Positividade: A métrica mais importante para acompanhamento da epidemia

Autor: Isaac Schrarstzhaupt (@schrarstzhaupt)

Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Marcelo A. S. Bragatte (@marcelobragatte)

Placar do estádio Mineirão em 2014. Foto: Reuters.
Mesmo com quase nove meses de epidemia do novo coronavírus no Brasil, ainda não há uma forma padrão e concisa de divulgação dos dados relativos a ela. Cada pessoa parece ou ter uma certeza absoluta sobre o ponto em que nos encontramos, ou está em completa dúvida.
Um dos motivos pelo qual isso está acontecendo é a não escolha de um indicador padrão de acompanhamento.

O que é um indicador padrão de acompanhamento? É aquele que, ao ser demonstrado, entrega à pessoa rapidamente qual a situação.
Um exemplo claro é o futebol, no qual temos muitos indicadores, mas o padrão é o GOL. Basta ligarmos a televisão e olharmos para aquele pequeno placar no cantinho da tela e pronto. Sabemos o que importa a respeito do jogo. Depois, com calma, podemos acompanhar e, aí sim,
entender quem teve a maior posse de bola, quem errou menos passes, quem aproveitou melhor as chances de gol. Mas o placar é aquele que imediatamente passa para quem está assistindo qual é a situação que mais vai afetar o jogo ao seu final.
Voltando à epidemia de COVID-19 aqui no Brasil, já conseguimos traçar um paralelo entre o exemplo do futebol e o que está acontecendo. Cada conferência de imprensa de prefeitos, secretários de saúde, governadores, enfim, mostra dados diferentes, e com estes dados ficamos,
muitas vezes, sem entender afinal qual é o “placar”.

Este indicador, que seria o “placar”, é o comumente chamado de “positividade”. O seu cálculo é simples, mas a sua execução não é. Explico:
Para calculá-lo, basta dividir o número de testes RT-PCR com resultado positivo em um determinado dia pelo número de testes RT-PCR totais executados naquele determinado dia.
Por que o RT-PCR? Pois este teste é o que diz se a pessoa está com a infecção ativa no momento do teste. Este texto da Rede Análise Covid-19 fala sobre os testes e vale a pena ser lido para mais entendimento. redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/19/tes…
Ao termos o valor de positividade nas mãos, conseguimos entender como está o surto em nossa localidade com uma precisão quase instantânea. Os resultados podem ser os seguintes:
Positividade baixa: (de 1% a 2%): Neste caso, estamos em relativo controle da infecção, sabemos onde estão os casos, e temos de isolar os positivos e também seus contatos, para manter a positividade baixa;
Positividade em alerta (de 3 a 5%): Neste caso, percebemos que o surto está aumentando, e é necessário, além de um isolamento dos positivos e seus contatos, uma restrição mais firme em atividades que possam gerar risco;
Positividade alta (de 5% para cima): Estamos testando pouco, e não há controle do surto. Neste caso, estamos deixando passar casos assintomáticos, e ação imediata é aumentar os testes juntamente com o fechamento de atividades não essenciais para controle da taxa de transmissão;
O cálculo é simples, não é? Mas, como eu disse, a execução não é simples assim, pois precisa de organização e de uma política de testagem, rastreio, isolamento e suporte muito bem definida e bem executada.
Voltando à nossa realidade: estamos com uma positividade de 30,46% no Brasil na semana epidemiológica 42 (de 11 a 17/10/2020). gov.br/saude/pt-br/me…
Cada estado mostra seus números de uma maneira diferente: alguns disponibilizam os testes totais misturados, sem separar entre PCR e sorológicos. Alguns não disponibilizam os testes totais, apenas os positivos, e desta maneira ficamos à deriva,
sem efetivamente saber como está o contágio em cada local. Este indicador é tão importante que apenas o seu cálculo correto já gera ações que têm o potencial de reduzir a taxa de transmissão! Para ter uma positividade correta, precisamos testar bastante.
Ao testar bastante, descobrimos onde estão os casos positivos, inclusive os assintomáticos. Ao isolar estas pessoas e seus contatos, acabamos reduzindo a taxa de transmissão, e diminuindo os novos casos.
Ou seja: quanto mais testes, menos casos. Podemos ver isso na cidade de Nova Iorque:

www1.nyc.gov/site/doh/covid…
Uma positividade altíssima como a do Brasil (30,46%) demonstra que temos muitas pessoas positivas que não estão sendo testadas e estão provavelmente transmitindo totalmente por fora de uma rede de controle das vigilâncias epidemiológicas.
Isso acaba por gerar mais casos, novamente contrariando a opinião popular pois, quanto menos testes, mais casos!

