Eu (Isaac) já alerto isso há tempo, e o modelo do Marc e a explicação são sensacionais.
No fim do fio eu completo. Daqui pra frente o fio é do Marc: Os óbitos e hospitalizações por COVID-19 sempre aparecem mais tarde do que os casos. Este atraso está frequentemente levando mais de um mês, e esse tempo pode ser previsto com precisão (Marc Bevand conseguiu). //2
Quem fala que é uma “epidemia só de casos” está errado. Este fio explica com exemplos reais. Marc Bevand mostrou o que causa o atraso, e como podemos prever com precisão. Primeiramente, existem várias causas: //3
#1 - Atraso clínico (característica da doença)
#2 - Notificação
#3 - Prevalência de idade das infecções
Então, na melhor das hipóteses, os óbitos demorarão um pouco mais de três semanas para aparecer após o registro dos casos, e as hospitalizações levarão de uma a duas semanas. //5
O atraso #2 é o atraso na notificação. Os óbitos podem demorar até 4 semanas para serem notificadas. No estado da Flórida (EUA), por exemplo, o atraso médio entre a data do óbito e a data da notificação do óbito é de 28.4 dias, atualmente:
Os atrasos de notificação também são vistos nas internações hospitalares. Em San Diego (localidade do Marc Bevand), a cidade alerta que as estatísticas hospitalares estão incompletas nas últimas duas semanas. //7
Realmente, o pico de 15 de Maio demorou 15 dias para ser reportado como o maior pico do gráfico:
O atraso #3 é causado pela prevalência de idade dos infectados. Sabemos que uma pessoa de 70 anos tem 100x mais chance de falecer ou ser hospitalizada por COVID-19, quando a comparamos a uma pessoa de 20 anos:
E então observamos uma tendência surpreendentemente universal em todo o mundo: os surtos de COVID-19 começam quase sempre nos jovens, antes de se propagar para os grupos de maior faixa etária: //10
Mais exemplos da propagação da COVID-19 dos jovens para os idosos podem ser vistos no fio e mapas de calor do Marc:
Quando um surto começa em jovens, terá um impacto inicial próximo de 0 nas hospitalizações e nos óbitos (pessoas de 20 anos tem 100x menos chances de serem hospitalizadas/falecer) até que a infecção se propaga nas faixas etárias de maior idade. /12
O atraso de propagação pode ser de quatro semanas ou mais, vejam Tóquio: /13
A soma de todos estes atrasos é: 1. três semanas da infecção até o óbito; 2. quatro semanas para a notificação dos óbitos; 3. quatro semanas para a doença se propagar nas faixas etárias de maior idade.
Total = até 11 semanas do aumento de infecções até o aumento de óbitos. /14
No entanto, não é o aumento de infecções até o aumento de óbitos que queremos estimar, mas sim o aumento de *casos* até o aumento de óbitos. Então, quanto tempo leva para que um aumento de infecções seja notificado como um caso? //15
Uma infecção ocorre, os sintomas aparecem dias depois, o paciente é testado, e o laboratório ou hospital envia o resultado deste teste para as autoridades de saúde pública. Sendo conservador, poderíamos (super)estimar este atraso para aproximadamente duas semanas. //16
Então o atraso entre o aumento de casos até o aumento de óbitos seria nove semanas neste exemplo (11 menos 2).
E, é claro, para confirmar retroativamente que os óbitos estão aumentando, precisaríamos observar os óbitos por algumas semanas além do ponto de nove semanas. //17
Veja o gráfico abaixo: o painel superior mostra os óbitos no Irã até 04/06.
Nos diriam que a tendência de queda dos óbitos no Irã não havia revertido até aquele ponto. Só com mais dados (painel inferior) fica claro que a reversão de tendência começou na verdade em 14/05. //18
Na experiência do Marc, as pessoas que falam que é apenas um aumento de casos e estão tão focadas apenas na parte visual dos gráficos tem - ironicamente - a maior dificuldade em leitura de gráficos. //19
Falta a eles especificamente o senso intuitivo do que constitui uma reversão de tendência estatisticamente significativa. //20
Ex: Em Junho Marc discutiu com alguém sobre este gráfico do Irã mas a pessoa não se convenceu que a tendência de óbitos havia revertido no dia 14/05 até que teve acesso a mais 5 semanas de dados além:
Neste cenário extremo a pessoa precisaria de um total de 14 semanas (9 de atraso + 5 de observação retroativa) para ter um gráfico visualmente convincente de que as mortes estavam realmente subindo.
