Os espanhóis têm uma palavra que resume quando um time joga tão coordenado que fica difícil roubar a bola: automatismo.
Nada mais do que uma repetição. Um hábito.
A derrota do Palmeiras hoje (e outros jogos ruins) podem ser explicados pela falta desses automatismos. Fio 👇
Para entender o que o nome complicado significa, vamos simplificar as coisas: futebol é meio que lógico. Quem ataca quer levar a bola do ponto X até o ponto Y. Quem defende quer evitar que ela chegue até o ponto Y.
Atacar é levar a bola até os melhores setores para criar o gol.
Dá pra conduzir essa bola de muitos jeitos, como drible e passe. Para passar, é preciso que um jogador se desloque do ponto X até o ponto Y e receba a bola naquele setor. Pronto: o time conseguiu andar uns metros à frente
(bem básico, mas o importante é entender a lógica)
É preciso ter esses movimentos o tempo todo. Por todo o campo. E só se movimentar não basta, tem que ser mais rápido que o adversário. Tem que ser muito combinado e no timing certo.
Sabe como se acerta isso? Repetindo até criar um hábito. Esse é o tal do automatismo.
Automatismo tem muito a ver com a tomada de decisão do jogador: ele pensa o jogo tão rapidamente que, diante de todas as possibilidades que ele tem, sempre escolhe a que melhor resolve um problema.
E o problema é levar a bola de X a Y. Sacou?
Vamos de exemplo, pra ficar didático: Mayke com a bola no ponto X. O ponto Y é esse sublinhado em vermelho, um espaço vazio que poderia tirar um defensor do Botafogo de lugar e desorganizar eles (a famosa entrelinha).
O Verón já identificou e começa a correr pra receber a bola.
Só que o Palmeiras não é um time com tantos automatismos desenvolvidos. Se fosse, o Mayke passaria a bola pro Verón no EXATO MOMENTO que ele tava livre.
O Mayke gasta alguns segundos pensando no que fazer...é o mesmo tempo do Botafogo fecha o ângulo do passe.
Tempo é tudo.
Quando o Wesley recebe a bola, tudo começa...ponto x...ponto y...um novo espaço se desenha, que é rapidamente identificado pelo Ramires.
E acontece a mesma coisa: a falta do hábito de passar a bola rapidamente nos espaços vazios faz ele pensar mais, gastar mais tempo e...
Isso mesmo, não conseguir passar pra frente.
É o resumo dos jogos do Palmeiras.
O Ramires até breca o corpo, meio que pensando "pô, me desloquei, mas corri à toa". Rola um desgaste de se mexer o tempo todo e não receber a bola. Tática explica as relações humanas do jogo.
Outro exemplo da falta de automatismo e suas consequências negativas é aqui, que Zé Rafael recebe a bola e ninguém aproxima.
Lembra que a ideia é ter o hábito de se deslocar sempre?
Isso gera uma complicação ao jogador, que precisa meio que "se virar nos 30".
Ele faz uma tabela curta com o Ramires e já se projeta. Só que a falta de ocupação de espaço anterior tirou jogadores que poderiam ir para espaços vazios. Ramires toca para Wesley, que se vê sozinho contra uns 3 e perde a bola.
Lances que se repetem o tempo todo.
O que faz um time ter ou não sucesso não é a sofisticação ou complexidade de suas ideias de jogo.
É a forma mais ou menos automática que ela é executada pelos jogadores.
De nada adianta você ter um monte de conceito e etc se os caras não fazem rápido pra seguir a lógica.
Um exemplo é o Palmeiras de 2018. A ideia e Scolari era bem simples e só deu tão, tão certo porque era executada muito rapidamente.
O automatismo é o que explica o sucesso do Jesus, do Sampaoli, do Felipão, do zé da esquina...
B. Henrique fez muitos gols porque ocupava o espaço vazio que o Gabigol ou Arrasca abriam no momento que davam o passe. Tão rápido que ninguém marcava. globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Já percebeu que o caminho de casa ao trabalho parece mais longo da primeira vez? E depois fica mais curto? Até chegar o momento que você faz sem nem mesmo perceber?
Portanto, não faltam ideias de jogo ao Palmeiras. Elas estão aí, é só treinar o olho para ver. Falta só elas serem executadas mais rapidamente para que cumpram seus objetivos e façam o time jogar bem. Ou melhor, levar a bola de X a Y. globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Entender o que é automatismo ajuda a avaliar o trabalho do Luxa. Não avaliar como ótimo (que não é) não significa avaliar como péssimo (o que também não é). Somos humanos e dramáticos, mas dá pra avaliar de forma bem justa como regular: um time que joga mal e é competitivo.
O que separa o regular do bom é o mesmo detalhe que separa o Palmeiras do topo da tabela: o automatismo. Com a sequência de jogos, vai ser difícil ter sessões de treino para corrigir isso...mas a esse estágio da temporada, o time poderia passar melhor a bola.
Avaliação justa.
Só pra complementar, algo legal sobre os automatismos:
Durante muito tempo, acreditava-se que automatismo era quando os jogadores entendiam o modelo de jogo tão perfeitamente que cumpriam tudo de cabeça. Era algo mais mecanizado. O treino era voltado a isso.
Essa noção se difundiu com a revolução Mourinho em 2002 e om o Barcelona de Guardiola.
