Comentei há alguns dias sobre o documentário Til' Kingdom Come, que fala sobre a atuação conjunta dos evangélicos norte-americanos e de Israel para influenciar Trump a ajudar no que basicamente seria o extermínio dos palestinos e da tomada de suas terras pelos assentamentos.
Pois hoje vi um outro doc igualmente relevante chamado Kings of Capitol Hill, que aborda a principal organização pró-Israel (e pró-assentamentos) dos EUA: a AIPAC.
O curioso é que a AIPAC surgiu com um viés esquerdista, progressista, ligado aos movimentos civis da década de 60.
No entanto, a partir do governo Reagan, a AIPAC começou a mudar rapidamente de perfil, tornando-se cada vez mais direitista até finalmente demitir todos os executivos progressistas e substitui-los por republicanos.
Mas o momento-chave da conversão da AIPAC veio quando Yitzhak Rabin e Yasser Arafat assinaram os acordos de Oslo "mediados" por Clinton, em 1993. Com a possibilidade real de paz no Oriente Médio, a AIPAC viu sua influência diminuir (e, com esta, seu caixa). E decidiu agir.
O que a AIPAC, que até então se dizia defensora da paz, passou a fazer? Sabotar os acordos de Oslo, fazendo lobby junto aos congressistas republicanos pra limitar qualquer apoio dos EUA à Palestina e a inflamar a comunidade israelense contra Rabin. Que acabou assassinado.
Depois do assassinato de Rabin por um israelense direitista anti-Palestina, a AIPAC abandonou de vez qualquer pretensão progressista - e seu novo diretor executivo, Howard Kohr (no cargo até hoje, desde 1996!), passou a apoiar Netanyahu e a abraçar os republicanos.
Detalhe importante: quem relata tudo isso em Kings of Capitol Hill são os próprios ex-executivos (e ex-diretores executivos!) da AIPAC, que trabalharam por décadas fortalecendo a organização até vê-la ser tomada pela extrema-direita.
Mas os democratas não são anjinhos nessa história: percebendo a influência crescente da AIPAC (e suas contribuições financeiras para campanhas políticas), praticamente todos os seus principais nomes vão aos eventos da organização e abraçam seus líderes.
(Bernie Sanders foi um dos poucos que não beijaram a mão dos executivos da AIPAC.)
Quando Obama assumiu, aliás, afirmou que qualquer possibilidade de paz no Oriente Médio deveria respeitar as fronteiras determinadas em 1967 (as "Linhas Verdes"). Netanyahu e a AIPAC piraram.
Como resposta, pressionaram congressistas republicanos E democratas a se posicionarem contra a fala de Obama, que "ameaçaria a segurança de Israel". E, claro, comentaristas da Fox passaram a acusar Obama de ser antissemita (qualquer um que seja pró-Palestina é acusado disso).
Quando Obama anunciou o acordo com o Irã, o mesmo ocorreu: Netanyahu ficou puto e a AIPAC fez o que podia pra tentar levar o congresso a impedir a concretização do acerto. Desta vez falharam.
Um dos ex-executivos da organização: "A AIPAC quer uma guerra com o Irã há 20 anos."
Isto, como já era de se esperar, jogou a AIPAC de vez no colo dos republicanos.
E aí chega Donald Trump. Que promete acabar com o acordo com o Irã, mudar a embaixada dos EUA pra Jerusalém, etc, etc, etc.
O resto vocês já sabem: virou o queridinho da AIPAC.
Mas pra deixar claro: há MUITOS judeus que protestam contra a AIPAC nos EUA. Muitos. E que criticam as ações criminosas de Israel na Cisjordânia E é por isso que este papo de que todos que se posicionam pró-Palestina são antissemitas é de uma desonestidade ímpar.
Vou repetir a recomendação de alguns documentários recentes sobre o assunto: além deste Kings of Capitol Hill, há Til´ Kingdom Come (fio:
Na década de 70, a heroína estava tomando conta das comunidades pobres de NY, habitadas majoritariamente por negros. Era um problema grave que os políticos e a mídia tratavam como uma questão criminal, não social ou econômica, preferindo prender e matar do que tratar e salvar.
Depois que grupos de ativistas negros e porto-riquenhos OCUPARAM UM HOSPITAL no Brooklyn (conhecido por tratar mal a comunidade) e exigiram, entre outras coisas, a implantação de uma clínica de tratamento para dependência química na região, a prefeitura finalmente cedeu.
