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Uma final épica. Uma virada inexplicável.

Finalmente chegou a hora de falar sobre a Libertadores.

Flamengo 2x1 River Plate. Uma final escrita como as melhores histórias.

Vamos destrinchar esse roteiro.

Vem comigo no fio tático!
Pergunte a qualquer roteirista. Quase todas as histórias que a gente vê por aí - seja no cinema, teatro ou livro - segue uma base comum. No jargão desse mercado, é a “estrutura de três atos”.

A história é dividida em três partes, sempre com tensões e emoções crescentes.
Para quem acredita em destino, que está tudo escrito, eu garanto: a final foi roteirizada por alguém que estudou bem essa estrutura. O jogo pode ser dividido em três momentos bem distintos. Quase que três jogos bastante diferentes.

Vamos à primeira parte.
O primeiro ato é conhecido como “apresentação”. Conhecemos os personagens e o mundo que habitam. Começamos a nos acostumar com a história.

Os primeiros 15 minutos do jogo foram exatamente assim. Os dois times se estudando, apresentando suas ideias e testando o adversário.
O River veio com seu 4-1-3-2, mas com os laterais apoiando muito o jogo no meio-campo, formando quase um 2-3-3-2. Sua maneira tradicional de organização ()
Já o Fla começou o jogo no 4-2-3-1 com Everton ocupando Enzo Perez, Arrascaeta pela direita e Bruno Henrique infiltrando toda hora pela esquerda buscando o tempo todo as costas do lateral direito Montiel.
Logo nos primeiros 20 segundos o River deu o tom. Como dissemos no pré-jogo (), os argentinos viriam para morder a todo custo, para pressionar a bola e não deixar o time do Flamengo - especialmente o meio-campo - respirar.

E assim foi o primeiro ato. O Fla procurando espaços, o River colocando muita intensidade e correria.

O Flamengo acertou menos de 70% dos passes. O time argentino força mesmo esses erros (), mas para além disso o Fla não fazia um bom jogo individualmente.
Foram muitos passes e domínios errados por parte do time de Jorge Jesus, talvez pelo nervosismo da final. O melhor resumo disso é a bola parada, tão bem ensaiada e executada nos últimos meses e tão destoante nesse jogo.

Assim que roubava a bola, o River buscava imediatamente as costas da defesa do Fla, sempre com passes longos e rápidos. Foram 9 tentativas de lançamento só nos primeiros 15 minutos.

O jogo era equilibrado. Posse de bola quase empatada, apenas uma finalização para cada lado e um caos no meio-campo...

Nos roteiros, o primeiro ato contém o “incidente incitante”. É quando o Harry Potter descobre que é um bruxo ou o Luke Skywalker é obrigado a fugir de Tatooine.
Aqui, Filipe Luís se antecipou, mas errou o domínio… Gerson e Arão foram com muita sede ao pote, mas desistiram da bola no último momento. Erros individuais que não são comuns nesse time do Flamengo. O buraco se abriu e Borré não perdoou.

O gol nos leva diretamente ao segundo ato. Em geral é a parte mais longa da história. Aqui, durou 45 minutos, até mais ou menos os 15-20 min do segundo tempo. Nessa parte da jornada, e tem o nome de “confrontação”, a tensão é guiada por uma série de obstáculos.
De fato, o jogo ficou difícil, truncado, amarrado… Com a vantagem, o River mudou sua postura. Dobrou a aposta na intensidade, passou a pressionar a saída de bola com ainda mais gente e a picotar o jogo com faltas toda vez que o Fla conseguia escapar.

O River havia feito duas faltas nos primeiros quinze minutos. Fez dezesseis nos trinta minutos seguintes. O Flamengo parecia atordoado e o jogo ficou completamente amarrado. Ninguém conseguia atacar de fato.
Jorge Jesus mudou então para o seu 4-4-2 mais tradicional. Puxou Arrascaeta para a esquerda e Bruno Henrique para o ataque. Agrupava muitos jogadores próximos à bola e buscava BH atacando as costas do lateral na velocidade ou na bola longa para uma casquinha
Além da marcação muito, muito intensa e das faltas, o gramado um pouco alto e bastante seco dificultava a troca de passes rápida que o Flamengo tanto gosta. Assim, o time não conseguia tirar a bola da pressão e sempre se via encurralado.
Gerson passou a tentar dominar o meio-campo na disputa física. Foi bem, na verdade, e ganhou a maioria das disputas. De alguma forma, conseguiu controlar Palacios na marra, mas não conseguia dar continuidade nas jogadas.

