Grávidas e recém-nascidos estão entre os grupos de risco para a COVID-19. Isso porque o novo coronavírus infecta preferencialmente células epiteliais alveolares tipo II (tipos de células que se localizam no interior dos nossos pulmões)
através da ligação do vírus a um receptor chamado ACE-2, do inglês angiotensin converting enzyme-2. A ACE-2 está altamente presente em células de diferentes tecidos, incluindo vários tecidos fora dos pulmões, como coração, vasos sanguíneos, rins, intestino, cérebro e na placenta
Portanto, ter mais receptores ACE-2 em órgãos vitais para a gravidez, pode representar um perigo a mais no contexto de infecção pelo novo coronavírus. Além disso, a gravidez provoca alterações fisiológicas e imunológicas que podem mascarar ou aumentar a susceptibilidade
à infecções respiratórias, incluindo aumento da frequência cardíaca, alterações na dinâmica pulmonar, como nos volumes pulmonares e maior vulnerabilidade da mãe à infecções durante esse período. Na COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2,
os sintomas prevalentes em gestantes são tosse, dispnéia (dificuldade ao respirar), febre, dor torácica e linfopenia (contagem baixa de linfócitos, um tipo de célula do sistema imunológico importante para a resposta de infecções, como as virais).
Tal como acontece um pacientes não-grávidas, os casos graves evoluem para pneumonia e complicações vasculares, como trombocitopenia (quando a medula óssea não produz plaquetas em quantidade suficiente), níveis elevados de dímero-D (que indicam tromboembolismo pulmonar)
e formação de microtrombos (pequenos coágulos). Os estudos envolvendo gravidez e COVID-19 indicam casos de aumento de distúrbios hipertensivos e/ou pré-eclâmpsia (pressão arterial alta durante a gravidez, que pode levar a uma série de complicações no feto).
Evidência de má perfusão vascular fetal, ou seja, um comprometimento na entrega de sangue (rico em oxigênio, nutrientes) para o feto,
bem como trombos nos vasos fetais foi observada em quase a metade das placentas positivas investigadas, enquanto apenas 11,3% das placentas apresentavam essa condição em mulheres sem COVID-19 [2].
Devido a essas evidências clínicas, que apontam para uma correlação entre COVID-19 e doença pré-eclâmpsia, pesquisadores da @ufrgsnoticias e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre investigaram alterações moleculares promovidas pela infecção
por SARS-CoV-2 que pudessem estar relacionadas a esse desfecho clínico. Para este propósito, foram utilizados bancos de dados públicos com dados clínicos e experimentais de genes diferencialmente expressos (DEGs) no hospedeiro, durante a infecção por SARS-CoV-2 [3-5].
A investigação de DEGs leva em conta o perfil de expressão dos genes nas células, e a sigla também refere-se aos genes que se expressam e executam suas funções em uma determinada situação celular (aqui nesse caso, a infecção por SARS-CoV-2).
Os DEGs identificados nessas análises podem ter potencial de aplicação para a COVID-19, como marcadores biológicos moleculares e alvos terapêuticos. Esses DEGs do hospedeiro também foram verificados quanto seu potencial de atribuição a genes associados à doença de pré-eclâmpsia
encontrados nos bancos de dados MalaCards Human Disease Database (malacards.org). Após diversas análises de bioinformática foi possível obter uma rede de interações:
Curiosamente, os dados encontrados indicaram que a infecção por SARS-CoV-2 alterou a expressão de vários biomarcadores envolvidos na pré-eclâmpsia (Fig. 1). Além disso, foram encontradas classes de genes/proteínas relacionadas às quatro principais vias moleculares envolvidas
nesta doença, tais como angiogênese (formação de novos vasos)/resposta vascular defeituosa, sinalização relacionada à isquemia/hipóxia, sinalização inflamatória e desregulação da hemostasia (coagulação)/peptídeos vasoativos (que regulam os vasos sanguíneos).
A liberação de fatores anti-angiogênicos (que inibem a formação de novos vasos) pela placenta é um evento chave no desenvolvimento da pré-eclâmpsia, pois reduz a disponibilidade de oxigênio e leva à hipóxia placentária, desencadeando inflamação e hemostasia.
Essa análise de genes diferencialmente expressos indicou que a infecção por SARS-CoV-2 regula positivamente, ou seja, aumenta a presença dos principais fatores antiangiogênicos envolvidos na pré-eclâmpsia, podendo dessa forma estar favorecendo esse evento durante a gravidez.
