O risco de COVID-19 para grávidas: evidências de alterações moleculares associadas com pré-eclampsia na infecção por SARSCoV-2 - 🧶

Larissa Brussa Reis (@laribrussa)

Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Melissa M. Markoski (@melmarkoski)
Grávidas e recém-nascidos estão entre os grupos de risco para a COVID-19. Isso porque o novo coronavírus infecta preferencialmente células epiteliais alveolares tipo II (tipos de células que se localizam no interior dos nossos pulmões)
através da ligação do vírus a um receptor chamado ACE-2, do inglês angiotensin converting enzyme-2. A ACE-2 está altamente presente em células de diferentes tecidos, incluindo vários tecidos fora dos pulmões, como coração, vasos sanguíneos, rins, intestino, cérebro e na placenta
Portanto, ter mais receptores ACE-2 em órgãos vitais para a gravidez, pode representar um perigo a mais no contexto de infecção pelo novo coronavírus. Além disso, a gravidez provoca alterações fisiológicas e imunológicas que podem mascarar ou aumentar a susceptibilidade
à infecções respiratórias, incluindo aumento da frequência cardíaca, alterações na dinâmica pulmonar, como nos volumes pulmonares e maior vulnerabilidade da mãe à infecções durante esse período. Na COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2,
os sintomas prevalentes em gestantes são tosse, dispnéia (dificuldade ao respirar), febre, dor torácica e linfopenia (contagem baixa de linfócitos, um tipo de célula do sistema imunológico importante para a resposta de infecções, como as virais).
Tal como acontece um pacientes não-grávidas, os casos graves evoluem para pneumonia e complicações vasculares, como trombocitopenia (quando a medula óssea não produz plaquetas em quantidade suficiente), níveis elevados de dímero-D (que indicam tromboembolismo pulmonar)
e formação de microtrombos (pequenos coágulos). Os estudos envolvendo gravidez e COVID-19 indicam casos de aumento de distúrbios hipertensivos e/ou pré-eclâmpsia (pressão arterial alta durante a gravidez, que pode levar a uma série de complicações no feto).
Evidência de má perfusão vascular fetal, ou seja, um comprometimento na entrega de sangue (rico em oxigênio, nutrientes) para o feto,
bem como trombos nos vasos fetais foi observada em quase a metade das placentas positivas investigadas, enquanto apenas 11,3% das placentas apresentavam essa condição em mulheres sem COVID-19 [2].
Devido a essas evidências clínicas, que apontam para uma correlação entre COVID-19 e doença pré-eclâmpsia, pesquisadores da @ufrgsnoticias e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre investigaram alterações moleculares promovidas pela infecção
por SARS-CoV-2 que pudessem estar relacionadas a esse desfecho clínico. Para este propósito, foram utilizados bancos de dados públicos com dados clínicos e experimentais de genes diferencialmente expressos (DEGs) no hospedeiro, durante a infecção por SARS-CoV-2 [3-5].
A investigação de DEGs leva em conta o perfil de expressão dos genes nas células, e a sigla também refere-se aos genes que se expressam e executam suas funções em uma determinada situação celular (aqui nesse caso, a infecção por SARS-CoV-2).
Os DEGs identificados nessas análises podem ter potencial de aplicação para a COVID-19, como marcadores biológicos moleculares e alvos terapêuticos. Esses DEGs do hospedeiro também foram verificados quanto seu potencial de atribuição a genes associados à doença de pré-eclâmpsia
encontrados nos bancos de dados MalaCards Human Disease Database (malacards.org). Após diversas análises de bioinformática foi possível obter uma rede de interações:
Curiosamente, os dados encontrados indicaram que a infecção por SARS-CoV-2 alterou a expressão de vários biomarcadores envolvidos na pré-eclâmpsia (Fig. 1). Além disso, foram encontradas classes de genes/proteínas relacionadas às quatro principais vias moleculares envolvidas
nesta doença, tais como angiogênese (formação de novos vasos)/resposta vascular defeituosa, sinalização relacionada à isquemia/hipóxia, sinalização inflamatória e desregulação da hemostasia (coagulação)/peptídeos vasoativos (que regulam os vasos sanguíneos).
A liberação de fatores anti-angiogênicos (que inibem a formação de novos vasos) pela placenta é um evento chave no desenvolvimento da pré-eclâmpsia, pois reduz a disponibilidade de oxigênio e leva à hipóxia placentária, desencadeando inflamação e hemostasia.
Essa análise de genes diferencialmente expressos indicou que a infecção por SARS-CoV-2 regula positivamente, ou seja, aumenta a presença dos principais fatores antiangiogênicos envolvidos na pré-eclâmpsia, podendo dessa forma estar favorecendo esse evento durante a gravidez.
Corroborando com esses resultados, outro trabalho recente demonstrou que todos os casos analisados de gestantes infectadas pelo novo coronavírus que desenvolveram características de pré-eclâmpsia tinham níveis séricos (ou seja, no soro) aumentados desses fatores anti-angiogênicos
trazendo como conclusão geral que a COVID-19 pode induzir uma síndrome semelhante à pré-eclâmpsia [6]. As análises de DEGs também mostraram uma regulação positiva de peptídeos vasoconstritores moduladores de óxido nítrico (em geral, moléculas que levam a um aumento da pressão
da circulação do sangue) e moléculas relacionadas à pró-trombose (Fig. 1). A privação celular de oxigênio leva à expressão de fatores induzíveis por hipóxia (HIF-1A e 2A) em trofoblastos proliferativos (células importantes para o desenvolvimento da placenta) e na placenta de
mulheres com pré-eclâmpsia. Dados pré-clínicos já detectaram que a superexpressão de HIF-1A em camundongos fêmeas grávidas está associada com hipertensão, proteinúria (presença de proteínas na urina, indicando danos renais) e restrição de crescimento fetal [7].
As gestantes são indivíduos suscetíveis que requerem cuidados diferenciados durante um surto de um agente infeccioso, principalmente por apresentarem resposta imunológica e fisiológica alterada para permitir o evento da gravidez, o que aumenta sua suscetibilidade a infecções e
outras condições clínicas. Embora os mecanismos relacionados ao desenvolvimento de COVID-19 estejam longe de serem compreendidos, os dados clínicos em andamento sugerem uma associação entre a infecção por SARS-CoV-2 e o aumento de condições
potencialmente fatais para mulheres grávidas e seus bebês, como a pré-eclâmpsia. A análise demonstrada pelos pesquisadores suporta essas evidências clínicas, indicando que o SARS-CoV-2 pode afetar diferentes vias moleculares relacionadas à doença pré-eclâmpsia, como angiogênese
hipóxia, sinalização inflamatória, hipercoagulação e desequilíbrio de peptídeos vasoativos. Assim, as mulheres grávidas são uma população de maior risco e a vigilância pré-natal para mulheres com COVID-19 deve ser uma prioridade.
Referências e texto na íntegra em: redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/10/o-r…

