10 MILHÕES PARA O COMANDO VERMELHO, 10 MILHÕES PARA O TERCEIRO COMANDO, E 5 MILHÕES PARA A ADA
No dia 18 de setembro de 2019, por volta de 9 da manhã, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro realizou uma operação nos bairros de Vila Pinheiro e Salsa e Merengue, situado no Complexo de Favelas da Maré, com o objetivo de cumprir mandado judicial de prisão contra Thiago
Folly, vulgo TH, foragido do sistema de justiça, apontado como líder de facção local do tráfico. Obtida a informação sobre o paradeiro do criminoso (obviamente de altíssima periculosidade), a operação foi devidamente aprovada pelos órgãos competentes na estrutura da PolíciaCivil.
Como é notório, o Complexo da Maré abriga alguns dos mais perigosos e violentos integrantes do crime organizado do Rio de Janeiro, sendo necessário preparar uma equipe à altura do perigo enfrentado. Assim, foram designados 31 policiais civis para composição da equipe terrestre,
apoiados por dois veículos blindados, e 08 policiais para a equipe aérea, a bordo de helicóptero tripulado por piloto e copiloto, e seis policiais na função de atiradores. A equipe terrestre teria a missão de entrar no local, em busca do criminoso foragido, enquanto a
equipe aérea teria a função de apoiá-la, garantindo a segurança do seu deslocamento.

Iniciada a operação, os policiais foram alvo de disparos de armas de fogo efetuados pelos integrantes da facção criminosa que domina a região. Naturalmente, a polícia reagiu, tendo a equipe
aérea efetuado disparos a partir do helicóptero para impedir que os policiais da equipe terrestre fossem mortos pelos criminosos.
A operação foi concluída com a prisão em flagrante de um traficante armado com fuzil. Não houve registro de pessoas feridas.

Pois bem: de acordo com notícia divulgada ontem pelo site G1, e confirmada pelo site oficial do próprio MPRJ, o Grupo de Atuação Especial em
Segurança Pública (GAESP) do Ministério Público do Rio de Janeiro está processando dois delegados e o piloto (do helicóptero) que participaram da operação por (vejam bem) IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, pedindo que os mesmos sejam condenados a perda
da função pública (ou seja, vão para o olho da rua), suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos e pagamento de multa civil no seu patamar máximo.
A lei define como ato de IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições.
Assim, teríamos improbidade administrativa, por exemplo, na conduta de policiais que deixassem de
reprimir o crime organizado, deixassem de efetuar prisões em flagrante, ou deixassem de tentar cumprir um mandado de prisão expedido pelo Poder Judiciário.
O que tivemos na operação na Maré foi exatamente o oposto: policiais arriscando suas vidas para cumprir ordem judicial de prisão, para prender marginais extremamente violentos e para impedir que seus colegas de corporação policial fossem executados pelos traficantes.
Como “recompensa”, os promotores do GAESP pedem à Justiça que o piloto do helicóptero, por exemplo, seja demitido do serviço público e perca o salário com o qual sustenta sua família.
Tudo isso porque, na localidade onde se deu a troca de tiros, havia uma escola. Não ocorreu aos promotores que quem coloca em risco a vida das crianças e adolescentes inocentes que estudam nessa escola não é a polícia atuando no cumprimento da lei e de uma ordem judicial, e
sim os criminosos de fuzil que querem impedir a polícia de exercer sua função.

(durante a investigação do fato, um dos delegados processados chamou a atenção dos promotores para essa questão; ao que parece, eles ficaram muito espantados com
afirmação tão “inusitada” – veja fl. 21 da petição inicial)

Enquanto isso, a imprensa noticia:

“Traficantes transformaram escolas e até creches em pontos de venda de drogas na Baixada Fluminense” (O Globo, 18/12/2020)
“Pontos de venda em creche e escolas” (O Dia, 19/12/2020). Na mesma matéria: “O delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, disse que a Justiça precisa rediscutir a decisão que impede a polícia de fazer operações perto
de escolas ou instituições de ensino dentro de comunidades do Rio. Segundo ele, traficantes estão se valendo dessa norma para usar esses locais como abrigos e esconderijos de armas e drogas.”
Como se vê, o sustento das famílias dos delegados e do piloto que os promotores do GAESP querem que sejam demitidos está em risco, mas a renda dos prósperos traficantes só aumenta, com mais opções de locais para armazenarem sua “mercadoria”.
Nunca a expressão “inversão de valores” fez tanto sentido.

