Uma falha infantil do Gustavo Henrique ou uma jogada planejada: como você vê o 2º gol do Inter contra o Flamengo?
Na real, tanto faz. Todo mundo tem uma opinião. Uma verdade interna.
O futebol nos faz crescer como seres humanos quando entendemos e não julgamos. Bora pro fio 👇
O que é errar?
Diz a filosofia que erro é quando o que nós temos de conhecimento sobre algo, seja lá o que for, não reflete a realidade. É um desacordo. Uma inadequação na cabeça.
Então pra entender o erro você precisa, antes de tudo, entender a realidade da outra pessoa.
É aí que complica. É difícil entender a realidade do outro. Exige esforço, desprendimento e leva tempo...não temos como ficar pensando sempre no outro.
É mais fácil julgar. Botar a realidade do outro na nossa perspectiva e dizer se está de acordo (certo) ou desacordo (errado).
Julgar é importante. Tem coisa que tá certa (a fórmula de química que você decora pro vestibular) e coisa que tá errada (preconceito).
Só que tem coisas que precisam de interpretação. Que tem que pensar, que não tem fórmula, que corremos o risco de sermos injustos se julga.
Futebol é assim: não tem certo ou erro. Tem o jogo.
Qual é a única coisa indiscutível no jogo?
O placar. Já o que acontece durante os noventa minutos é puro fruto da nossa realidade paralela, do que a nossa mente conhece e vê lá. Cada pessoa tem uma opinião. E tá ok ser assim.
Por isso que o passe do Gustavo Henrique não é um erro. Tampouco um acerto.
Foi fruto de um desacordo no pensamento dele....e também fruto de uma situação que o Internacional trabalhou para "criar" aquela realidade. O Inter induziu o erro. Ou você acha que é legal errar passe?
Para entender o lance, é preciso ver que o Internacional é um time que pressiona sem parar.
Joga no 4-1-3-2 por isso. Quando o zagueiro tá com a bola, Galhardo ou Abel fecham a linha de passe do companheiro, um meia vem no lateral e o outro fecha a linha de passe do volante.
Esse desenho se repete o tempo todo. O intuito é pressionar o portador da bola e fechar todas suas linhas de passe. Isso é comum com adversários que gostam da bola e de sair jogando, como o Flamengo ou o Atlético-MG.
É como se o Inter criasse uma realidade paralela....
Dentro desse jogo de enganação que Coudet propõe, tem um cara que é fundamental: Thiago Galhardo.
Ele é o cara que engana zagueiros e laterais. Fica meio parado, como quem "desligou" da marcação, e deixa uma linha de passe desprotegida...só espera o momento certo de dar o bote.
No primeiro gol, Isla é quem faz a saída de três quando Arão ainda está retornando. Ele se aproxima do goleiro e é marcado de perto.
O Inter segue seu modelo e fecha todas as linhas de passe. Menos uma: a do goleiro Hugo. É o único pra quem o Isla pode passar a bola com calma.
Vendo só esse frame, estático, parece ser "verdade" isso que escrevi. Só que lembra que o Inter cria uma realidade paralela?
Essa opção de passe pro Hugo é falsa. Olha o corpo do Galhardo: ele tá inclinado, esperando o passe pra trás. A orientação dele é interceptar e chutar.
Fica tão evidente que o Isla recua, quer dar um passe mais seguro, o Hugo recua....e o Galhardo vai que nem um leão interceptar a bola.
É uma enganação tão sórdida que o meia já entrou na área esperando o passe. Coudet pensou nisso, botou no treino e convenceu os caras.
Isso aconteceu o jogo inteirinho.
Olha aí outro exemplo do Galhardo dando espaço, mas esperando um passe pra trás pra interceptar. Não é por acaso que ele é artilheiro: é técnico, rápido, e acima de tudo, é inteligente. Entende o espaço e o tempo do jogo.
O lance do 1º gol começa com o Galhardo na "zona da maldade". O Abel pressiona o Gustavo, que segue o que ele treina sempre: jogar curto, atrair adversários e depois tocar no Pedro. É a jogada clássica do Flamengo de Dome.
Tão treinada que o Arão vem no espaço vazio pra receber.
O Arão recebe e toca de primeira para o Isla.
E o Galhardo lá, parado, "fora do jogo" de propósito.
