Ontem, no centro de Bangu - o segundo bairro mais populoso do Rio de Janeiro, a maioria das pessoas só utilizava máscara quando era obrigada a entrar em alguns estabelecimentos. Alguns, pois em muitos nem os vendedores usavam máscaras.
Desesperador, para dizer o mínimo.
Nessas horas a gente entende a diferença entre culpa e responsabilidade. Nossas autoridades são imediatamente culpadas por estarmos vivendo essa situação: vai do exemplo pessoal a ausência de uma campanha efetiva de conscientização, com fiscalização. outline.com/p9drC6
Um exemplo, quem nasceu nos 70-80, como eu, sabe como o uso do cinto de segurança é um hábito muito recente do brasileiro - e ainda assim precário -, que só foi conquistado após muita campanha midiática e fiscalização. Mesma coisa com as campanhas de lei seca.
E aqui entra num ponto "interessante": a resistência ao cinto, lei seca e ao uso de máscara muitas vezes se baseia numa percepção do "desconforto individual", manutenção de uma suposta liberdade, sobre a ideia de responsabilidade social.
Era impressionante como as pessoas sempre evocavam a ideia de que se sentiam desconfortáveis com os cintos, ou que a lei seca afetava o seu direito de ir e vi (se divertir), para encontrar formas de burlá-la. E aqui é bom frisar: esse ato não é exclusivo das direitas.
Só ver a popularidade de perfis que avisavam aos motoristas sobre os "balõezinhos da lei seca". Ou lembrar dos "argumentos" que utilizaram contra o lei que proibia o fumo em estabelecimentos fechados em SP. "É um direito meu".
E aqui atingimos o ponto fundamental: temos toda uma cultura individualizante, que prioriza supostas liberdades individuais sobre a ideia de responsabilidade social. Por isso estes argumentos acabam ganhando tração.
E aqui é interessante notar como o pós-2000 foi marcado pela ascensão de toda uma cultura política que se baseia quase que exclusivamente no desconforto individual como motor da revolta: "Se eu me sinto desconfortável com algo, logo esse algo é errado e ponto".
E antes que atribuam esse comportamento à direita, é sempre bom lembrar da quantidade de pessoas "progressistas" que se utilizaram de argumentos semelhantes (saúde mental) para - por exemplo - no meio de uma pandemia viajar para aquela "vila escondidinha no interior da Bahia".
O ponto é, mais uma vez, esse tipo de campanha, comportamento se torna padrão em uma sociedade que prioriza o indivíduo sobre o coletivo, onde o juízo do sujeito - suas emoções e desconfortos - podem prevalecer sobre o dos seus vizinhos.
Inclusive, isso é algo que poderíamos levar para além da esfera do humano, se aplicando a natureza, por exemplo. Mas ai começa outra discussão.
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Para quem (ainda) isenta as FFAA do seu apoio ao Bolsonaro: circula um documento do próprio EB - cuja veracidade não pode ser aferida - que define a carreira militar e o caráter do Capitão Jair Bolsonaro da seguinte maneira:
A leitura do documento é divertida, uma baixaria sem limites. Fora isso não tem muito valor além do óbvio: Bolsonaro nunca foi bem visto pelo oficialato das FFAA. Sempre fora tomado como um descontrolado, para dizer o mínimo.
Seu apoio midiático aos torturadores da ditadura e a propaganda aberta que fazia das graves violações dos direitos humanos cometidas pelo regime sempre foram consideradas vergonhosas por membros do oficialato: que sempre optaram por uma abordagem "deixa isso quieto".
Quando mais eu estudo os impactos das redes sociais (as "novas tecnologias") na micro e macropolítica mundial (e brasileira) eu percebo que talvez o maior destes impactos seja a instauração do domínio do "presente imediato". Essa é a marca do governo Bolsonaro (mas não apenas).
As redes sociais ignoram o passado e o futuro enquanto "esfera de preocupação", o que importa é o "live"; o tempo que importa é ontem, o hoje e o depois de amanhã, fora disso tudo se dilui. Por isso o revisionismo é uma marca das redes: o presente sempre reescrevendo o passado.
Isso cria toda uma nova forma de micro e macropolítica. Pegue o Bolsonarismo, por exemplo, a sua incapacidade de lidar com o "futuro" ou com o passado é notória, tudo que lhe importa é o agora. Pois eles sabem que, nesse mundo, a disputa é pelo momento.
Insisto e repito: infelizmente não será por meio da denuncia moral que vamos superar Bolsonaro e seus aliados - a opinião pública não liga para a sua misoginia, etc... -, só vamos derrotá-lo quando mostrarmos a sua responsabilidade na precarização da vida do brasileiro.
Simplesmente repetir que se trata de um projeto genocida não tem o efeito desejado, é preciso mostrar claramente - por exemplo - a sua responsabilidade, sua culpa, na situação de Manaus. Não por coincidência ele e os seus estejam tão empenhados em se desviar dela, sentiram.
É nosso dever para com aqueles que pareceram vítimas desse projeto genocida: devemos abandonar o bordão e transformar isso em conversa de fila do supermercado, mostrar que ele mente quando tenta se desviar da responsabilidade pelo caos que tomou conta do país.
Por vezes me pego cristão desejando a existência desse Deus que os bolsonaristas tanto evocam: apenas para ter o conforto de saber que figuras como a Damares, Pazuello e o próprio Bolsonaro queimariam no inferno pelos seus atos.
Contudo, como não temos evidências da existência desse Deus vingativo, acho melhor nos organizarmos para garantir que a punição destes sujeitos pelos seus crimes venha ainda em vida. É nosso dever para com aqueles que pereceram por seus atos.
Não quero saber do resultado de um tribunal histórico vindouro (o inferno desejado pelos ateus), estou falando do presente.