Em nota, a Secretaria de Polícia Civil manifestou seu apoio irrestrito aos policiais envolvidos na operação, e destacou que a situação de confronto era absolutamente excepcional, e o uso do helicóptero serviu para
garantir a segurança da população e dos policiais. “Tirar o helicóptero de uma situação destas é igualar o podrio bélico dos criminosos ao da Polícia”, acrescenta a nota, a qual, do início ao fim, diz o óbvio – e faz muito bem, pois em tempos de tamanha inversão de
valores o óbvio precisa ser dito e diariamente repetido.

Mas a coisa piora: não satisfeitos com a ação do GAESP pedindo a demissão do serviço público dos agentes de segurança acima mencionados, a 4ª. Promotoria de Justiça da Tutela Coletiva de defesa da
Cidadania da Capital (nome bonito, não acham?) e a 1ª.Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Educação da Capital ajuizaram uma ação por “dano moral coletivo” pedindo a condenação do Estado ao pagamento de uma indenização de 25 milhões de reais – afinal, é inadmissível que
agentes da segurança pública do estado revidem tiros de fuzil disparados contra eles por traficantes, não é mesmo?
Tudo isso porque, na localidade onde se deu a troca de tiros, havia uma escola. Não ocorreu aos promotores que quem coloca em risco a vida das crianças e adolescentes inocentes que estudam nessa escola não é a polícia atuando no cumprimento da lei e de uma ordem judicial, e sim
os criminosos de fuzil que querem impedir a polícia de exercer sua função.

(durante a investigação do fato, um dos delegados processados chamou a atenção dos promotores para essa questão; ao que parece, eles ficaram muito espantados com
afirmação tão “inusitada” – veja fl. 21 da petição inicial)

Enquanto isso, a imprensa noticia:

“Traficantes transformaram escolas e até creches em pontos de venda de drogas na Baixada Fluminense” (O Globo, 18/12/2020)
“Pontos de venda em creche e escolas” (O Dia, 19/12/2020). Na mesma matéria: “O delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil, disse que a Justiça precisa rediscutir a decisão que impede a polícia de fazer operações perto de
escolas ou instituições de ensino dentro de comunidades do Rio. Segundo ele, traficantes estão se valendo dessa norma para usar esses locais como abrigos e esconderijos de armas e drogas.”
Como se vê, o sustento das famílias dos delegados e do piloto que os promotores do GAESP querem que sejam demitidos está em risco, mas a renda dos prósperos traficantes só aumenta, com mais opções de locais para armazenarem sua “mercadoria”.
Nunca a expressão “inversão de valores” fez tanto sentido.

Em nota, a Secretaria de Polícia Civil manifestou seu apoio irrestrito aos policiais envolvidos na operação, e destacou que a situação de confronto era absolutamente excepcional, e o uso do helicóptero serviu para
garantir a segurança da população e dos policiais. “Tirar o helicóptero de uma situação destas é igualar o podrio bélico dos criminosos ao da Polícia”, acrescenta a nota, a qual, do início ao fim, diz o óbvio – e faz muito bem, pois em tempos de tamanha inversão de
valores o óbvio precisa ser dito e diariamente repetido.

Mas a coisa piora: não satisfeitos com a ação do GAESP pedindo a demissão do serviço público dos agentes de segurança acima mencionados, a 4ª. Promotoria de Justiça da Tutela Coletiva de defesa da
Cidadania da Capital (nome bonito, não acham?) e a 1ª.Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Educação da Capital ajuizaram uma ação por “dano moral coletivo” pedindo a condenação do Estado ao pagamento de uma indenização de 25 milhões de reais – afinal, é inadmissível
que agentes da segurança pública do estado revidem tiros de fuzil disparados contra eles por traficantes, não é mesmo?
Só uma indenização milionária para impedir esse tipo de “improbidade” e finalmente deixar em paz os pacíficos comerciantes de drogas e seus depósitos de “mercadoria” e armas ao lado das escolas e creches das comunidades.
Como a internet não perdoa, já tem gente sugerindo que as incansáveis promotorias (essas de nomes longos e bonitos) distribuam os 25 milhões de reais da indenização da seguinte maneira:
10 milhões para o Comando Vermelho, 10 milhões para o Terceiro Comando, e 5 milhões para a facção ADA (Amigos dos Amigos), que afinal é menorzinha.
Tenho mais de 32 anos de Ministério Público do Rio de Janeiro. Poucas vezes me deparei com situação tão constrangedora.

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