Em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", filme de Glauber Rocha, de 1964, o vaqueiro Manoel vaga com a esposa num sertão sem fim que representa o Brasil. Na peregrinação penosa da vida, o vaqueiro topa com dois líderes carismáticos.
O primeiro é um religioso que diz ser a reencarnação de São Sebastião. Assim como Conselheiro em Canudos, o suposto santo arrebanha em Monte Santo uma horda de seguidores fanáticos aos quais promete vida melhor num paraíso idílico: uma ilha cercada de água.
O segundo é o cangaceiro Corisco que, após a morte de Lampião, de Maria Bonita e da maior parte do bando, vaga numa jornada escatológica, na qual busca o fim de sua experiência violenta de vida.
O vaqueiro Manoel, um miserável sem perspectiva, cujos mínimos planos de roçado são atropelados pela violência de um evento fortuito, busca primeiro no santo e depois no cangaceiro alguém que lhe dê um sentido superior na vida.
Tanto o santo (deus) quanto o cangaceiro (diabo) revelam ser caminhos diferentes para o mesmo fim: a morte. Nas duas experiências, a comunhão de Manoel com esses líderes só é possível através de rituais de banalização do valor da vida. É preciso matar para viver.
O santo e o cangaceiro não dão a Manoel um roçado, uma cisterna, comida. Tudo o que prometem é gigantesco, transcendental, radical, hiperbólico, heróico. Em nome de alcançar o mar, Manoel deixa de alcançar um copo d'água.
O filme começa com uma tomada aérea que dá a dimensão interminável do vasto e árido sertão torrado sem clemência pelo sol. E termina com visão semelhante, colocando Manoel a vagar pela mesma paisagem inicial.
O filme é uma representação da condição do brasileiro, perdido eternamente num mar de vida árida, na qual líderes carismáticos surgem como as únicas possibilidades de significar a experiência de vida em comunidade, organizada.
As duas experiências são desastrosas e repletas de sacrifício, sofrimento e morte. Em ambas, entretanto, a evidente perdição é ofuscada pela crença de participação num projeto maior – que só faz sentido, claro, na mente alucinada e pervertida do santo e do cangaceiro.
Glauber foi um gênio e é impressionante ver como ele apresenta o intrincado meio em que nós vivemos há séculos como brasileiros. "Terra em Transe" reforça a mesma mensagem. É rever e saber que nossos problemas atuais não são novos. E as reflexões a respeito já foram melhores.
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Não sou especialista no assunto, não cubro saúde, não estive em Manaus, não tenho conhecimento. Mas me intriga: os responsáveis pelo suprimento de oxigênio hospitalar detectaram que faltaria o produto? Isso foi registrado? Isso foi comunicado às autoridades de saúde? Sigo:
Os médicos oficiaram o diretor da unidade? O diretor da unidade oficiou a secretaria de saúde? Isso chegou ao ministério? Não há nada escrito no estado? Não há protocolos? Padrões? Não há rastros, registros?
O ministro da Saúde visitou o estado pouco antes do colapso. Foi informado? Recebeu relatório? Que resposta ele deu? Ele mesmo produziu registro de sua visita? Manifestou suas constatações? Discutiu com alguém o assunto? Tomou conhecimento?
A soja é o principal produto de exportação do Brasil. Está à frente de minério de ferro, de petróleo, de celulose, de maquinário, de tudo. O produto, em grão ou em farelo, é usado principalmente para ração animal, e responde por 14% de todas as vendas brasileiras ao exterior.1/10
Das aproximadamente 100 milhões de toneladas de soja que o Brasil exporta por ano, 13 milhões vão para países que fazem parte da União Europeia, sendo que 5 milhões vão para a França, de acordo com dados atribuídos pela @abiove à @embrapa . 2/10
Pois é justamente a França – país que, ao lado da Alemanha, lidera a União Europeia, sobretudo após a saída do Reino Unido – quem lançou ontem uma ameaça explícita de boicotar a compra de soja do Brasil. O governo brasileiro se calou. As entidades do setor desdenharam. 3/10
É capaz que o presidente Bolsonaro, seus ministros e apoiadores atribuam a uma agenda ideológica a decisão francesa de – certamente não hoje, mas em algum momento – parar de comprar soja brasileira, como anunciado hoje por Macron. Não é ideológico, pelo seguinte:
Qualquer pessoa minimamente informada sobre a política e a sociedade europeias hoje sabe que não existe tema mais importante na agenda do continente do que a questão ambiental. Todo político europeu, incluindo Macron, precisa atender ao lobby ambiental se quiser sobreviver.
Era óbvio que a forma como Bolsonaro vinha lidando com as queimadas na Amazônia e no Pantanal traria consequências econômicas negativas para o agronegócio brasileiro, e é impossível que a diplomacia brasileira não tenha detectado e reportado esse risco ao Planalto.
Não consenso entre constitucionalistas americanos sobre se Trump pode sofrer um processo de impeachment mesmo depois de deixar o mandato, em 20 de janeiro. Dou dois exemplos de argumentos: 1/5
Michael Gerhardt, professor de direito na Universidade da Carolina do Norte e autor de diversos livros sobre impeachment nos EUA, argumenta que, sim, é possível tocar um processo de impeachment mesmo depois de o presidente ter concluído o mandato. 2/5
“Presidentes podem cometer delitos a qualquer momento do mandato, inclusive nos últimos dias”, diz Gerhardt. “Membros do Congresso podem perder o interesse em julgar um ex-presidente, mas essa é uma escolha política, e não uma diretriz constitucional.” 3/5