Passamos o dia em casa tentando não pirar, tentando preservar ao máximo as crianças.
Somos privilegiados: dois adultos e duas crianças num apartamento grande. Temos tudo.
Quando lembro disso, volta a piração de pensar em tanta gente só tem um quarto.
Mesmo tendo coisa na geladeira, achei que dar uma variada faria bem.
Pedimos de um restaurante familiar, conhecido, que se compromete com regras de higiene.
O dono está desesperado: se não houver pedidos, eles não têm o que comer.
Indigesto.
Logo depois, vi a lista de medidas do governo federal:
Contratar mais médicos e leitos. Nada específico para o SUS, onde o grosso da demanda vai explodir.
Bizarras as prioridades em tempos de crise.
Já ligou para seus idosos e amigos mais vulneráveis hoje?
Eu liguei. Dá vontade de chorar ao sentir tanto amor e sentir a distância e não saber o que vai ser do amanhã.
Ontem liguei para o Tião, amigo de minha mãe.
É um dos amigo mais distantes de minha mãe, 1ª pessoas que me pegou no colo na maternidade.
- É a doença dos velhos - diz ele.
Tião me respondeu pelo WhatsApp, sem condições de falar, dizendo ser só choro, estar com medo e agradecendo o gesto.
Quantos Tiões nesse Brasil afora sem ninguém do outro lado da linha?
A gente tem que poupar as crianças dessa dor, deixar ao máximo que saibam desses tempos malucos pelos livros de histórias e pelos futuros causos contados nas mesas do café, entre risos, quando tudo for só lembrança.
Quero lembrar das pessoas.
Da dona Dolores, moradora de rua idosa e com demência que vive aqui em frente. Outro dia pensei: vou entrar de quarentena e não vou saber dela. E se morrer, vou saber?
E se morrer, vou lembrar de lembrar dela?
Vão ter alimentação, segurança, médicos e, talvez, uma sobrevida. Mas e depois, que vai ser deles?
Faz poucos dias falei com uma dondoca.
Eu disse:
- Eu vou ajudar a minha família. Eles se viram - ela respondeu.
- Se o morador de rua da frente da sua casa pega corona, aumenta a chance da sua família ter.
A mulher se assustou ao pensar nisso.
Ela saiu de lá convencida de que temos que cuidar deles, mas, mais como o sapato que tem de ser esterilizado antes de entrar em casa.
Que bom que a ajuda veio pela mão Estado.
De tudo tiro coisas boas, pois se a gente não aprender nada com esse episódio, pode fechar o planeta terra e enterra a humanidade.
Valeu @helderbarbalho e @FlavioDino, bons exemplos de luta e de que pode vir forte, sou do Norte.
Ou a gente cuida de todos ou a gente não cuida da gente, seja no surto de ebola na África, seja no surto de Covid-19 na Itália.
E que venha a China ajudando quem precisar.
Hoje só desejo voltar à normalidade e poder cumprimentar Dona Dolores, e jamais esquecer que ela existe.
Fim