um cenário de guerra social e violência, membro armado do Estado e também abandonada por este Estado que lhe joga nesse cenário como solução dos problemas , enxerga no traficante o culpado pelo caos social.

11. Há uma transferência de responsabilidade.O Estado passa a não ser mais responsável pelo mal.O inimigo está criado, bem como a lógica miliciana: a promessa de cura social pela extirpação do mal, aquele que eu vejo e que esconde a complexa realidade do descaso público.

12. A lógica eleitoral da Era da Milícia formou-se da mesma maneira e usando dos mesmos mecanismos de construção narrativa daquelas criadas nas comunidades carentes do Rio de Janeiro.

13. O Brasil, com sérios problemas históricos de desigualdade e violência, precisava ser extirpado do mal político, visível aos olhos milicianos, que permitiu om país chegar a certo grau de desconforto.

14. A partir da criação do problema falso e do convencimento narrativo de que o problema é, este e não mais àquele, é só mudar isso aí, ou seja tirar quem aparentemente está no poder causando danos que tudo fica normal.

15. Todo esse discurso amplificado por uma parte da sociedade com amplo acesso aos meio de comunicação e interessada em implodir um governo social.

16. Na Era da Milícia, a pretensão autoritária de poder esconde-se pelo viés de pacificação e ordenamento.

17. Nada novo na lógica militar que dominou o país com uma diferença gritante: o militar abdica-se da sua posição de representante do Estado para se tornar representante do povo que o clama.

18. Ou seja, o miliciano difere-se do militar por não ter ligações de interesse com Estado, mas sim com a Comunidade para quem discursa. Há algo religioso nessa relação e não por acaso diversas igrejas entenderam rapidamente a lógica de confiança-medo entre líder e adeptos.

19. O discurso patriótico serve para manutenção da coalização social, mas está distanciado dos interesses do Estado em si. O miliciano é um poder sem Estado. E agora este poder está no governo, corroendo o próprio Estado que o fez surgir.

20. A Era da Milícia criada no século XXI das comunidades carentes cariocas expande-se para todo o Brasil.

21. Na Era da Ditadura, o governo abdicou da Democracia e fortaleceu o Estado de maneira autoritária.

22. Na Era da Milícia, o governo abdica da preservação dos interesses do Estado e mantém o verniz de Democracia e Liberdade.

22. O importante passa a ser estar no poder e não melhorar o Estado. Por isso o discurso “anti-ideológico”. Também, por isso, a dificuldade de se propor medidas práticas de melhoria social.

23 .O que é algo novo e impensável para história do Estado Democrático que sempre conviveram juntos estão sendo separados na nova Era brasileira a habitar os livros históricos : a Era da Milícia que aqui apresento. (fim).