Assisti à nova versão de O Poderoso Chefão Parte III (agora chamada O Poderoso Chefão Coda: A Morte de Michael Corleone). Vou comentar aqui algumas das mudanças mais significativas e o que achei delas.
Aviso de spoiler, evidentemente. (Então silenciem esse fio se quiserem.)
Primeiro, o mais importante: como devem saber, eu considero O Poderoso Chefão Parte III um desfecho impecável para a trilogia. Já discuti isso neste vídeo:
Então não acho que a trilogia PRECISE de um novo desfecho. Dito isso...
Coppola não alterou tanta coisa como poderiam supor. E o filme ficou menor: a versão original tem 2h50 (com créditos finais); a nova, 2h38. Não identifiquei nada que tenha sido acrescentado, mas, como já podem ver, vários elementos foram removidos.
A maior parte dos elementos removidos, porém, consistem em finais de cena; Coppola parece ter resolvido enxugar ao máximo a narrativa e, assim, quando uma cena cumpre sua função, ele elimina o restante. Há instantes nos quais isso não faz diferença e outros em que faz alguma.
Um exemplo: quando Don Altobello contrata o assassino para matar Michael, a nova versão encerra a cena quando o sujeito pergunta quem é o alvo. No filme original, a conversa se estendia até Don Altobello cheirar um pedaço de pão e comentar como o azeite siciliano é único.
A rigor, este final é necessário? Não. Mas dava uma cor adicional à cena e a Don Altobello. Seria algo que eu teria mantido por essa razão.
Já em outro instante, quando Michael está ao lado do corpo de Don Tommasino, Coppola tira dois momentos diferentes: um que não faz falta, mas outro que lamentei (embora entenda a lógica da remoção).
O primeiro é a fala de Michael quando Vincent chega: "Más notícias? Diga já."
Em vez de Michael dizer isso, Coppola já corta para Vincent falando o que descobriu. Ok, ficou mais enxuto, mais direto. É um corte de uns 2 segundos, mas não faz diferença. Então ok.
O outro eu acho triste.
Antes da chegada de Vincent, Michael "conversa" com o corpo de Don Tommasino e pergunta "Por que você foi tão amado e eu sou tão temido? Eu não fui menos honrado. Eu quis fazer as coisas direito. O que me traiu? Minha mente? Meu coração? Por que me condenei?". Tudo isso saiu.
Acho triste porque gosto desse momento em que Michael é levado pela morte do amigo a fazer um balanço da própria vida e percebe como fracassou. Acho que a lógica de Coppola ao remover foi manter a introspecção de Michael (e não repetir o momento emocional da confissão a Lamberto)
Afinal, Michael já tinha expressado sua contrição ao cardeal Lamberto. Ainda assim, eu gostava desse momento. De todo modo, Coppola manteve a fala de Michael sobre jurar pelos filhos que se tiver mais uma oportunidade de se redimir o fará.
Outros momentos removidos do filme: no hospital, não há mais a visita de Altobello, quando Michael "pedia ajuda" a este (falsamente, pois já sabe que é traidor) e combinavam de ir à Sicília. Gosto do personagem e amo Eli Wallach, mas não é algo que afeta o filme.
Outra cena que caiu é aquela em que, num pequeno altar dentro do hospital, Connie, Vincent e Al Neri conversam sobre o que fazer é Connie dá a ordem para que Vincent mate Joey Zasa. Eu gosto da cena, que estabelece Connie como uma Lady Macbeth, mas...
... pouco depois, quando Zasa já foi morto e Michael está fulo porque agiram sem sua ordem, Vincent ainda diz que recebeu o "ok" de Connie, então a atitude desta é preservada na nova versão. Apenas não vemos o momento. Mas eu teria deixado (até por gostar de ser em silhuetas).
Já na cena da cozinha, notei um detalhe curioso: Coppola acrescentou uma fala quando Michael passa mal. Agora, ouvimos Connie dizer "é a diabetes dele!". Possivelmente, Coppola sentiu que havia quem não entendesse o que estava acontecendo com Michael. Ok, tudo bem.
(Só pra salientar: Coppola não muda a montagem da cena; ele acrescentou a fala de Connie via ADR.)
Outro momento rápido removido: quando Michael vai conversar com Lamberto, antes víamos Don Tommasino ser carregado para fora do carro; agora isso não existe mais e a cena já começa com Michael e Lamberto andando no pátio.
Agora vamos a três momentos que foram removidos e que eu aprovo com veemência:
1) Depois que Altobello apresenta Vincent a Luchesi e estes se afastavam, víamos Altobello caminhar em direção à câmera satisfeito consigo mesmo e falando sozinho. Não mais.
