Oi gente! Hj eu quero falar de gênios, sincretismo e de uma mulher-aparição que perseguia espanhóis colonizadores no norte da África.
Quando a gente fala dessa região, se trata de um espaço com grande hibridismo: ali, o Islã encontrou religiões locais e rolou uma mistura boa.
Isso é interessante por que a gente às vezes acha que o Islã é uma religião monolítica ou que só aqui no Brasil nós tivemos práticas religiosas sincréticas. Que nada! Nas minhas pesquisas eu até achei pai de santo muçulmano na Nigéria (juro!).
Uma materialização desse encontro do Islã, religião fundada por Maomé no séc VII, e diversas práticas sagradas no norte da África são os Djinns (gênios). Ao que tudo indica, o Islã fagocitou deuses e espíritos locais e transformou eles nesses seres.
Os Djinns aparecem pra caramba no Corão, o livro sagrado dos muçulmanos. Eles teriam sido criados por Deus, feitos de puro fogo. Teríamos diversos tipos: os Marid são os que oferecem desejos (Oi, Aladim), os Tifrit são organizados e formam reinos...
Um Djinn até se torna aliado do profeta Maomé. Itrifah ibn Shamrakh estava com problemas em controlar seus súditos gênios e se converte ao Islã. Maomé, então, manda seu sobrinho, Ali, ir resolver o pepino. Ali basicamente senta a pancada em todo mundo e se resolve o imbróglio.
Meu Djinn favorito, contudo, é UMA Djinn. E, apesar de registros antigos, temos testemunhos sobre aparições dela até hoje em dia!
Estou falando de Aicha Kandicha, do Marrocos.
Ela é citada em diários de espanhóis, matérias de jornais e dezenas de testemunhos desde o séc. XVI.
Kandicha dava medo pq é descrita como uma bela mulher, de farta cabeleira negra, que atraía com sua beleza batalhões de colonizadores para o deserto. Ela tinha pés de camelo e poderes sobre a Lua, e deixava os soldados invasores por lá, para morrerem. Lembrei dessa carta aqui, rs
Sua origem é obscura. Algumas fontes dizem que se tratava de uma divindade pré-islâmica da fertilidade, já que é frequentemente associada a água. Teria se tornado uma djinn quando a região foi islamizada. Impossível de ser esquecida, teve que ser aglutinada para a nova religião.
Outros contos dizem que era uma nobre muçulmana que se apaixonou por um cristão português. Não correspondida, teria se transformado em um espírito vingativo. O mais doido: há registros de Sufis, os místicos do Islã, realizando exorcismos no Marrocos em pessoas possuídas por ela.
A minha favorita, contudo, é de uma Aicha Kandicha múltipla. Ela seria, na verdade, um grupo de mulheres anticoloniais que, desde o século XVI, atraíam soldados para o deserto, onde seriam atacados pela resistência. Os "pés de camelo" seriam referência as caravanas rebeldes.
Aicha tornou-se uma lenda entre as forças coloniais, com tropas espanholas, portuguesas e francesas se borrando de medo dos seus poderes sedutores. Jornais contam que muitos soldados a teriam visto.
Atualmente, ela se tornou um símbolo feminista no Marrocos, com direito a uma HQ
O professor @aaolomi, minha grande fonte sobre os gênios, resume bem: seria Aicha uma Deusa esquecida? Uma mulher abandonada? Um grupo anti-colonial contra Europeus?
Talvez um pouquinho de tudo isso, como toda boa história popular.
Aicha Kandicha é um bom exemplo, além de sincretismo, sobre as possibilidades de atuação das mulheres na África e no Oriente Médio. Para além de práticas masculinizadas, mulheres são agentes potentes de sua emancipação. Homens aterrorizados vão explicar sempre pelo sobrenatural.
Pesquisadores brasileiros têm se dedicado, principalmente na Antropologia, a tentar entender os Djinns como na sociedade marroquina. As relações com o Brasil são bastante grandes. Uma artigo legal sobre o tema, de Bruno Bartel, da UnB
periodicos.unb.br/index.php/revi…

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20 Nov
Gente, primeiro causo. Escutei essa do Jean, um refugiado do Congo aqui do RJ. Conheci ele na região da Gamboa no início do ano. Ele me contou que essa história está há tempos na família dele, do avô do avô do avô. Da época que os belgas ainda eram colonizadores e senhores de lá.
Diz ele que, na parte sul do país, onde o avô-do-avô-do-avô morava, o administrador era um belga deveras violento. Maltratava e açoitava a todos. Ele adorava dizer, além disso, que não conseguia identificar um congolês do outro, "vocês são todos horrendos e iguais!"
Conta o Jean que um belo dia o ditadorzinho resolveu fazer uma aposta com o povo. Ele se orgulhava de ser um grande corredor, reforçava que os europeus eram uma raça superior. "Apostaremos uma corrida, eu e qualquer um dessa tribo. Se eu vencer, prometo que irei embora"
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20 Nov
Queridos, em um dia tão difícil como hj, inauguro meu projetinho: Mosároyê ("senti sua falta", em iorubá). Ele tem como objetivo compartilhar histórias populares, causos e relatos de países da África e do Oriente Médio, usando dessas narrativas para falar mais sobre esses lugares Image
Nos últimos meses, entrevista refugiados, professores, políticos, um monte de gente! Usei whatsapp, skype, telefone ... Fui coletando histórias destes lugares e tentando saber mais sobre eles. Se você gosta dos meus causos, acho que vão adorar o que vou colocar aqui!
Para quem não sabe, sou professor de uma escola pública de Geografia. Meus alunos são, em sua maioria, pretos e pretas. Porém, a quantidade de histórias sobre África e o Oriente Médio são praticamente nulas. Esse é meu esforço, de formiguinha, pra tentar mudar um pouco isso.
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26 Jul
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