O Isla também tá livre, mas as coisas começam a ficar sufocantes. O goleiro tá mais livre que todo mundo e começa a ser o ponto de segurança.
Jogador inteligente, o Isla entende que não conseguirá passar para frente e toca curto ao Gustavo Henrique, que tá na frente do Abel e tem espaço.
Foi na fogueira? Sim. Mas o Isla tá com o corpo virado, não tinha como fazer outra coisa. Calor do jogo, brigando pela liderança...
Se você ver bem, o Gustavo escolhe bem o que fazer: conduzir. Quer levar a bola mais à frente. Thiago Maia, que estava livre, é cercado. Isla e Arão sem condições. Natan e Filipe Luís estão longes.
A única opção segura parece ser o goleiro.
Revendo o lance, o Gustavo não dá uma "pescoçada" pra trás em nenhum momento. Ele fica concentrado na bola, como um zagueiro deve estar, atento a qualquer lance de perigo.
Ele treina isso. E treina o passe ao goleiro, um importante recurso de jogo, para manter a posse.
É por isso que nesse lance, nesse segundo, a "realidade" do Gustavo Henrique é a do passe para trás. Ele não teria como ver a "maldade" do Galhardo, posicionado pra interceptar e aproveitar.
E "quebrar a bola"?
Sim! Chutão é válido!
Mas ele tava sem tempo até de dar o chutão.
Dar chutão não é só chutar a bola, você precisa posicionar o pé, levantar, por força na bola. Sem tanto tempo e espaço, só resta tocar.
É fácil dizer que o Gustavo Henrique errou, que fez uma "falha bizonha".
Mas você tentou entender a realidade dele? E o mérito do Galhardo?
Erro e acerto dependem da nossa visão. Não do que acontece no jogo.
A mesma jogada que o Inter fez o gol foi a jogada que o próprio Flamengo chegou ao empate, numa saída que o Gustavo Henrique toca curto ao Isla como ele vem fazendo nesses três meses de Doménec no Fla.
Afinal, manter a bola sob controle e se organizar para levá-la ao gol adversário é um dos pilares do Jogo de Posição, que expliquei nessa matéria.
E nessa filosofia, a posse de bola é o elemento que comunica todo mundo, que junta o time. O técnico Fabiano Soares, que entrevistei no ge, explicou bem sobre isso. 👇 globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
Por isso prefiro entender a realidade de cada um antes de apontar o dedo. Isso é maturidade.
Quando somos crianças, choramos quando nossa vontade não é atendida. Conforme crescemos, passamos a entender que nossa vontade depende do contexto. Aprendemos a agir. E depois a aceitar.
Penso que o futebol, quando visto de forma mais proativa, é o melhor instrumento para nos amadurecer como pessoas.
Entender a realidade do outro pode nos fazer seres humanos melhores. Bons no trabalho. Mais empáticos. Menos raivosos. Mais sábios e conscientes do mundo.
Vou te dar um exemplo: já pensou se todo mundo fizesse essa análise quando fosse votar, analisando propostas, discutindo e votando de forma consciente?
E se a gente fosse assim com os amigos, procurando não julgar e entender quando "ele faz merda" pra dar o conselho certo?
Percebam que tudo de bom que há na vida parte do entendimento e da compreensão: amizade, família, amor, esperança...
Julgar causa raiva, ódio e frustração. Tira nosso discernimento.
Por isso temos que ver o erro de um outro jeito: como um instrumento de aprendizagem.
Essa ótima entrevista do filósofo Charles Pépin resume tudo: TODO MUNDO que teve sucesso na vida já falhou. E não foi uma só vez não, foram muitas.
Falhar nos faz crescer. Não é algo que deva gerar um linchamento virtual.
O mundo está em constante mudança, e se você não percebeu, estamos julgando menos as pessoas por suas cores, orientações e classes e estamos buscando compreendê-las mais.
Espero que o futebol, ainda conservador, aprenda que compreender é o melhor jeito para melhorar.
Um dia!
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Os espanhóis têm uma palavra que resume quando um time joga tão coordenado que fica difícil roubar a bola: automatismo.
Nada mais do que uma repetição. Um hábito.
A derrota do Palmeiras hoje (e outros jogos ruins) podem ser explicados pela falta desses automatismos. Fio 👇
Para entender o que o nome complicado significa, vamos simplificar as coisas: futebol é meio que lógico. Quem ataca quer levar a bola do ponto X até o ponto Y. Quem defende quer evitar que ela chegue até o ponto Y.