Retornando à analogia do placar: se tivéssemos um placar de positividade de cada cidade,
poderíamos tomar decisões muito mais acertadas sobre quais eventos poderíamos ter, qual o nível de flexibilização mais acertado para aquele momento, sem o cansaço absurdo de ter que tomar decisões constantes em uma maré de informações (e, infelizmente, de desinformações).
Para que possamos ter esse número, temos de cobrar as autoridades para que os dados de testagem RT-PCR sejam liberados, dia-a-dia, de uma forma simples, como vários outros dados que já estão sendo disponibilizados. O melhor dado é o dado existente, atualizado e transparente.
Fiquem sempre de olho nos dados de positividade, busquem esse dado, cobrem das autoridades, e tentem entender a situação real da sua localidade.

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Rede Análise COVID-19

Rede Análise COVID-19 Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @analise_covid19

22 Nov
Há tempos estamos fazendo análises para tentar entender qual poderia ser o número real de óbitos por COVID-19 no Brasil. Sabemos que temos subnotificação, e muitos diagnósticos acabam ficando para trás.

Sigam o fio para entender - 🧶
No Brasil, temos um banco de dados de vigilância epidemiológica chamado de SIVEP-GRIPE, que possui as notificações de todos os óbitos por SRAG (síndrome respiratória aguda grave), independente de causa.
Ao analisar os óbitos por SRAG, percebemos que o número é muito, muito grande: Até dia 01/11/2020, temos 229.162 óbitos por SRAG no Brasil. Dentro deste número, temos os confirmados por COVID-19.
Read 16 tweets
19 Nov
Testes, jantares e baladas - 🧶

Autor: Fernando Kokubun @fernandokokubun

Revisores: Angel Miríade (@myriad_angel), Mellanie F. Dutra (@mellziland), André Luis M. Sales (@andremelo51) Image
Após mais de 6 meses de pandemia, continuamos vivendo em uma situação de isolamento precário, sem um controle adequado de distanciamento físico, de higienização, uso de máscaras, com reaberturas em situações não ideais de diversas atividades.
Isso trouxe como consequência o alongamento da situação de pandemia no Brasil, e, possivelmente, os casos não aumentaram de maneira exponencial, devido à existência de uma parcela considerável da população que mantém um isolamento mais restrito.
Read 43 tweets
17 Nov
Um fio MUITO esperado! Nossa atualização das 12 vacinas em fase clínica 3 para a COVID-19

Data de atualização: 17/11/2020

Autora: Mellanie F. Dutra (@mellziland)

Acompanha o fio!
Time de revisores: Larissa Brussa Reis (@laribrussa), Angel Miríade (@myriad_angel)Larissa Brussa Reis (@laribrussa), Angel Miríade (@myriad_angel), Marcelo Bragatte (@marcelobragatte)
Para saber mais sobre o desenvolvimento de vacinas, deixamos um link bem didático da @anvisa_oficial gov.br/anvisa/pt-br/a…
Read 124 tweets
10 Nov
O risco de COVID-19 para grávidas: evidências de alterações moleculares associadas com pré-eclampsia na infecção por SARSCoV-2 - 🧶

Larissa Brussa Reis (@laribrussa)

Revisores: Mellanie F. Dutra (@mellziland), Melissa M. Markoski (@melmarkoski)
Grávidas e recém-nascidos estão entre os grupos de risco para a COVID-19. Isso porque o novo coronavírus infecta preferencialmente células epiteliais alveolares tipo II (tipos de células que se localizam no interior dos nossos pulmões)
através da ligação do vírus a um receptor chamado ACE-2, do inglês angiotensin converting enzyme-2. A ACE-2 está altamente presente em células de diferentes tecidos, incluindo vários tecidos fora dos pulmões, como coração, vasos sanguíneos, rins, intestino, cérebro e na placenta
Read 28 tweets
6 Nov
Carta aberta à Prefeitura de Porto Alegre - 🧶

Por Rede @analise_covid19
A Rede Análise Covid é uma rede nacional, apartidária e sem fins lucrativos, de pesquisadores voluntários comprometidos com o enfrentamento da COVID-19. Escrevemos esta carta direcionada ao Governo municipal de Porto Alegre (@marchezan_ )
e às autoridades de saúde à frente da Secretaria Municipal de Saúde (@saudepoa ) para apresentar pontos que indicam uma clara reversão de tendência nos números de casos de infecção pela COVID-19.
Read 41 tweets
5 Nov
Fizemos uma carta aberta à prefeitura de Porto Alegre, divulgando nossas últimas análises sobre a transmissão da COVID-19 no município. Nela, manifestamos nossa preocupação com a reversão de tendência em paralelo com as graduais flexibilizações

redeaanalisecovid.wordpress.com/2020/11/05/car…
Nossa rede multidisciplinar, com mais de 76 pesquisadores por todo o país está à total disposição de todas as instituições envolvidas no enfrentamento.

Em nome da Rede, agradeço a todos nossos membros e analistas pelo trabalho voluntário e cientificamente respaldado
Read 4 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!

Follow Us on Twitter!