Corroborando com esses resultados, outro trabalho recente demonstrou que todos os casos analisados de gestantes infectadas pelo novo coronavírus que desenvolveram características de pré-eclâmpsia tinham níveis séricos (ou seja, no soro) aumentados desses fatores anti-angiogênicos
trazendo como conclusão geral que a COVID-19 pode induzir uma síndrome semelhante à pré-eclâmpsia [6]. As análises de DEGs também mostraram uma regulação positiva de peptídeos vasoconstritores moduladores de óxido nítrico (em geral, moléculas que levam a um aumento da pressão
da circulação do sangue) e moléculas relacionadas à pró-trombose (Fig. 1). A privação celular de oxigênio leva à expressão de fatores induzíveis por hipóxia (HIF-1A e 2A) em trofoblastos proliferativos (células importantes para o desenvolvimento da placenta) e na placenta de
mulheres com pré-eclâmpsia. Dados pré-clínicos já detectaram que a superexpressão de HIF-1A em camundongos fêmeas grávidas está associada com hipertensão, proteinúria (presença de proteínas na urina, indicando danos renais) e restrição de crescimento fetal [7].
As gestantes são indivíduos suscetíveis que requerem cuidados diferenciados durante um surto de um agente infeccioso, principalmente por apresentarem resposta imunológica e fisiológica alterada para permitir o evento da gravidez, o que aumenta sua suscetibilidade a infecções e
outras condições clínicas. Embora os mecanismos relacionados ao desenvolvimento de COVID-19 estejam longe de serem compreendidos, os dados clínicos em andamento sugerem uma associação entre a infecção por SARS-CoV-2 e o aumento de condições
potencialmente fatais para mulheres grávidas e seus bebês, como a pré-eclâmpsia. A análise demonstrada pelos pesquisadores suporta essas evidências clínicas, indicando que o SARS-CoV-2 pode afetar diferentes vias moleculares relacionadas à doença pré-eclâmpsia, como angiogênese
hipóxia, sinalização inflamatória, hipercoagulação e desequilíbrio de peptídeos vasoativos. Assim, as mulheres grávidas são uma população de maior risco e a vigilância pré-natal para mulheres com COVID-19 deve ser uma prioridade.
Dados: um dos nossos maiores aliados para tomadas de decisão, principalmente nos últimos 30 anos, com equipamentos e programas cada vez mais sofisticados e cada vez mais disponíveis a todos. Ao analisarmos os dados, podemos entender o que realmente está acontecendo,
além do que os nossos olhos podem enxergar, e tomar decisões mais assertivas, melhores do que as levadas apenas pelo instinto, justamente por essa dificuldade humana de enxergar o todo.
Mas, como em outros casos, os dados também trazem problemas,
A Rede Análise Covid é uma rede nacional, apartidária e sem fins lucrativos, de pesquisadores voluntários comprometidos com o enfrentamento da COVID-19. Escrevemos esta carta direcionada ao Governo municipal de Porto Alegre (@marchezan_ )
e às autoridades de saúde à frente da Secretaria Municipal de Saúde (@saudepoa ) para apresentar pontos que indicam uma clara reversão de tendência nos números de casos de infecção pela COVID-19.
Fizemos uma carta aberta à prefeitura de Porto Alegre, divulgando nossas últimas análises sobre a transmissão da COVID-19 no município. Nela, manifestamos nossa preocupação com a reversão de tendência em paralelo com as graduais flexibilizações
Nossa rede multidisciplinar, com mais de 76 pesquisadores por todo o país está à total disposição de todas as instituições envolvidas no enfrentamento.
Em nome da Rede, agradeço a todos nossos membros e analistas pelo trabalho voluntário e cientificamente respaldado
Variante à vista! Devo me preocupar? Quais as implicações desse recente achado para a pandemia da COVID-19? - 🧶
Autora: Mellanie F. Dutra (@mellziland)
Revisores: Marcelo A. S. Bragatte(@marcelobragatte), Fernando Kokubun (@fernandokokubun)
Imagem: Felix Donghwi Son (Felixvis)
Felix Donghwi Son. Coronavirus 3D images Collection. 2020. Felixvis felixvis.com
A corrida do enfrentamento da COVID-19 é acirrada: a comunidade científica dedica-se cada vez mais a entender o desafio desse vírus peculiar, ao passo que cada resposta que obtemos, nos leva a mais questionamentos, aumentando nosso conhecimento.
A Organização Mundial da Saúde declarou oficialmente a pandemia no início de março de 2020 [1]. Desde esta declaração até o atual momento (outubro de 2020), muitas novas informações foram obtidas, e ainda continuam a ser produzidas sobre a doença e o coronavírus SARS-CoV-2.
Estamos vivendo um momento de expectativa com uma possível vacina para imunizar boa parte da população e conter a pandemia. No início, acreditava-se que a COVID-19 seria semelhante a uma forte pneumonia e que atingia mais o sistema respiratório.