Atacar é levar a bola até os melhores setores para criar o gol.
Dá pra conduzir essa bola de muitos jeitos, como drible e passe. Para passar, é preciso que um jogador se desloque do ponto X até o ponto Y e receba a bola naquele setor. Pronto: o time conseguiu andar uns metros à frente
(bem básico, mas o importante é entender a lógica)
A ideia de "marcar" no futebol sempre esteve relacionada à ter jogadores que roubam a bola e são fortes.
Isso vem mudando.
Hoje, marcar é um exercício de tirar espaço do adversário, justamente o que o Flamengo não fez no massacre do Independiente Del Valle.
Segue o fio👇
Dá para tirar espaço de muitas formas: deixando quem está com a bola livre e cercando quem tá ao redor, impedindo que o passe seja feito, ou pressionando ao máximo a bola para roubar e não deixar o time jogar.
O Flamengo optou pelo segundo jeito.
Para ganhar em musculatura, o mecanismo de Dome foi fazer Gérson saltar o tempo todo no zagueiro com a melhor perna e deixar Gabigol, ainda fisicamente abaixo, no volante que fazia a saída de três. O @schmidt_felipe desenhou aqui.
Ano passado, a discussão era se Jorge Jesus tinha acabado com a muleta do rodízio no Brasil.
Esse ano, a discussão é sobre as vantagens do rodízio de Domènec Torrent.
Peraí. Rodízio é bom ou ruim? Ou ele vira bom se ganha e ruim se perde?
Análise não é isso....
O dicionário diz que "análise" é "estudar cada parte de um todo para conhecer melhor sua natureza, relações e causas".
Analisar é separar o todo em várias partes para ver como essas partes se RELACIONAM e produzem o resultado final.
Normalmente, falamos que o RESULTADO FINAL é "bom ou ruim".
Bom ou ruim são juízos de valor. Um julgamento feito com base a partir de percepções individuais e tem como base sua cultura, seus sentimentos, ideologias e história de vida.
Quando no papel tem tudo para dar certo, o trabalho acontece, mas nada sai do lugar? As coisas simplesmente não dão liga juntas?
O Palmeiras é um exemplo. A liga ainda não aconteceu...segue o fio👇
Primeiro de tudo, é preciso separar resultado de desempenho.
O Palmeiras ganhou um campeonato que não via há 12 anos a ainda não perdeu no Brasileiro e na Libertadores.
O problema é o desempenho. O time simplesmente joga mal demais em TODOS os jogos. Maltrata a bola...
Jogar bem não é mostrar um futebol ofensivo e vistoso porque isso é muito subjetivo. É um conceito que varia de pessoa pra pessoa, então não é algo racional.
Jogar bem é conseguir executar uma ideia de jogo.
Colocou em prática a proposta? Jogou bem.
Não colocou? Jogou mal.
O duelo do talento de Neymar e Mbappé contra o forte time dos alemães. Individual contra sistema.
É um pensamento que parece lógico...só que futebol não é tênis ou handebol! Não dá para separar a individualidade do coletivo. Fio👇
Perceba que todo mundo, antes do jogo, olha a escalação e faz uma soma: quem tem os melhores jogadores é o favorito. Ganha quem tem mais talento. Se tem um muito acima da média, então ele ganha a tarefa de ser protagonista e liderar seu time.
Domènec Torrent colocou Pedro, Vitinho e Michael no segundo tempo contra o Atlético-MG. O Flamengo jogou num 5-1-4 ou um 2-3-5?
No fim, não importa. Mais importante que entender esquema é entender uma ideia e o tempo que ela leva para virar um time. Segue 👇
Torrent explicou que queria deixar cinco atacantes contra a defesa do Galo, que naquele momento também tinha cinco jogadores. O técnico queria criar situações de "1 a 1". Faz sentido, já que Bruno Henrique e Gabigol são rápidos e bons para driblar e fazer o gol.
Para equilibrar o meio-campo, Rafinha e Filipe Luís foram para o lado.
É a ideia dos laterais por dentro, que Guardiola tanto usou com a ajuda de Dome no Bayern. Lahm e Alaba jogaram muito assim e esse posicionamento inspirou diversos times no mundo. A inversão da pirâmide.