Thread by @lucasmafaldo

Se o corona (COVID-19) continuar na mesma trajetória por mais três semanas, ele será o evento definidor desse ano. Se continuar por mais três meses, irá definir a década.

A probabilidade de estarmos diante de uma pandemia que ocorre uma vez em cada século está cada vez maior.

Assim que as primeiras notícias começaram a sair da China, expliquei porque não cabe comparar isso com uma gripe normal. O risco da gripe é previsível e estável. Nossa cultura e nossas instituições já o levam em consideração.

O corona é outro tipo de risco: dinâmico e incerto.

Isso significa que a gente simplesmente não sabe o tamanho da coisa. Eventos dinâmicos oferecem um leque enorme de cenários. Enquanto gripe, atropelamento, etc., matam o mesmo número de pessoas todo ano, estávamos diante de algo que podia matar mil, cem mil ou um milhão.

Além disso, eu falei no problema da não-linearidade: na medida em que o impacto da doença vai aumentando, efeitos novos iriam surgindo: sobrecarga dos hospitais, crise econômica e crise social.

Logo, a preocupação faz todo o sentido. Riscos normais não atingiriam esses níveis.

Então a grande questão que eu estou pensando desde janeiro é a seguinte: qual vai ser o tamanho final da coisa? Dentro desses vários cenários, o negócio vai ser leve, médio-leve, médio-alto ou alto?

O principal argumento para ser otimista era o seguinte: “o vírus não é tão...

... pesado, o problema é que a resposta do governo chinês foi ruim”. Eu não vejo mais motivo para acreditar nisso. A situação dramática da Itália e a rápida piora na França e nos EUA mostram que governos de países ricos e democráticos estão com dificuldade de conter a coisa.

O “cenário leve” então já pode ser descartado. Há motivos para acreditar que pode ser “médio-leve”? Acho que não. Só vejo mais dois argumentos otimistas e eles não me parecem muito bons.

O primeiro é que os números estão melhorando em alguns países da Ásia. O problema desse...

... argumento é que esses países tem uma “capacidade estatal” única. Eles possuem estados fortes, uma população disciplinada e muitos recursos para investir nesse problema. Não me parece que o ocidente seja capaz de replicar a eficiência de Taiwan ou Hong Kong.

Além disso, ...

... pode haver também uma subnotificação dos casos na China, de modo que a coisa não esteja tão boa assim.

O segundo argumento otimista é que a mudança do clima vai ajudar a conter o vírus. Isso talvez seja verdade para países tropicais, mas: (i) não há provas disso e (ii)...

... isso significa apenas que virá uma segunda onda de infecções entre agosto e novembro nos países mais frios. Ou seja, não é exatamente um grande consolo.

Por isso, acho provável estarmos diante de um cenário de dano “médio-alto” ou “alto”.

Minha impressão é que os países ocidentais já jogaram a toalha. Eles aceitaram que uns 30-60% da população vão pegar o vírus. O objetivo agora é “achatar a curva”, como eles dizem, isto é, empurrar o máximo o número de infecções para o futuro.

O objetivo de fazer isso é evitar..

... que os hospitais sejam sobrecarregados. É melhor, por exemplo, ter 10 mil infectados por mês ao longo dos próximos 12 meses do que ter 120 mil infectados no mesmo mês. No primeiro caso, o sistema de saúde consegue administrar o problema com menos danos indiretos.

Meu cenário “médio-alto” é onde isso acontece: milhões de infectados, sem sobrecarga dos sistemas sociais.

O cenário “alto” seria caso hospitais e distribuição de produtos começassem a ser afetados. O cenário “altíssimo” seria se o sistema político começasse a fraquejar.

Meu palpite: países tropicais e alguns asiáticos talvez consigam ficar no “médio-leve”. Países ocidentais mais frios vão entrar no “médio-alto”. Ainda não vejo sinal de que muitos países vão entrar no nível “alto” ou “altíssimo” (isto é: desordem social), como o Irã.

Obviamente, isso é um cenário dinâmico que pode mudar positivamente ou negativamente. Eu só vejo um motivo para isso mudar positivamente: uma descoberta médica importante (uma vacina ou novo tratamento). Pode também mudar para pior (contágio econômico, pânico social, etc.).

Diante disso, acho que vale a pena tomar preocupações básicas no nível individual: estocar produtos essenciais (não papel higiênico, mas remédios que você precisa tomar diariamente), evitar multidões e cuidar do sistema imunológico.

No nível social, creio que faz todo o sentido incentivar aula e trabalho de casa, cancelar eventos coletivos e adotar novos hábitos pessoais (menos contato físico, lavar as mãos, etc.).

No nível estatal, vale planejar clínicas separadas para diagnósticos (para evitar...

... sobrecarga do setor de emergência nos hospitais) e aumentar o estoque de respiradores e máscaras. Países mais ricos devem também investir na descoberta de vacinas e tratamentos.

Outro papel estatal: limitar a movimentação de pessoas e monitorar viajantes.

Cada sociedade vai implementar essas respostas com uma intensidade diferente. É compreensível: isso tem um custo e algumas sociedades não estão dispostas e/ou não podem pagar esse preço.

Porém, é que nem seguro: quem não paga agora, talvez pague mais depois, dependendo da sorte.