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Fio: Não é esperto do ponto de vista de "viralizar", mas eu tenho esperado ânimos acalmarem pra fazer certas intervenções. Vejo que gera mais abertura, então vou finalmente falar com vocês sobre Greta e seu discurso, pra não confundir processo de politização com despolitização.
1. Greta é uma jovem ativista que ganhou bastante destaque em uma luta que já existe há anos. Ela é ativista, não militante no sentido de organizada num horizonte estratégico político, mas ela ajudou a desenvolver uma tática pra chamar atenção à mudança climática em seu contexto.
2. Eu acredito que fazer greve escolar no contexto dela faz sentido. A juventude no Brasil não deve simplesmente copiar. Temos crianças assassinadas no caminho da escola aqui e professores sem estrutura. Então deve ser balizado sempre com as pautas de educação e direitos humanos.
3. Não significa que uma pauta é mais urgente que a outra. Sim, a pauta da mudança climática é extremamente urgente e vai afetar primariamente quem já é marginalizado no sistema. Tem um vídeo meu sobre isso:
4. Mas vamos falar sobre Greta especificamente. Greta tem 16 anos e eu com 16 anos achava que a solução pra vida era reciclar, votar em partido de esquerda e fazer voluntariado. Hoje eu avancei muito pra além disso, mas Greta nessa idade já avançou em relação à Sabrina de 16.
5. Greta está em fase de politização (todos estamos) e pode ser que ela se afirme como uma defensora apenas de medidas liberais para a mudança climática. Mas não sabemos isso ao certo hoje. Seu discurso na ONU foi crítico à acumulação eterna do capitalismo e à oligarquia global.
6. O discurso de Greta me lembra bastante o de Naomi Klein e até mesmo o Green New Deal. Não é ecossocialismo, mas é aliado porque traz a ciência climática pro centro, combate falsas soluções e denuncia a inefetividade de fantasias tecnológicas ecomodernistas.
7. Greta é abraçada por grandes figuras liberais e social democratas ecocapitalistas, como o Al Gore, Obama, e o próprio conjunto da ONU, cujas negociações climáticas vão lentamente por conta da influência permitida da indústria em seu meio. Discuti isso academia.edu/3236046/2011._…
8. Mesmo circulando no meio liberal, Greta se destaca porque não abre mão à crítica ao lucro nas suas falas. Isso já demonstra que ela não visa despolitizar a pauta. Mas com isso ela acaba incomodando a parcela da esquerda que é produtivista e negacionista climática.
9. Parece estranho, pois pautas de justiça climática se localizam diretamente na esquerda, mas há setores da esquerda que rejeitam com todas as forças por conta de economicismo, corporativismo, um tipo de sindicalismo sem visão de futuro. Isso gera teorias de conspiração.
10. É sempre mais fácil acreditar numa teoria da conspiração sobre uma pessoa financiada por bilionários do que rever criticamente nossas pautas na esquerda pra entender que não há como defender socialismo sem ecologia. E aí a crítica some, a ciência some do parâmetro.
11. Eu não sei de tudo. Vai que ela é mesmo financiada por bilionários. Vai que não. Eu sei que eu não sou e tô nessa luta pra mudar o sistema e não o clima há mais de dez anos. Povos indígenas denunciam a destruição da natureza há séculos. Greta não é a única voz, nem quer ser.
12. Focar em uma conspiração ao redor da Greta ou rejeitá-la só por ser uma menina branca europeia são formas de também negar que povos do Sul repetem isso há tempos. Sua identidade certamente colaborou pra que ela fosse ouvida, mas sua fala contempla movimentos pra além dela.
13. Não por acaso, você não vê lideranças indígenas que também foram à ONU denunciar a crise ecológica repetir teorias de conspiração sobre Greta. Ao contrário. Falam de movimento de solidariedade global. Falam que alguns vão sentir pior que outros e isso é razão pra se juntar.
14. Greta tem todas as soluções? Não. Greta é a maior liderança do movimento? Também não. Essa lógica personalista é horrível. Pode ser sim que ela se prenda a soluções institucionais, mas ela começou desafiando normas locais. Nosso papel é disputar. Não só ela, mas o movimento.
15. Tá todo mundo tão preocupado em avaliar se Greta é a líder que precisamos que estão ignorando o que ela está dizendo em acordo com a maioria do movimento contra a Mudança Climática: é preciso urgência nas ações e é preciso levar a ciência à sério. CONJUNTAMENTE.
16. Nós anticapitalistas e ecossocialistas complementamos isso falando que não basta um Green New Deal, mesmo que importante. Precisamos de real mudança sistêmica. E precisamos de solidariedade e nesse ponto vemos em Greta uma aliada, sem ignorar nossas lideranças diretas.
17. Até esse momento, não há nada na fala de Greta que indique um projeto pós-político. Ao contrário. Mesmo que não ecossocialista, apresenta aberturas para a nossa luta antisistêmica. Ela pode mudar via liberalismo? Pode. Mas não queremos e seguimos disputando essa pauta.
18. O que me preocupa mesmo é como há setores da esquerda que sempre ignoraram a pauta ecológica e encontram em uma crítica identitarista à Greta (sim, tem vantagens e acessos como branca e europeia, mas também sofre preconceito contra autistas) uma DESCULPA pra não agir.
19. Se Greta não é a liderança que você quer ver, dou-lhe Sônia Guajajara, Vandana Shiva, os zapatistas, a Via Campesina, vozes e mais vozes dos mais afetados que denunciam há tempos e o mundo majoritariamente ignorou. Usemos o destaque atual pra ampliar essas vozes também.
20. Eu não conheço Greta, mas eu conheço as pessoas com quem luto contra a Mudança Climática e estamos cansadas de ver parte da esquerda deslegitimar essa pauta que é da classe trabalhadora, indígena, negra, de mulheres e anti-imperialista sim. Chega de desculpas.
