Há algumas semanas, comentei CoroNation, documentário de Ai Weiwei rodado por diversos cinegrafistas anônimos em Wuhan durante o lockdown na região, e elogiei bastante. Pois hoje vi um ainda mais sólido: 76 Dias, dirigido por Weixi Chen, Hao Wu e um realizador anônimo.
Enquanto CoroNation se preocupava muito (como seria de se esperar de Ai Weiwei) com as falhas sistêmicas do governo chinês, 76 Dias basicamente se tranca em um hospital durante o lockdown, retratando as várias etapas enfrentadas pela equipe naquele período.
Do pânico inicial, quando enfermeiros e médicos enfrentam uma quase invasão de enfermos desesperados por abrigo e tratamento, até a alta dos últimos pacientes quase três meses depois, 76 Dias é um doc que jamais esquece a dimensão humana da pandemia.
Comovente ao enfocar a dedicação de médicos e enfermeiras e o carinho com que tratam os pacientes (apegando-se a vários deles, sofrendo quando algum morre e celebrando quando outro recebe alta), 76 Dias não é um filme fácil de assistir, mas é necessário.
Aliás, ele deveria ser obrigatório para todos os ignorantes que insistem em fazer pouco caso da pandemia ou mesmo sugerir que não passa de uma conspiração.
Ou que nada mais é do que uma "gripezinha".
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Vi o doc Til´ Kingdom Comes, sobre a relação entre os evangélicos dos EUA e os judeus pró-assentamento na Cisjordânia. É sempre assustador constatar o que acontece quando a política passa a ser realizada através de um filtro religioso.
Nos EUA (e no Brasil), o movimento evangélico se mostra mais sionista do que Theodor Herzl, coletando doações de seus seguidores para enviar para assentamentos judaicos na Palestina.
A pergunta é: por quê?
A resposta é complexa e envolve vários interesses, mas... +
Um dos aspectos mais malucos desta ligação é o fato de que, em essência, os mesmos evangélicos que dizem amar Israel são antissemitas por natureza. Por quê? Porque acreditam que, no Fim dos Tempos, só os judeus que aceitarem Jesus se salvarão. O resto... já sabem. (Pois é.)
"O Dissidente", documentário de Bryan Fogel sobre o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi dentro do consulado de seu país na Turquia, é um filme difícil de assistir. Não por ser ruim, pois não é (ao contrário), mas pela barbaridade do crime cometido.
Com imagens da investigação da polícia turca, transcrição das gravações feitas no momento do crime, entrevistas com a noiva de Khashoggi, colegas jornalistas e de um outro bravo dissidente que trabalhou com Jamal, o doc não deixa pedra sobre pedra.
Aliás, não foi à toa que o congresso dos EUA aprovou, diante das evidências do crime, uma decisão BIPARTIDÁRIA (ou seja: até os republicanos concordaram) para impedir que armas fossem vendidas ao governo saudita.
Trump, claro, vetou a resolução e vendeu assim mesmo.
Vi agora "Belushi", documentário sobre um dos atores/comediantes mais brilhantes que o Saturday Night Live revelou em todas as suas décadas no ar. O filme é construído a partir de áudios com pessoas que o conheceram (esposa, amigos, parceiros profissionais), animação e arquivo.
As imagens de arquivo, diga-se de passagem, são o ponto forte do documentário, trazendo filmes caseiros, bastidores de produção e entrevistas. Mas - e adoro quando uma biografia consegue isso - tudo a serviço de uma investigação de personagem, de tentar entender quem ele era.
A ideia do "palhaço trágico", claro, é um clichê tentador de se aceitar ("Mas, doutor, eu sou Pagliacci."), mas Belushi, advoga o filme, era um indivíduo cujos autoquestionamentos tinham mais a ver com aquela coceira que todos temos para descobrir quem somos do que com depressão.
Em 2016, o então presidente da África do Sul, Jacob Zuma, viu seu cargo ser ameaçado por um imenso escândalo de corrupção envolvendo seu governo (que já havia protagonizado vários): descobriu-se que os bilionários irmãos Gupta estavam controlando várias estatais.
No entanto, quando o escândalo começava a ganhar vulto, eclodiu um movimento civil - envolvendo várias entidades e ativistas de esquerda, inclusive - protestando contra a desigualdade econômica no país e o fato de a minoria branca dominar a maior parte dos recursos.
A violência nas ruas ganhou vulto, houve ameaça de guerra civil e a situação se tornou cada vez mais instável e perigosa.
E foi então que jornalistas descobriram, em um HD pertencente aos Guptas, cerca de 200 mil emails que colocaram a situação sob outro foco.
Eu acho que em algum momento os profissionais de saúde mental vão ter que reconhecer a existência de uma doença específica chamada "Bipolaridade de Twitter". Eu sei que sofro disso.
Ela envolve mudanças bruscas de humor e expectativas em resposta à timeline.
Há instantes em que, por algum acaso, a timeline me mostra em sequência uma série de tweets otimistas, alegres, inspiradores. Quando percebo, minhas respostas emocionais se recalibram de acordo e sinto um imenso amor pelo mundo.
Já em outros (que, infelizmente, são mais frequentes), a timeline traz notícias e opiniões pesadas, terríveis, que parecem negar qualquer possibilidade de humanidade - e sem perceber já começo a refletir isso nos meus próprios tweets.
Uma das tragédias de um governo como o de @jairbolsonaro reside na normalização da desumanidade. Estou vendo pessoas respondendo ao fato de o presidente ter CELEBRADO o suposto fracasso de uma vacina (e a morte de um voluntário) com um condescendente "e isso te surpreende?".
O problema na postura por trás do "isso ainda te surpreende?" é que, de forma implícita, trata como natural o que é aberração e como aberração algo que deve ser natural (o horror diante da crueldade, mesmo que esta seja padrão de comportamento do presidente do país).
Então, sim, eu AINDA ME SURPREENDO. E espero me surpreender sempre diante de ações e falas desumanas.
A perversidade de alguém como @jairbolsonaro encontra-se também na forma como aos poucos habitua o país ao horror, como diminui nossa capacidade de ficarmos chocados.