2) Quando Michael, Mary e Tony conversam em um pátio e Michael proíbe a filha de ver Vincent, a cena agora termina quando Mary diz "não". Na versão original, ela repetia o "não" com mais veemência e depois saía correndo. Era artificial e realmente agora está melhor.
3) Durante o atentado à Comissão, quando um dos Dons era metralhado, o víamos gritando, com a boca cheia de sangue: "Joey Zasa, seu filho da puta!". Eu sempre DETESTEI esse plano. Além de falso, era uma forma óbvia do filme dizer quem havia planejado tudo. (E nem foi Zasa mesmo.)
Agora vemos o mafioso caindo, mas não há mais o grito. Ótimo.
Outro breve momento cuja saída dá um novo sentido: na cena com Michael e Vincent (na sala com o corpo de Tommasino), Vincent pedia autorização para agir, Michael acenava que sim e Vincent dizia pra Connie: "It´s done"
Agora, Michael não faz mais o aceno positivo. Quando Connie entra, ele já diz a esta que "tentou" e ela responde que "Não importa, Vincent sabe o que fazer". E aí Michael nomeia Vincent como novo Don.
Gosto dessa alteração porque faz mais sentido narrativamente.
Por que Michael autorizaria a ação de Vincent pra depois dizer que "tentou" e ceder o poder? Faz mais sentido que ele diga que "tentou", ceda o poder e aí Vincent decide o que fazer sem consultar Michael. Ficou melhor assim.
No fim da ópera, víamos Anthony abraçando Vincent e os dois trocavam algumas palavras antes de Vincent ver o resto da família e dizer para Anthony: "Vá dizer oi". Isso saiu. E também gosto, porque agora, quando Vincent vê a família de longe, isso o deixa isolado, solitário.
(E eu também sempre achei meio arrogante demais Vincent dar uma ordem a Anthony.)
Mas agora vamos às duas grandes mudanças da nova versão: a introdução e o desfecho. E, acreditem, elas fazem MUITA diferença e trazem leituras novas ao filme.
Coppola alterou a ordem das sequências no início do filme. Antes, começávamos com a festa por Michael receber uma comenda do Vaticano e só depois, já com uns 20, 25 minutos de filme, víamos a cena com o Arcebispo Gilday no qual negociam sobre a Immobiliare. Coppola inverteu.
Agora o filme abre com a conversa com o Arcebispo. Isso é muito, muito, muito bom. Por vários motivos.
Primeiro, porque cria uma rima com os dois filmes anteriores (o novo plano de abertura passa a ser quase idêntico ao da Parte 1, incluindo a inclinação da cabeça do Don).
Segundo, porque estabelece de cara o ponto central da trama, que é a negociação com o Vaticano.
Terceiro, porque agora, quando vemos a festa, a Comenda recebida por Michael muda completamente de contexto, vindo como CONSEQUÊNCIA do acordo, não como primeiro passo.
Quarto, porque a presença do Arcebispo na festa se torna mais reveladora.
Quinto, porque quando Mary dá o cheque ao Arcebispo, já sabemos o destino que o dinheiro provavelmente terá e que ela talvez esteja sendo usada como testa-de-ferro.
Este último ponto, por sinal, ajuda a transformar Mary em uma jovem ainda mais ingênua e ansiosa para agradar o pai e se aproximar deste. Isso, aliás, torna a performance de Sofia Coppola mais eficaz por infantilizar mais a personagem.
Sobre isso, por sinal, devo dizer que sempre apontei como a inexpressividade de Sofia Coppola não comprometia o filme porque se encaixava na personagem (mesmo que por acidente). Mary É uma jovem tímida, insegura e ansiosa.
Mas talvez agora fique mais claro pra todos.
E sexto: ao colocar a festa depois da reunião com o Arcebispo, toda a postura de Michael se torna mais fácil de compreender.
Muita gente costuma reclamar que o Michael da Parte III é muito diferente, mais expansivo, do que das duas primeiras partes. E é. Mas com razão.
O Michael da Parte III é um homem infinitamente mais leve porque finalmente a Família Corleone está "legítima" - algo que ele tentou fazer a vida toda. Michael NUNCA se sentiu confortável como Don, ao contrário de Vito e Santino. Lembrem-se: ele sentia VERGONHA da Família.
Além disso, Kay sempre o fez se sentir culpado e embaraçado. Se Apollonia era a esposa ideal para um mafioso, por compreender e aceitar aquele mundo, Kay era a típica WASP e Michael nunca se sentiu confortável por saber que ela o condenava.
