Tava aqui revisando os livros que me acompanharam esse ano e me deparei novamente com a figura da Ana Maria Rodrigues, que sempre cito quando falo e escrevo sobre música. Novamente a pergunta: o que explica o silêncio brutal sobre ela? 👇🏾
Silenciada por ser mulher negra intelectual? Silenciada por "Samba Negro, Espoliação Branca" ser um clássico paradigmático até hoje não reconhecido? Silenciada por falar de racismo em um dos espaços centrais para a construção da nossa identidade nacional, o samba? 👇🏾
Na última andança buscando informações sobre ela, encontrei essa live belíssima gravada em setembro desse ano pela grande dupla do Pensamento Social do Samba. Aulas. O melhor: com dicas e sugestões da filha de Ana Maria Rodrigues. 👇🏾

Na live, Vinícius e Mauro abordam uma das teses centrais do livro de Ana (e talvez um dos motivos pela qual ela é silenciada até hoje, inclusive pelos "acadêmicos do samba/música popular"): com a espoliação realizada pelos brancos ao longo das décadas (...), 👇🏾
os espaços do samba, particularmente as escolas e os carnavais, não são lugares de suspensão das normas de classe e raça (como muito advoga uma certa ciência social até hoje dominante no país), mas sim onde há justamente o reforço, ainda que disputado, das hierarquias sociais. 👇🏾
Uma tese arrebatadora, que até hoje é muito pouco acolhida quando se fala de música e cultura no Brasil (inclusive por setores críticos celebratórios do nosso "popular").

Ao meu ver, a sua potência serve não só para pensar o samba, mas a história passada e presente (...) 👇🏾
de outros gêneros, como a luta travada hoje sobre o embranquecimento (que sempre vem acompanhado de espoliação) do funk e do hip-hop.

Inclusive, se Ana não fosse silenciada, não teríamos embarcado no estrangeirismo de falar de "apropriação cultural", mas sim de espoliação. 👇🏾
Ademais, o argumento de Ana Maria Rodrigues é interessante para pensar outro fundamento da "brasilidade", o futebol. Nele, a lógica racial também opera para reservar os cargos intelectuais, de mando, decisão e comando aos brancos, ainda que a base continue sendo muito negra. 👇🏾
Por fim, a tese de Ana (e o silêncio sobre ela) serve para pensar o próprio debate intelectual sobre cultura popular no Brasil. Cada vez mais se lançam livros, linha de pesquisa e cadeiras nas universidades para falar desse tema, mas fica a pergunta: onde estão os negros? 👇🏾
A própria ausência de republicação do "Samba Negro, Espoliação Branca" desde a década de 80 diz muito sobre como se articula o debate hoje sobre cultura no Brasil.

Saber perceber a espoliação branca entre aqueles que se colocam como amigos dos negros é o fino do legado de Ana.👇🏾
Depois de "Samba Negro...", Ana ainda defendeu sua tese de doutorado na USP com o tema "Imagem e o silêncio: o lugar da mulher negra no séc. XIX", em 1989. E nós achando que estamos inventando a roda em 2020, né?

Fica a dica de digitalização, pois urge o resgate dos nossos.
Aliás, apenas pra gente ficar de olho a partir de Ana: uma vez escutei o Valter Silvério falando "hoje tá na moda falar de cultura 'popular', 'periférica' e 'subalterna' na academia justamente para não falar de negro e indígena". Outro mestre, Espirito Santo, vai na mesma linha.
Eu sou um reles mortal aqui, então tagueando duas amigas que sei que podem se interessar para a informação e Ana Maria Rodrigues alcançarem mais gente @Nailahnv @winniebueno 😅❤️

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