Aliás, o diferencial daquele Barça, além da qualidade, era fazer tudo tão rapidamente que times como United e Real Madrid viraram um Íbis. O segredo não era a ideia. Era a execução!
Esse mesmo Barcelona mudou tanto o futebol que obrigou os automatismos a ficarem mais complexos. O jogador tinha que cumprir o modelo de jogo e saber tomar as melhores decisões quando a coisa apertava. Em suma, se adaptar ao próprio jogo. Mudar de estilo em questão de minutos.
Hoje, gerar automatismos nos jogadores é estimular decisões inteligentes. Tanto faz o modelo, posição, função...o cara tem que escolher bem as coisas que faz e como se conecta aos jogadores.
A ideia de "marcar" no futebol sempre esteve relacionada à ter jogadores que roubam a bola e são fortes.
Isso vem mudando.
Hoje, marcar é um exercício de tirar espaço do adversário, justamente o que o Flamengo não fez no massacre do Independiente Del Valle.
Segue o fio👇
Dá para tirar espaço de muitas formas: deixando quem está com a bola livre e cercando quem tá ao redor, impedindo que o passe seja feito, ou pressionando ao máximo a bola para roubar e não deixar o time jogar.
O Flamengo optou pelo segundo jeito.
Para ganhar em musculatura, o mecanismo de Dome foi fazer Gérson saltar o tempo todo no zagueiro com a melhor perna e deixar Gabigol, ainda fisicamente abaixo, no volante que fazia a saída de três. O @schmidt_felipe desenhou aqui.
Ano passado, a discussão era se Jorge Jesus tinha acabado com a muleta do rodízio no Brasil.
Esse ano, a discussão é sobre as vantagens do rodízio de Domènec Torrent.
Peraí. Rodízio é bom ou ruim? Ou ele vira bom se ganha e ruim se perde?
Análise não é isso....
O dicionário diz que "análise" é "estudar cada parte de um todo para conhecer melhor sua natureza, relações e causas".
Analisar é separar o todo em várias partes para ver como essas partes se RELACIONAM e produzem o resultado final.
Normalmente, falamos que o RESULTADO FINAL é "bom ou ruim".
Bom ou ruim são juízos de valor. Um julgamento feito com base a partir de percepções individuais e tem como base sua cultura, seus sentimentos, ideologias e história de vida.
Quando no papel tem tudo para dar certo, o trabalho acontece, mas nada sai do lugar? As coisas simplesmente não dão liga juntas?
O Palmeiras é um exemplo. A liga ainda não aconteceu...segue o fio👇
Primeiro de tudo, é preciso separar resultado de desempenho.
O Palmeiras ganhou um campeonato que não via há 12 anos a ainda não perdeu no Brasileiro e na Libertadores.
O problema é o desempenho. O time simplesmente joga mal demais em TODOS os jogos. Maltrata a bola...
Jogar bem não é mostrar um futebol ofensivo e vistoso porque isso é muito subjetivo. É um conceito que varia de pessoa pra pessoa, então não é algo racional.
Jogar bem é conseguir executar uma ideia de jogo.
Colocou em prática a proposta? Jogou bem.
Não colocou? Jogou mal.
O duelo do talento de Neymar e Mbappé contra o forte time dos alemães. Individual contra sistema.
É um pensamento que parece lógico...só que futebol não é tênis ou handebol! Não dá para separar a individualidade do coletivo. Fio👇
Perceba que todo mundo, antes do jogo, olha a escalação e faz uma soma: quem tem os melhores jogadores é o favorito. Ganha quem tem mais talento. Se tem um muito acima da média, então ele ganha a tarefa de ser protagonista e liderar seu time.
Domènec Torrent colocou Pedro, Vitinho e Michael no segundo tempo contra o Atlético-MG. O Flamengo jogou num 5-1-4 ou um 2-3-5?
No fim, não importa. Mais importante que entender esquema é entender uma ideia e o tempo que ela leva para virar um time. Segue 👇
Torrent explicou que queria deixar cinco atacantes contra a defesa do Galo, que naquele momento também tinha cinco jogadores. O técnico queria criar situações de "1 a 1". Faz sentido, já que Bruno Henrique e Gabigol são rápidos e bons para driblar e fazer o gol.
Para equilibrar o meio-campo, Rafinha e Filipe Luís foram para o lado.
É a ideia dos laterais por dentro, que Guardiola tanto usou com a ajuda de Dome no Bayern. Lahm e Alaba jogaram muito assim e esse posicionamento inspirou diversos times no mundo. A inversão da pirâmide.
Domènec Torrent chega ao @Flamengo como praticante do "Jogo de Posição". É algo que vem sendo bastante falado, mas por ser novo no Brasil, ainda não entendemos direito essa filosofia.
- O que é Jogo de Posição?
- Vai mudar muito do Jorge Jesus?
- Dá pra adaptar?
Segue o fio 👇
O nome “Jogo de Posição” causa uma certa confusão. Achamos que a posição é o jogador ficar parado nos espaços, ou que o time forma aquele desenho mais típico, com os laterais abertos e o resto do time por dentro.
Na real, a “posição” é o lugar onde a bola está no campo.
A principal referência do Jogo de Posição é a bola. É a partir dela que os jogadores vão se espalhando no campo.
A melhor forma de entender é imaginar círculos ao redor da bola. Cada círculo representa um papel que o jogador precisa cumprir. Coletivo acima do individual.