Para quem foi pré-adolescente e/ou adolescente na década de 80, Karatê Kid foi um fenômeno tão memorável quanto Indiana Jones, De Volta para o Futuro ou Rambo. Lembro que a antecipação pelo segundo filme era enorme - e acabei vendo no cinema várias vezes.
(Não vou comentar o terceiro filme e muito menos o quarto, mas tenho imenso carinho pelos dois primeiros até hoje.)
Justamente por ter tanto carinho pelos dois primeiros filmes que evitei ver Cobra Kai até hoje; eu temia que a série manchasse de alguma forma minha memória afetiva dos originais. (Isso mesmo tendo visto o vídeo "Sweep the Leg, Johnny" umas 500 vezes e amado.)
Bom, vi a primeira temporada hoje. E estou numa felicidade sem igual. Não apenas a ideia é sensacional - retomar a história de Daniel LaRusso e Johnny Lawrence 34 anos depois -, mas é executada de modo IMPECÁVEL.
Como o título indica - e ao contrário do que sugere a ordem dos nomes nos créditos, que traz Ralph Macchio em primeiro lugar -, Cobra Kai tem como protagonista o vilão do primeiro filme, Johnny. E esta é uma decisão-chave para o sucesso dramático da série.
Em primeiro lugar, é brilhante a maneira como revisitamos o filme original a partir do ponto de vista de Johnny e percebemos como, canalhices do sensei Kreese à parte, não é difícil entender como ele poderia ter se sentido com a razão em seus conflitos com LaRusso.
Mas o mais importante é que Cobra Kai investe tempo precioso para deixar Johnny o mais vulnerável possível, atraindo a identificação do espectador e deslocando nossa tendência a ficar do lado de LaRusso mais para o centro do conflito.
Johnny tem ainda seus momentos de babaquice, mas é um personagem que tenta acertar e melhorar; já Daniel é um sujeito generoso, mas com instantes de mesquinhez. Com isso, gostamos de ambos e torcemos para que se acertem embora saibamos que não irá acontecer (a série acabaria).
Já os personagens novos colaboram para a dinâmica da narrativa com inteligência: são complexos (todos têm virtudes e defeitos), têm arcos bem definidos e suas alianças seguem os moldes de um drama clássico, quase de tragédia, com seus conflitos entre pais e filhos.
Além disso, a série se equilibra bem entre a nostalgia (com flashbacks pontuais e o uso das músicas) e os novos elementos, respeitando os originais sem ter medo de brincar com sua "mitologia".
E se Ralph Macchio continua com o rosto simpático de moleque, despertando afeição imediata, as linhas de expressão de William Zabka, sua voz mais grave e o rosto mais envelhecido trouxeram personalidade e peso ao ator depois de uma carreira que ficou marcada pelo tipo "bad boy".
A primeira temporada de Cobra Kai me fez rir e, sim, chorar. Na maior parte das vezes, ao ver Johnny tentando desesperadamente acertar e amadurecer enquanto segue levando chutes na cara - antes, literais; agora, metafóricos, mas não menos dolorosos.

Estou encantado.
Porra, virei a noite vendo a segunda temporada. (E, sim, adorei também.) Preciso dormir.
A segunda temporada de Cobra Kai pode não ter o frescor da primeira, já que todos os personagens e situações haviam sido apresentados, mas dá continuidade à história de maneira interessante e fiel à proposta de criar personagens complexos em situações difíceis de navegar.
O retorno de um personagem emblemático do primeiro filme (não vou dar spoilers), que a princípio temi por achar que tornaria as coisas mais artificiais, foi aproveitada de forma madura para manter o arco dramático de Johnny em desenvolvimento.
Além disso, há um episódio nesta segunda temporada (o 6o, Take a Right) que é de uma delicadeza imensa ao reunir Johnny e três antigos amigos em uma breve viagem que me deixou chorando feito um bebê. É tocante ver aqueles homens de meia-idade avaliando suas vidas e seus erros.
Quando lembramos dos alunos do Cobra Kai no filme original, vemos a imagem de bullies insuflados por um sensei sociopata - mesmo que com momentos em que enxergamos sua humanidade, como um que pede desculpas a Daniel ou quando Johnny entrega o troféu a este.
Mas aqui, revendo esses caras já adultos e analisando, com a maturidade conquistada ao longo dos anos, como erraram na juventude e pagaram por isso... fiquei comovido. É sempre bonito, mesmo na ficção, quando vemos alguém crescer, melhorar, compreender os próprios erros.
Aliás, a segunda temporada trouxe também uma novidade maravilhosa: Paul Walter Houser, como o "Arraia". Fantástico em Eu, Tonya e como o Richard Jewell no filme de Eastwood, Hauser é sem dúvida o elemento consistentemente mais divertido da série até agora.
E a sequência de luta do episódio final (de novo: sem spoiler) é... uou. Há uma tomada de mais ou menos 90 segundos que impressiona nem tanto pela coreografia das lutas, mas pela escala da ação, que envolve dezenas de pessoas.
Aliás, a sequência inteira dura quase DEZ MINUTOS, o que por si só já seria suficientemente impressionante.

