Índio Ramirez é de Antioquia, departamento central para a construção da branquidade colombiana. O estado, muitas vezes, é visto em oposição ao Pacífico e ao Caribe, onde viveriam os "negros". Apenas para trazer elementos e tons sobre de onde vêm os racismos da nossa América.
E longe de querer generalizar, mas sempre bato na tecla que se entendêssemos mais o nosso continente, teríamos mais elementos para analisar situações como a de hoje. Especialmente para sacar as semelhanças entre Brasil e Colômbia: (...)
como dois países que se apresentam para o mundo como mestiços e racialmente harmônicos ainda convivem com o signo "negro" tão latente na fala para marcar uma diferença desumanizante?

O que Gérson escutou hoje é o que pessoas do Pacífico e do Caribe muito escutam na Colômbia.
Antioquia é um estado complexo, com uma grande população negra internamente inclusive. Mas é, sem dúvidas, o lugar de onde se articula o conservadorismo branco colombiano. Inclusive boa parte do reggaeton que escutamos no Brasil vem de lá, por isso branco (embranquecido).
Boa parte dos presidentes da Colômbia também vêm de lá, inclusive a grande sombra que pairou sobre a política colombiana nas últimas décadas: o uribismo. Para quem quiser mais informação, recomendo esse texto da profa. Mara Viveros:

repositorio.unal.edu.co/bitstream/hand…
Para quem quiser entender um pouquinho mais sobre racismo e população negra na Colômbia, há um tempo escrevi essa thread tocando rapidamente em alguns aspectos (inclusive a relação entre região - Pacífico e Caribe - e raça):

Eita, não sabia que ia viralizar, mas o ponto é: Antioquia se vê como moderna, do trabalho, dos homens de bem e da ética cristã. Tudo isso visto como valor da branquidade. As regiões mais pobres do país seriam "atrasadas", entre outras coisas, pela presença dos negros.
Nessa visão, os negros gostam apenas de "bailar", são preguiçosos, indisciplinados, "mais força bruta que cérebro", pura "sabrosura" (sensualidade e comida). Por isso deixaram essas regiões mais "atrasadas".

O "negro" sob Gérson talvez represente tudo isso e venha daí.
Geral lembrando do caso Tréllez, que é de Medellín (capital de Antioquia). Pois é, mais elementos para o debate aí.

E sim, a maioria dos jogadores negros colombianos que jogaram no Brasil são do Pacífico ou Caribe. Riascos, Mina, Borja, Rincón, Rentería, Armero, Berrío, etc.
Fui dormir pensando como o inconsciente do racismo aproxima realidades diversas. Mano relativizou a denúncia de Gérson falando que era "malandragem". Daí lembrei desse outro texto da profa. Mara sobre estereótipos raciais na Colômbia e que ajudam a pensar a fala do técnico.
Por que o texto conecta os estereótipos de lá com a fala de cá? porque uma das representações universais sobre os negros é essa de que sempre estamos querendo nos dar bem de maneira fácil/"desonesta", de que somos espertos e queremos tirar vantagem. A "ginga", mas no mau sentido.
Ou seja, a desconfiança é pressuposto, especialmente quando se trata de uma denúncia de racismo que quebra os lugares impostos pela ordem racial (particularmente o lugar do silêncio e do "deixa pra lá").

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