Mesmo sem dominar completamente, o River passou a condicionar a partida à sua vontade. O jogo passou a ser jogado da forma como os argentinos queriam e o Flamengo não conseguia encontrar soluções.

Os obstáculos pareciam cada vez maiores.
Quase sempre que conseguia abrir uma brecha e jogar na “zona de guerra” montada pelo River, o Fla encontrava os zagueiros argentinos expostos. Foram muitas situações de mano-a-mano, mas que acabaram sem perigo real.
Além dos erros de execução e decisões ruins do ataque do Flamengo, Martínez Quarta e Pinola foram absolutamente perfeitos.

Diversas situações que nem chamaram a atenção eram, na verdade, aquele tipo de jogada “se passar, é perigo”.

Os zagueiros jogaram no limite.
O terceiro ato da história da história contém o clímax. A tensão aumenta, mas dessa vez de forma exponencial.

Todos nós já sabemos qual é o clímax aqui, mas antes de chegar a ele, precisamos dissecar os 30 minutos finais do jogo.
A partir dos 15-20 minutos do segundo tempo, três coisas aconteceram

1- O River começou a cansar
2- O Flamengo começou a se espalhar mais no campo
3- A torcida rubro-negra entrou no jogo. Era agora ou nunca.
Como o River marca intensamente pressionando a bola e não se preocupa muito em manter um formato definido no campo (), um efeito interessante passou a acontecer. Quando o Flamengo se espalhou, o River também se espalhou.
Quando Diego entrou no lugar de Gerson, o receio era que o Flamengo perdesse o meio-campo nas disputas físicas e, aí sim, fosse engolido.

Porém, com os dois times mais espaçados no campo e os argentinos cansados, aconteceu exatamente o contrário.
Diego não precisou se impor na marra como Gerson. Encontrou mais espaço para jogar e começou a reger o time.

Agora o Flamengo conseguia colocar a bola no chão, manter a posse e jogar.

Os zagueiros argentinos passaram a ficar ainda mais expostos.
O time do River sempre pressiona a bola com tudo. Às vezes quem tem a bola atrai toda a atenção e a defesa deixa espaços nas costas ().

Com mais espaço entre as linhas, isso passou a acontecer mais vezes.

É exatamente assim que sai o gol. Ao roubar a bola, Arrascaeta poderia ter buscado o lado direito, que tinha superioridade numérica. Em vez disso, acionou BH, que teve a maior calma do mundo para atrair toda a atenção e servir.

Aí entra uma característica incrível desse time: o foco. Quando faz um gol, parte para cima como um leão, não dá trégua. É o tal “enfia a faca e roda” de Cláudio Coutinho levado às últimas consequências.
Do outro lado, @mneves_ já alertava que o River vinha levando muitos gols no final…

oglobo.globo.com/esportes/flame…
Gabigol se posicionou, pediu, Diego lançou e… Clímax! A história estava completa.

Pinola é um baita zagueiro, mas quem joga sempre no limite inevitavelmente falha.

Não foi estranho ele ter falhado no gol. Estranho foi não ter falhado antes tendo ficado exposto tantas vezes.

Uma partida QUASE perfeita. Ficará marcado por um lance. Vida de zagueiro...
Na série Narcos, um dos policiais afirma: “Os vilões precisam dar sorte toda vez. Os mocinhos só precisam ter sorte uma vez.”

Esse deveria ser o lema dos zagueiros. Pinola ganhou 15 duelos na defesa durante o jogo. Só perdeu um. Aos 46.
Foi sorte? Claro.
Todo gol no futebol tem alguma sorte. Dois gols em três minutos é bastante sorte. Dois gols nos últimos três minutos é sorte demais.

Mas a sorte acompanha quem trabalha, e trabalha muito, para ser campeão.

O Flamengo não cansa de ter sorte em 2019.
Um roteiro inacreditável, digno dos maiores clássicos do cinema e da literatura. Uma ficção tão real que muita gente ainda acha que está sonhando. Um time inacreditável, digno de todas as homenagens.

A glória eterna!
Pra quem prefere ler direto em formato de artigo, já está lá no @MRN_CRF

mundorubronegro.com/flamengo/teo-b…
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