Agora, porém, como a primeira cena traz Michael DIZENDO que a Família só tem negócios legítimos, talvez fique claro para mais pessoas porque ele está tão diferente. Além disso, a carta que ele escreve para os filhos, que antes abria o filme, fica mais eficaz na nova posição.
Como já sabemos que os negócios da Família são legítimos, a carta na qual Michael expressa querer se reaproximar dos filhos surge como uma continuação desta nova etapa, não aparecendo de modo tão súbito, logo no início.
O filme ficou mais forte com essa mudança.
(Duvido que mais do que meia dúzia de pessoas esteja acompanhando esse fio. Mas vou continuar. :) )
E agora... o desfecho.
Ah, o novo desfecho.
Há algo MUITO interessante no novo desfecho, mas há também algo que considero DESASTROSO.
Na nova versão, o filme encerra antes que Michael caia da cadeira e morra cercado pelos cachorros. Ou seja: Michael termina o filme VIVO. Mas esse não é o problema central pra mim; até vejo a beleza disso, pra ser sincero.
Claro: eu AMO o final original porque fazia uma rima e um contraponto ao da Parte 1. Se Don Vito morria sob uma luz quente, no meio das plantas e brincando com o neto, Michael morria numa luz fria, no meio da terra e cercado por cães. Um resumo da vida que cada um levou.
No novo final, porém, quando Michael coloca os óculos escuros, há o fade final. E aí o mais importante: surge, na tela preta, uma frase. O único elemento realmente novo desta versão além do título.
"Quando os sicilianos desejam a você ´Cent´anni", isto significa ´por uma longa vida´.
... e um siciliano nunca esquece."
Então, a primeira parte desaparece e "... e um siciliano nunca esquece" permanece por mais um ou dois segundos.
A implicação é clara: em vez de morrer, Michael está condenado a viver MUITO, mas sempre torturado por tudo que perdeu e destruiu.
De certo modo, é um destino ainda mais trágico do que o original.
E como o filme chama "A Morte de Michael Corleone", a ideia de que ele já está morto mesmo em vida se torna ainda mais forte. Em essência, Michael realmente morreu, mas com a punição de permanecer vivo para saber disso.
Eu GOSTO desse final. Não sei se gosto mais ou menos do que o original (como falei, eu amo a rima entre as mortes de Vito e Michael), mas gosto MUITO. São totalmente diferentes em sentido, mas igualmente eficazes.
Só que aí Coppola tropeça em um detalhe muito feio.
Na versão original, entre a escadaria da casa de óperas e a imagem de Michael velho, a Parte III trazia flashbacks de Michael dançando com Mary (na Parte III), com Apollonia (na Parte I) e com Kay (na parte II). Agora, há apenas a dança com Mary.
Não, não, não.
Os três flashbacks são MARAVILHOSOS por dois motivos: primeiro, por trazerem cenas de cada um dos filmes (isso é MUITO elegante); segundo, por ressaltar como Michael perdeu/destruiu todas as mulheres importantes de sua vida.
Ao deixar só Mary, Coppola quer salientar como a morte da filha foi a maior tragédia da vida de Michael - e ok, CLARO que foi. Mas ao tirar as outras duas, o filme deixa de ressaltar como NADA na vida de Michael valeu a pena e como este deixou um rastro de destruição.
Esse é o único elemento da nova versão que eu realmente lamento: a remoção destes dois flashbacks.
Ambas as versões - e insistirei nisso até morrer - são maravilhosas. Passou a ser clichê atacar a Parte III (mesmo ela tendo sido bem recebida pela crítica na época e ter sido indicada a vários prêmios), mas sempre achei que era por Sofia Coppola ser um alvo fácil.
Vendo os três filmes em sequência, como faço todos os anos, é algo que salienta a força do terceiro: as rimas com portas e janelas nos três filmes, das estruturas, dos temas principais; o fato de Kay ser vista SAINDO através de um batente quando Michael ouve sobre Tommasino...
A composição de Vincent, que inclui gestos, traços e características de Vito, Santino, Fredo e Michael; a procissão que resulta na morte de Zasa fazendo eco à da morte de Don Fanucci na Parte 2... tudo.
E até a metáfora central da Família Corleone como sendo a história da "América" no pós-guerra se encerra perfeitamente com a morte de Mary. No primeiro filme, vemos a América vencendo os inimigos; no segundo, expandindo seus territórios; no terceiro, sendo atacada em seu solo.
Sempre falei que, como metáfora, a Parte III de certo modo "previu" o 11 de Setembro - era inevitável que, depois de décadas de intervenções em outros países, os EUA fossem atacados em seu próprio solo e civis morressem (Mary).
