Gente, tô comovida com tantas mensagens que recebi elogiando minha "paciência" e "coragem" nas entrevistas com o Olavo que descrevo no episódio bônus da série #RetratoNarrado (❤️). Vou compartilhar algumas dicas e técnicas me ajudaram neste trabalho. Segue a thread:
1) Preparação: é essencial conhecer bem o seu entrevistado antes de qualquer entrevista, ainda mais quando o entrevistado é conhecido por atacar jornalistas. Eu tinha lido vários livros do Olavo e também assistido a inúmeros vídeos do seu canal. Então já sabia o que me esperava +
2) Escuta ativa: na primeira entrevista com Olavo, usei uma técnica de entrevista emprestada da História Oral que consiste em deixar o entrevistado falar o máximo possível, com mínima intervenção. Quanto mais ele falasse, mais material eu teria para analisar depois +
3) Documentação: Enquanto ouvia, eu tomava notas e gravava tudo, porque sabia que ele iria tentar contestar tudo o que eu publicasse depois. Também tirei fotos do ambiente para me ajudar a descrever as cenas depois. Na primeira entrevista, passei seis horas na casa do Olavo. +
4) Distanciamento do objeto: Eu sabia que o Olavo usa insultos como estratégia, então quando ele começou a me atacar na segunda entrevista, não levei para o lado pessoal. Como jornalista, eu não estava lá para brigar, mas para investigar e documentar seu discurso autoritário +
5) Postura profissional: Olavo esperava que eu reagisse agressivamente a seus ataques, para depois usar isso contra mim. Ao manter a postura, me recusei a jogar o jogo dele. O contraste entre minha calma e a exasperação dele tornou a cartilha autoritária dele mais evidente +
6) Desaceleração: Quando o Olavo perdeu as estribeiras, comecei a tomar notas vagarosamente para quebrar o ritmo. Enquanto eu olhava pro papel como se estivesse concluindo as anotações, tentava ganhar fôlego para engatilhar uma próxima pergunta. A entrevista durou 90 minutos +
6) Desaceleração: Quando o Olavo perdeu as estribeiras, comecei a tomar notas vagarosamente para quebrar o ritmo. Enquanto eu olhava pro papel como se estivesse concluindo as anotações, tentava ganhar fôlego para engatilhar uma próxima pergunta. A entrevista durou 90 minutos +
7) Sorria, você está sendo filmado: não queria alimentar a briga, mas como ele estava gravando nossa entrevista em vídeo, sabia que o mero silêncio poderia parecer falta de argumento. Então comecei a sorrir para a câmera, para mostrar que não estava levando aquilo tudo a sério +
8) Dos limões, uma limonada: obviamente, não esperava ser tão insultada durante a 2a entrevista com Olavo.Quando cheguei lá, tinha outra pauta em mente. Depois de tudo que se passou, avaliei que os insultos eram tão reveladores que deveriam estar na matéria, então virei a pauta +
9) Contextualização: uma das armadilhas na cobertura do populismo autoritário é dar voz a discursos de ódio. Para evitar esse jornalismo declaratório irresponsável, é preciso colocar em contexto a fala de figuras como Olavo e Bolsonaro, expondo as estratégias e as mentiras +
10) Humanização: a desumanização é uma estratégia tipicamente fascista. Como jornalistas, precisamos evitar a reprodução de estereótipos, mesmo quando a fonte não é a mais simpática. Ao olhar p/ a infância e a biografia de uma fonte, achamos pistas importantes para decifrá-la +
* E minha dica bônus para manter a calma em situações de estresse: Meditação! Venho tentando meditar diariamente (comecei com 10 minutos e hoje em dia estendo fácil por até uma hora). Haja meditação para enfrentar tanto discurso de ódio, né! (Fim da thread, SatNam!)
Sobre o argumento jornalístico de "dar os dois os lados" em tempos de extremismo político: um artigo de opinião publicado nesta semana pelo New York Times está dando o que falar nos Estados Unidos e serve para repensar o papel da imprensa. Segue a thread:
A polêmica começou quando o @nytimes publicou artigo de um senador republicano clamando por intervenção militar para suprimir os protestos contra o racismo policial. O título era "Mandem as tropas", e o artigo dizia que era preciso "restaurar a ordem" tiny.cc/6e3cqz
A publicação causou reação imediata nas redes, a começar pelos próprios repórteres do NYT. Diziam que, além de distorcer fatos, o artigo colocava inclusive repórteres pretos do jornal em risco. Mais de 800 funcionários do NYT assinaram uma carta protestando contra a publicação
Fui perguntar pro meu pai, bolsonarista, o que ele achou da saída do Moro. Ele disse que Moro "pisou na bola" porque queria "dar um golpe" no Bolsonaro e que tudo é culpa da China que "inventou o vírus" pra "vender máscaras". 😳Nunca subestime o poder da lavagem cerebral. Nunca.
Em tempo: amo meu pai, sei que ele me ama e até admira o fato de eu ser jornalista. Mas como dói ver tão de perto que os fatos parecem não mudar a opinião de quem foi convertido ao bolsonarismo. Não é um paradigma racional, é outra coisa que ainda precisamos compreender.
Aos que tentam criar intriga: tá tudo bem, eu e meu pai seguimos nos amando (e terminamos a ligação falando da chuva!) Trouxe o exemplo justamente para mostrar os desafios reais de dialogar com alguém que amo, pq não acredito que o "ódio" nos trará respostas. Love is the answer.
A política de abstinência sexual anunciada pelo governo Bolsonaro me lembrou daquela que vi ser adotada por uma missão religiosa no interior da África Subsaariana, onde eu morei por um ano, em 2006. Segue a thread:
Eu morei em Moçambique como professora voluntária, dando aulas de português numa escola pública, localizada dentro de uma missão católica (no interior da província de Sofala). O lugar era tão isolado que na época não tinha energia elétrica, nem referência no Google Maps.
Os religiosos promoviam a abstinência sexual e eram contra o preservativo, alegando que estimulava a promiscuidade. Em palestra aos alunos, uma religiosa (brasileira, por sinal), disse que a camisinha causava Aids: "Em Uganda, distribuíram preservativos e toda a aldeia morreu!"
Ainda pretendo escrever uma versão completa em português da minha experiência com Olavo de Carvalho, mas atendendo a pedidos vou contextualizar aqui um pouco dos bastidores da reportagem que publiquei na @TheAtlantic, baseada em duas entrevistas que fiz na casa dele: (1/16)
@TheAtlantic Estive na casa de Olavo pela primeira vez em dezembro de 2018. Na ocasião, passei seis horas na companhia dele e de sua família. Fiz uma entrevista longa sobre seu papel como ideólogo da nova direita e assisti a uma das aulas de seu "curso online de filosofia." (2/16)
@TheAtlantic Nesse primeiro encontro, Olavo falou mal de jornalistas como de costume, mas foi educado. Me mostrou sua coleção de armas, contou histórias e definiu o governo Bolsonaro como uma "ejaculação precoce", por ter sido eleito antes de vencer a "guerra cultural contra a esquerda"(3/16)