14 semanas! É por isso que “espere mais 2 ou 3 semanas” virou um meme! //22
Na prática o atraso é menor que nove semanas.
Ex: O pico de COVID-19 no verão da Flórida (EUA) teve um atraso entre os casos e os óbitos de somente 5 semanas. //23
Mas com uma observação retroativa de uma semana, isso significa que foram necessárias 6 semanas para mostrar para o pessoal do “é só um aumento de casos” conseguir enxergar um gráfico em que os óbitos estão subindo.
Na verdade, Marc criou um modelo para prever este atraso. //24
Esse modelo prevê o tempo dos óbitos na Flórida (EUA) levando em conta as três causas do atraso:
Este modelo foi super preciso pois a Flórida (EUA) é um dos poucos estados que publica a informação completa, incluindo a idade de cada caso de COVID-19, informação necessária para a causa 3 dos atrasos (prevalência por idade). //26
Tendo dito tudo isso, existem (apenas) 2 cenários onde o aumento de casos não levará a um aumento de óbitos:
1: Melhoria na taxa de averiguação de testes: algumas vezes mais testes são feitos e acabam pegando mais casos com sintomas leves, mas a epidemia em si não cresce. //29
Isto ocorreu na primavera na Suécia. Um indicador muito confiável dessa situação é quando a positividade dos casos diminui. //30
2: Quando um surto ocorre entre jovens mas nunca chega a se propagar para os mais idosos. Isto é incomum, mas ocorreu em Setembro na Flórida:
Enfim, o atraso entre os casos e óbitos é real. Pode ser previsto com precisão utilizando-se os dados corretos (faixa etária).
Esse atraso não está na faixa de duas a três semanas, mas pode chegar a até nove semanas ou mais, como Marc demonstrou. //32
Outro ponto muito importante: a taxa de averiguação de casos mudou drasticamente entre Março/Abril e Outubro.
Em Março/Abril, muitos países pegavam aproximadamente 1 a cada 10 casos.//33
Em Outubro estão detectando 1 a cada 2, ou 1 a cada 3. O que isso quer dizer para casos e óbitos?
Isso significa que comparar os óbitos por caso de Março/Abril com as de hoje (Outubro) é altamente enganoso. //34
A Espanha é um bom exemplo. Em Outubro os casos estão com o pico maior do que em Março/Abril, mas os óbitos estão menores, então isso quer dizer que a COVID-19 está mais severa? Errado. //35
A realidade nos mostra que, devido a baixa taxa de averiguação de casos (1 em 10) em Março/Abril, o pico de casos foi muito pior lá. Por isso que os óbitos foram mais altos em Março/Abril. //36
A COVID-19 não ficou “menos severa” com o tempo. Sim, os tratamentos ficaram um pouco melhores no quesito manutenção da vida das pessoas (
), mas o maior fator, de longe, é a melhora na taxa de averiguação de casos.
//FIM DO FIO DO MARC - 37
Observações do Isaac:
Os dados do Brasil são, infelizmente, piores do que os dados utilizados pelo Marc. Nós, da @analise_covid estamos tentando buscar a faixa etária dos casos no Brasil a tempos e é bem complicado de lidar com a tabela que temos (OpenDataSUS). //38
Para comparação, consegui estes dados da minha cidade (Caxias do Sul) com a Secretaria Municipal de Saúde e consegui encontrar exatamente o mesmo fato que o Marc Bevand: //39
O Brasil é um país que não dá muita bola para o indicador de positividade, então não conseguimos ter certeza se estamos em um cenário de melhoria da averiguação dos testes ou se é um surto real até que efetivamente aconteça. //40
Um ex. disso são os alertas que venho dando para a cidade de P.Alegre sobre a reversão de tendência das internações em UTI, que vem ocorrendo desde 25/09, ou seja, 4 semanas atrás, como disse o Marc, e conseguimos já ter certeza estatística da reversão em 11/10 (2 semanas). //41
Eu postei um vídeo em meu canal do YouTube falando sobre os cuidados no atraso de notificação de óbitos no Brasil, e como o gráfico sempre irá parecer que está caindo em qualquer época que a análise for feita: //43
Há a chance de os atrasos no Brasil serem ainda maior pois a burocracia de notificações aqui é consideravelmente maior, devido a alguns poréns: represamento de notificações nos finais de semana (desde o início da pandemia); //44
vários municípios sem condições de analisar os testes, tendo de mandar para o LACEN (Laboratório Central) do seu estado e aguardar um prazo ainda maior, pois a nossa infraestrutura de testagem, como já evidenciado pelo Ministério da Saúde, é mais fraca do que a dos EUA. //45
Vejam no gráfico abaixo que o Brasil nem informa mais os testes, de tão fraca que é a infraestrutura. Isso gera um atraso ainda maior. (ourworldindata.org/coronavirus#wh…) // FIM DO FIO COMPLETO - 46
Oi, pessoal. Qual a opinião de vocês sobre o papel da desinformação na tomada de decisão das pessoas? Usando o exemplo da vacina, que estava latente e agora estourou: vocês acham que a desinformação afeta a quantidade de pessoas que vai se vacinar? //1
Me parece um problema sério, e que temos de combater. Fiz uma imagem super simples para tentar condensar como eu vejo a desinformação afetando esse processo. //2
As pessoas todas tem (devem ter) autonomia nas suas decisões, e vejo que isso está sendo debatido. Mas essa autonomia precisa de informações para subsidiar a tomada de decisão posterior. //3
Oi, pessoal. Há alguns dias atrás eu fiz um fio explicando como identificar reversões de tendência nos números da COVID-19, e mostrei como isso pode nos ajudar a termos intervenções menores e mais baratas, antes de termos que parar tudo.
