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Engravidei com 19 anos na faculdade. Na época, minha família inteira me chamou de puta. Meu pai disse que teria que dar meu filho. Todos os amigos se afastaram de mim. Não teve uma noite que não molhei o travesseiro de tanto chorar de desespero. +
A palavra aborto era a que saía da boca de todas as pessoas. Não recebi parabéns de ninguém. Com três meses de gravidez tive toxoplasmose. A médica disse que teria que tirar o bebê porque ele ia nascer deficiente e eu poderia ficar cega +
Tinha força para encarar o que viesse mas não para me submeter a um aborto já sentindo a barriga se mexer. Minha mãe, hiper católica, chamou um padre que veio até aqui em casa dizendo que Deus me perdoaria +
Expliquei que sou ateia e que não tinha cometido pecado nenhum já que esse conceito não existe no meu mundo não religioso. E que não iria abortar por medo de Deus e sim porque não queria. Que era um direito da mulher abortar e que ninguém tem o direito de julgá-la. Nem Deus. +
Minha mãe que era radicalmente contra o aborto por questões religiosas (e que também tinha me chamado de puta por questões religiosas), se ajoelhou e pediu que eu abortasse. Afinal, eu corria muito risco e ela estava desesperada em me ver sofrer +
Disse que um filho "perfeito" já iria ser difícil para eu criar sozinha. Ainda mais um com deficiência. Falou que ela estaria ao meu lado sempre me ajudando mas que a cruz quem carregaria seria eu. E ela poderia ser muito pesada para mim +
Cada uma sabe a estrutura que aguenta. Minha barriga já se mexia e alguma coisa metafísica já havia sido criada. Não quero romantizar nada. Mas acho que foi o que chamam por aí de maternidade. Eu já era uma mãe +
Cuidei o máximo da saúde corporal já que a mental nunca foi lá grandes coisa e grávida com a sociedade-classe-média-cristã- década-de-90 me julgando já viu. +
Meu pai não falou comigo mais durante toda a gravidez. Minha mãe chorava todos os dias como seu eu estivesse com uma doença incurável. Puxei 9 matérias na faculdade de Física para não atrasar na minha formação. +
Quando fui ter o nenem não sabia o sexo e nem o nome. Ganhei o enxoval de uma colega que havia passado pelo mesmo "problema" que eu. O berço foi um carrinho emprestado. Comprei fraldas de pano com dinheiro de aula particular +
Ia sozinha para a maternidade ter o nenem quando meu pai apareceu no caminho dizendo que me levaria. No carro, pediu para que se fosse menino que colocasse o nome do pai dele que morreu na guerra quando ele tinha 7 anos e que ele morria de saudade: Hideo +
Na hora eu pensei: puta merda que nome feio e que diabos esse homem deixou de falar comigo a gravidez inteira e hoje vem me pedir uma coisa dessas? Assim como não acho certo julgar ninguém, perdoei meu pai sem que ele me pedisse perdão e disse ok +
Quando Hideo nasceu, relaxei como nunca havia relaxado na vida. Disse sorrindo para o médico que estava vendo estrelas e tudo girando. Era minha pressão caindo e eu tendo uma parada cardíaca +
Desmaiei. Acordei sendo massageada literalmente no coração e toda enfaixada como se fosse uma múmia para que a circulação fosse ativada. Lembro que ouvia o médico gritar meu nome pedindo sinal de vida +
Não tinha força para responder que estava ouvindo. Só sentia felicidade e uma vontade louca de mandar toda essa sociedade se fuder +
Quando tive forças, arranquei o oxigênio que estava no meu nariz e pedi meu filho +
O médico enfiou o tubo de oxigênio de novo e disse que estavam trazendo Hideo para mim. Ganhou 10 no apgar que é a nota que se dá para a saúde do bebê +
Se Hideo nascesse com algum "defeito" eu não estava nem aí porque me sentia preparada emocionalmente. Mas a família estava tensa e sabia que a notícia deixaria todos aliviados +
Acho que cada mulher tem que decidir o que vai fazer diante a notícia de uma gravidez. Não estou contando isso para me comparar a ninguém. Mesmo porque sou uma mulher branca de classe média e meus problemas não se comparam aos que passam as mulheres pretas periféricas.
Lembrei disso agora porque é dia das mães e há 26 anos eu me tornei uma nessa sociedade doente. Poderia ter sido tudo tão mais tranquilo se simplesmente ninguém soltasse a mão de ninguém. Mas a nossa realidade é que andamos com dedos na nossa cara nos julgando o tempo todo +
Essa história não é nada diante das mulheres mães que estão encarceradas, mulheres de periferia que têm crianças especiais, mulheres que não têm comida para dar para os filhos. Não basta dar feliz dia das mães hoje. Abracem todas todos os dias.
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