Cobra Kai continuou a me agradar MUITO na segunda temporada - e eu não esperava passar a ver Johnny Lawrence como um dos personagens mais tocantes dos últimos anos na TV.
Terminei a terceira temporada de Cobra Kai. É boa, mas inferior às duas primeiras. E os problemas podem ser resumidos à falta de equilíbrio entre subtramas. Pela primeira vez, os roteiristas não conseguiram oscilar com eficiência entre personagens novos e antigos.
(Não darei spoilers, como de hábito.)

Em vários momentos da terceira temporada, a necessidade de arranjar algo para que os personagens novos fizessem acabou resultando em sequências não só tolas, mas que frustravam por tirar o foco das passagens envolvendo os veteranos.
Estamos vendo Johnny ou Daniel em um momento interessante e, de repente, o episódio foca em, sei lá, uma sequência estúpida e descartável em um zoológico. Entendo querer incluir os jovens (até pela demografia do público-alvo), mas não às custas do que realmente importa.
E se eu até tinha gostado do retorno de certo personagem ao fim da primeira temporada e durante a segunda, desta vez ele se transforma em pura caricatura - não só porque o ator (não posso citar o nome, seria spoiler) sempre foi limitado, mas porque o roteiro não ajuda.
Além disso, não vejo qualquer sentido em investir loooongos minutos em vários episódios para tentar conferir dimensão ao personagem através de flashbacks de sua juventude se sempre que voltamos ao presente ele continua sendo uma pura caricatura com sorrisos maliciosos.
Para piorar, o sucesso da sequência de luta no último episódio da segunda temporada foi interpretada pelos responsáveis pela série como um sinal para que simplesmente tentassem repeti-la, com direito até a um longo plano sem cortes. Mas desta vez é só absurda.
DITO ISSO, Johnny Lawrence e Daniel LaRusso continuam a se apresentar como personagens cada vez mais interessantes e complexos - e o episódio 5, admito, me fez chorar de soluçar.
No mais, fica difícil não gostar de uma temporada que termina como a terceira terminou. Os segundos finais são... tá, eu arrepiei.

Espero só que a quarta faça como o sr. Miyagi ensinava, pratique exercícios de respiração e recobre seu foco.
Para encerrar os comentários sobre Cobra Kai, vou incluir aqui um momentinho rápido que me emocionou pra caramba na terceira temporada. (E não é spoiler, já que Pat Morita morreu em 2005 e, por isso, obviamente não está na série.)

Uma fusão simples, mas eficaz.

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3 Jan
Vi agora a thread do "bean dad" que está tomando conta do twitter (pra quem não viu, um pai fez uma longa thread contando como se recusou a abrir uma lata para a filha para que ela aprendesse a usar o abridor. Ela tem 9 anos e ficou seis horas com fome até conseguir).
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29 Dec 20
Eu gostei de Jogador No 1 (mais do filme do que do livro), mas a continuação, lançada há poucos meses, é ruim de doer. Todos os personagens são insuportáveis (incluindo o casal principal, Wade e Samantha), a narrativa é prolixa ao extremo e o desfecho é tolissimo.
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28 Dec 20
Quem me acompanha há algum tempo sabe que considero a HFPA, que promove o Globo de Ouro, uma piada de mau gosto. Aliás, não é exclusividade minha: eles são vistos como picaretas também em Hollywood (dito isso, há alguns jornalistas dignos na associação, mas são minoria).
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22 Dec 20
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20 Dec 20
Você não entende a "pressa" por uma vacina, @jairbolsonaro, seu miliciano desgraçado? Quase 190 mil mortos, mais de 7 milhões de infectados, UTIs com taxa de ocupação similares ao do meio do ano, pacientes em Manaus colocados ao lado de cadáveres (de novo!) e transmissão subindo!
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