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Rede Análise COVID-19

Rede Análise COVID-19 Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @analise_covid19

10 Nov
As mortes invisíveis: Porto Alegre - 🧶

Autores: Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt); Miguel Angel Buelta Martinez (@Martine44528723); Marcelo A. S. Bragatte (@MarceloBragatte);

Revisores: Mellanie Fontes-Dutra (@mellziland) Image
Dados: um dos nossos maiores aliados para tomadas de decisão, principalmente nos últimos 30 anos, com equipamentos e programas cada vez mais sofisticados e cada vez mais disponíveis a todos. Ao analisarmos os dados, podemos entender o que realmente está acontecendo,
além do que os nossos olhos podem enxergar, e tomar decisões mais assertivas, melhores do que as levadas apenas pelo instinto, justamente por essa dificuldade humana de enxergar o todo.

Mas, como em outros casos, os dados também trazem problemas,
Read 57 tweets
6 Nov
Carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre - 🧶

Por Rede @analise_covid19
A Rede Análise Covid é uma rede nacional, apartidária e sem fins lucrativos, de pesquisadores voluntários comprometidos com o enfrentamento da COVID-19. Escrevemos esta carta direcionada ao Governo municipal de Porto Alegre (@marchezan_ )
e às autoridades de saúde à frente da Secretaria Municipal de Saúde (@saudepoa ) para apresentar pontos que indicam uma clara reversão de tendência nos números de casos de infecção pela COVID-19.
Read 41 tweets
5 Nov
Fizemos uma carta aberta à prefeitura de Porto Alegre, divulgando nossas últimas análises sobre a transmissão da COVID-19 no município. Nela, manifestamos nossa preocupação com a reversão de tendência em paralelo com as graduais flexibilizações

redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/05/car…
Nossa rede multidisciplinar, com mais de 76 pesquisadores por todo o país está à total disposição de todas as instituições envolvidas no enfrentamento.

Em nome da Rede, agradeço a todos nossos membros e analistas pelo trabalho voluntário e cientificamente respaldado
Read 4 tweets
3 Nov
Taxa de crescimento da COVID-19: uma boa métrica para acompanhamento da epidemia - 🧶

Autor: Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt)

Revisão: Marcelo A. S. Bragatte(@marcelobragatte); Larissa Brussa Reis (@laribrussa)
A segunda onda europeia de aumento no número de casos da COVID-19 é uma realidade, assim como os confinamentos, que estão voltando com tudo.
Read 28 tweets
31 Oct
Variante à vista! Devo me preocupar? Quais as implicações desse recente achado para a pandemia da COVID-19? - 🧶

Autora: Mellanie F. Dutra (@mellziland)
Revisores: Marcelo A. S. Bragatte(@marcelobragatte), Fernando Kokubun (@fernandokokubun)
Imagem: Felix Donghwi Son (Felixvis)

Felix Donghwi Son. Coronavirus 3D images Collection. 2020. Felixvis felixvis.com
A corrida do enfrentamento da COVID-19 é acirrada: a comunidade científica dedica-se cada vez mais a entender o desafio desse vírus peculiar, ao passo que cada resposta que obtemos, nos leva a mais questionamentos, aumentando nosso conhecimento.
Read 28 tweets
29 Oct
A Covid Longa - 🧶

Autor: Fernando kokubun IG e FB @fernandokokubun

Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Larissa Brussa Reis (@laribrussa)
A Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a pandemia no início de março de 2020 [1]. Desde esta declaração até o atual momento (outubro de 2020), muitas novas informações foram obtidas, e ainda continuam a ser produzidas sobre a doença e o coronavírus SARS-CoV-2.
Estamos vivendo um momento de expectativa com uma possível vacina para imunizar boa parte da população e conter a pandemia. No início, acreditava-se que a COVID-19 seria semelhante a uma forte pneumonia e que atingia mais o sistema respiratório.
Read 10 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!