Só que a "solução" dos políticos foi oferecer metadona para os dependentes químicos, substituindo, em essência, um vício por outro - o novo sendo controlado pelo Estado.
No país no qual "não há racismo" (segundo o vice-presidente da república e o diretor de jornalismo da Globo), os assassinatos de negros cresceram 11,5% nos últimos dez anos. Já os de não negros... caíram 12,9%.
Em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil foram negras.
"Ah, mas nem todos esses assassinatos tiveram motivações racistas", dirão alguns enquanto colocam o vídeo do Morgan Freeman em suas timelines.
Ignorando (ou fingindo) que o racismo não é simplesmente um ato, mas um sistema.
A partir do momento em que 75% dos assassinados pela polícia são negros e 61% das mulheres vítimas de feminicídio são negras, o retrato do que ocorre no país fica óbvio; a subjetividade do observador pode até questionar o que é racismo, mas as estatísticas não mentem.
Vi o doc Til´ Kingdom Comes, sobre a relação entre os evangélicos dos EUA e os judeus pró-assentamento na Cisjordânia. É sempre assustador constatar o que acontece quando a política passa a ser realizada através de um filtro religioso.
Nos EUA (e no Brasil), o movimento evangélico se mostra mais sionista do que Theodor Herzl, coletando doações de seus seguidores para enviar para assentamentos judaicos na Palestina.
A pergunta é: por quê?
A resposta é complexa e envolve vários interesses, mas... +
Um dos aspectos mais malucos desta ligação é o fato de que, em essência, os mesmos evangélicos que dizem amar Israel são antissemitas por natureza. Por quê? Porque acreditam que, no Fim dos Tempos, só os judeus que aceitarem Jesus se salvarão. O resto... já sabem. (Pois é.)
"O Dissidente", documentário de Bryan Fogel sobre o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi dentro do consulado de seu país na Turquia, é um filme difícil de assistir. Não por ser ruim, pois não é (ao contrário), mas pela barbaridade do crime cometido.
Com imagens da investigação da polícia turca, transcrição das gravações feitas no momento do crime, entrevistas com a noiva de Khashoggi, colegas jornalistas e de um outro bravo dissidente que trabalhou com Jamal, o doc não deixa pedra sobre pedra.
Aliás, não foi à toa que o congresso dos EUA aprovou, diante das evidências do crime, uma decisão BIPARTIDÁRIA (ou seja: até os republicanos concordaram) para impedir que armas fossem vendidas ao governo saudita.
Trump, claro, vetou a resolução e vendeu assim mesmo.
Há algumas semanas, comentei CoroNation, documentário de Ai Weiwei rodado por diversos cinegrafistas anônimos em Wuhan durante o lockdown na região, e elogiei bastante. Pois hoje vi um ainda mais sólido: 76 Dias, dirigido por Weixi Chen, Hao Wu e um realizador anônimo.
Enquanto CoroNation se preocupava muito (como seria de se esperar de Ai Weiwei) com as falhas sistêmicas do governo chinês, 76 Dias basicamente se tranca em um hospital durante o lockdown, retratando as várias etapas enfrentadas pela equipe naquele período.
Do pânico inicial, quando enfermeiros e médicos enfrentam uma quase invasão de enfermos desesperados por abrigo e tratamento, até a alta dos últimos pacientes quase três meses depois, 76 Dias é um doc que jamais esquece a dimensão humana da pandemia.
Vi agora "Belushi", documentário sobre um dos atores/comediantes mais brilhantes que o Saturday Night Live revelou em todas as suas décadas no ar. O filme é construído a partir de áudios com pessoas que o conheceram (esposa, amigos, parceiros profissionais), animação e arquivo.
As imagens de arquivo, diga-se de passagem, são o ponto forte do documentário, trazendo filmes caseiros, bastidores de produção e entrevistas. Mas - e adoro quando uma biografia consegue isso - tudo a serviço de uma investigação de personagem, de tentar entender quem ele era.
A ideia do "palhaço trágico", claro, é um clichê tentador de se aceitar ("Mas, doutor, eu sou Pagliacci."), mas Belushi, advoga o filme, era um indivíduo cujos autoquestionamentos tinham mais a ver com aquela coceira que todos temos para descobrir quem somos do que com depressão.