E numa coincidência que sempre me espanta, até a forma como Mary morre, caindo verticalmente, remete à queda do World Trade Center.
Enfim. Resumindo: não reconhecer o brilhantismo da Parte III é absurdo.
E este "A Morte de Michael Corleone" é uma versão que em momentos consegue ser ainda mais sólida (pela mudança no início e por alguns dos momentos excluídos), mas que não posso abraçar totalmente por causa dos dois flashbacks finais removidos.
Então qual versão será "canon" pra mim?
Esta é a beleza da Arte: como ambas estão na minha mente, existem, estão no mundo, posso combiná-las. A "minha" versão tem a estrutura deste "Coda", mas inclui os três flashbacks, Michael morrendo ou não. (Gosto de ambas as ideias.)
E é isso.
Desculpem pelo flood.
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Uma das classes profissionais mais desvalorizadas na sociedade capitalista é a dos artistas. As mesmas pessoas que demonstram interesse profundo pela bolsa de valores e seus números inexplicáveis (você sabiam que a Netflix vale mais que a Disney?) ignoram o valor da imaginação.
Artistas são frequentemente tratados como (e chamados de) "vagabundos" - e a ironia é que aqueles que dizem não ver valor no que a Arte produz sãos os primeiros a defender seu "direito" de consumi-la sem remunerar o artista.
Seja na escrita, na pintura, na música, o que for - quem cria é tratado como parasita por aqueles que querem só sugar seu trabalho sem pagar. Ontem mesmo linkei aqui uma das muitas "ofertas" que já recebi para escrever de graça para alguém.
A Warner anunciou que vai lançar TODOS os seus filmes de 2021 simultaneamente nos cinemas e, por um mês, também na HBO Max. Essa é uma das decisões comerciais mais chocantes que um estúdio tomou nas últimas DÉCADAS. E as repercussões são imprevisíveis.
Na prática, a Warner acabou de destruir as janelas de distribuição, que são uma das bases mais importantes da relação entre estúdios e exibidores desde sempre. Vou ficar muito surpreso se a associação que representa os exibidores não se manifestar de maneira veemente contra isso.
Pra vocês terem uma ideia da dimensão da decisão, o cronograma da Warner para 2021 inclui Duna, Spacejam 2, Invocação do Mal 3, Godzilla vs Kong, o novo Esquadrão Suicida e MATRIX 4.
Nestes 11 anos de viagens com os cursos, tive um pouco mais de 6.000 alunos. Todas as turmas deixaram marcas e lembranças. Todas. E quem já teve aula comigo sabe que lembro também da maior parte destes alunos - uma rara área em que minha memória funciona bem.
Estas turmas acabaram formando uma pequena comunidade - ou várias delas. Há o grupo no Facebook, que tem quase três mil membros; há grupos menores no Whatsaap formados por alunos de turmas específicas; há até listas de discussão antigas.
Mas é claro que em um grupo de mais de seis mil pessoas, matematicamente é inevitável que percamos alguém de tempos em tempos. E sempre que sou informado sobre a morte de um ex-aluno, sinto uma pancada forte.
De repente, me bateu vontade de rever o vídeo do The Animals cantando House of the Rising Sun. Procurei, vi e linkei aqui às 10h52. Lembrei que é usado em Cassino, procurei o vídeo e linkei aqui. O que me fez lembrar de Westworld (busca, linka, etc).
Como já estava na onda da música, fui vendo os resultados relacionados e ouvi as versões do White Buffalo, um cover com gaita de uma desconhecida e outro cover em violino. Aí apareceu o vídeo de uma moça reagindo ao vídeo do The Animals. Vi e linkei aqui.
Mas aí fiquei curioso para ver outras reações dela e acabei assistindo à apresentação do Queen no Live Aid, às performances de Riders on the Storm e People Are Strange do The Doors e, finalmente, Luciano Pavarotti cantando Nessun Dorma.
Comentei há alguns dias sobre o documentário Til' Kingdom Come, que fala sobre a atuação conjunta dos evangélicos norte-americanos e de Israel para influenciar Trump a ajudar no que basicamente seria o extermínio dos palestinos e da tomada de suas terras pelos assentamentos.
Pois hoje vi um outro doc igualmente relevante chamado Kings of Capitol Hill, que aborda a principal organização pró-Israel (e pró-assentamentos) dos EUA: a AIPAC.
O curioso é que a AIPAC surgiu com um viés esquerdista, progressista, ligado aos movimentos civis da década de 60.
No entanto, a partir do governo Reagan, a AIPAC começou a mudar rapidamente de perfil, tornando-se cada vez mais direitista até finalmente demitir todos os executivos progressistas e substitui-los por republicanos.