Utilizei os dados de Porto Alegre no fio, e usarei de novo agora para demonstrar continuidade. Atualizei os dados e gerei este gráfico, que traz as tendências dos últimos 70, 30 e 14 dias. Fica clara a reversão, né? //2
Quando começamos a ver isso nas UTIs, já temos um indício forte de que o contágio se espalhou a pelo menos 14 dias atrás, e que é hora de, no mínimo, parar com reaberturas. Intervenções aqui cortam o mal pela raiz. //3
Oi, pessoal! Para quem está com dúvida de como está a segunda onda da Europa e como isso pode influenciar o nosso futuro próximo, fiz alguns gráficos para demonstrar como estão a taxa de crescimento de casos e de óbitos tanto aqui quanto na União Européia + Reino Unido. //1
Separei assim pois a UE fica similar ao Brasil em número de "estados" e equipara a população. Sempre tem alguém que me diz "não podemos comparar o Brasil com "xxxx", mesmo falando de taxa de crescimento (e aí a população influencia menos do que a densidade demográfica). //2
Como podemos entender esses gráficos? São dois para casos e dois para óbitos. Nos gráficos também tem cores que refletem as medidas de distanciamento adotadas em cada localidade (deu um trabalhão pesquisar para 28 países quando abriram e quando fecharam). //3
Sabemos que nenhuma vacina é 100% eficaz. Para compensar essa falta de eficácia completa, a arma que temos é a cobertura vacinal.
A cobertura vacinal de 2020 está muito, muito baixa. Sigam o pequeno fio. //1
Quanto mais pessoas vacinadas, mais protegidos estão quem não tiver o efeito positivo da vacina e quem não pode tomar. Essa baixa cobertura vacinal deixa brechas aonde a doença pode entrar e criar surtos justamente nessas pessoas. //2
Isso acontece pois não existe mais o escudo protetor dos vacinados ao redor das sociedades. Corremos o risco de ter de conviver com doenças a muito esquecidas, em conjunto com a COVID-19, já a partir de 2021: agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/… //3
Pessoal, meus dois centavos estatísticos sobre o anúncio de ontem, da nitazoxanida: o principal fator medido é a redução da carga viral, medida no swab (cotonete) do PCR após 8 dias. Foram analisadas 392 pessoas (196 por grupo). //1
Esta variável (carga viral) pode ter uma infinidade de valores diferentes em medições diferentes. Se eu pegar 5.000 doentes de Covid-19 e medir a carga viral no swab em dias diferentes, muito provavelmente terei milhares de valores diferentes. //2
O que isso quer dizer? Que é necessário um cuidado extra para não criar uma correlação espúria entre uma suposta redução de carga viral e o uso do medicamento. //3
Oi, pessoal. Acho importante fazer um alerta rápido sobre como identificar uma possível reversão de tendência nas internações por COVID-19. Vou utilizar novamente os dados de Porto Alegre, mas pode ser feito com qualquer município. Sigam o fio //1
Uma métrica interessante para o acompanhamento correto da epidemia é a "internação hospitalar". Ela acontece independente do teste ou não, é menos volátil do que o número de casos e mais adiantada do que o triste número de óbitos. //2
Um dado que ajudaria muito é a faixa etária dos internados por dia (para entendermos se há uma migração de faixa etária nos novos internados), mas este dado não está amplamente disponível. Agora vamos usar o número de internados em leitos clínicos da cidade de Porto Alegre: //3