Boa tarde. Vou postar um fio sobre o que considero traços paradoxais de nossa cultura política. Algo que alia alegria excessiva, resiliência doentia e violência privada. Lá vai:
1) O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, num ensaio que dedicou às suas filhas, em determinado momento escreveu: “não posso evitar a história”. Afirmava que a história havia decretado que ele era polonês e judeu e, com tais imposições arbitrárias, emergia uma alta dose de incerteza
2) Quando li essas palavras que parecem uma narração realista, pensei no decreto que a história acabou impondo a todos nós, brasileiros. Bauman sabia que não nascemos com essência, já que nossa inteligência nos “decreta” que somos responsáveis por nossas escolhas e omissões.
3) Sartre dizia isso, afinal, que somos atormentados por nossas escolhas, por nossa liberdade. O que Bauman queria sugerir é que não temos como nos livrar do passado e da história dos vínculos sociais e da cultura em que estamos mergulhados.
4) Também não acredito que estivesse inaugurando um outro tipo de determinismo. Fernand Braudel tinha reservas à qualquer determinismo geográfico. Afirmava que várias comunidades têm desafios semelhantes apresentados pela natureza, mas as respostas que deram nunca foram as mesmas
5) Pela inteligência humana, criamos e construímos nossas escolhas, nossa essência moral. Bauman sabia disso. Sugeria que a questão da imposição da história não é a de proteger fronteiras, mas de construir fronteiras, construir realidades.
6) Então, quais seriam as questões postas por nossa história de brasileiros? Gostaria de destacar quatro dessas questões capitais ou fundacionais do Brasil.
A primeira, é a escravidão ou o pensamento estamental.
7) Não conseguimos pensar como sociedade moderna. Parece haver uma sina nacional de sempre nos referirmos ao outro pela marca da casta em que cada um nasceu. Pobre é pobre e negro no Brasil.
8) Negro brasileiro, portanto, leva esta marca que o aproxima da construção simbólica que a Europa construiu para o judeu – da Rússia à Polônia de Bauman. O Brasil adotou vários traços de cultura – ou ideário – estamental.
9) Pensamos nossa sociedade em segmentos amarrados à sua origem, algo bem distinto da lógica da sociedade em classes sociais: existem vestimentas, lugares para frequentar, alimentação, dialetos ou gírias específicas: uma série de marcas que definem o “lugar de existência”.
10) A segunda questão dada pela imposição de nossa história é, talvez, derivada da anterior: a combinação paradoxal da violência privada e a mansidão pública. Somos um país violento.
11) Segundo o professor José de Souza Martins, da USP, somos campeões mundiais de linchamento. A violência doméstica, contra mulheres e crianças, é assustadora.
12) O Brasil é o 5º país em morte violentas de mulheres no mundo, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Perdemos para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de assassinato de mulheres.
13) Em comparação com países desenvolvidos, aqui se mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que a Dinamarca e 16 vezes mais que o Japão ou Escócia.
14) Em nosso país, a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre em decorrência de ferimentos por arma de fogo. Nas últimas duas décadas, mais de 145 mil jovens, com idades entre zero e 19 anos, faleceram em consequência de disparos, acidentais ou intencionais
15) Contudo, o grau de resiliência dos brasileiros em relação aos desmandos e arbitrariedades de governos e autoridades públicas parece patológico. As rebeliões e respostas de massa são raras num país que é, segundo a ONU, o sétimo em desigualdade social em todo planeta.
16) A hipótese explicativa possível é o congelamento da desigualdade social e a cultura estamental que alimenta a noção que aqui vivemos num deserto sem fim, numa lógica circular em que filhos ou netos de ricos fatalmente serão ricos e membros da elite
17) Os filhos ou netos de pobres serão também pobres e marginalizados socialmente. Se nada muda, se as elites sempre governam o país com nenhuma sensibilidade social, mas muita malandragem, por qual motivo seria crível uma rebelião popular alterar tal realidade?
18) Do outro lado da ponte, nossas elites forçam - através da violência institucional ou de discursos que prometem a eterna receita de crescimento do bolo para a sua divisão posterior – uma conciliação de interesses.
19) Com o fim da ditadura militar, a conciliação veio pelo alto, construindo o acordão que ficou conhecido como Nova República, um acordão que definiu limites para a esquerda e a direita, mas que foi quebrada com Jair Bolsonaro e os bolsonarista.
20) Agora, nova promessa de estabilidade da política – e da desigualdade social e marginalização da massa de brasileiros – a partir de um impeachment de Bolsonaro que levaria ao bloco que já está no poder, no interior do governo Bolsonaro.
21) Talvez, nós sejamos a única nação que entenda esta lógica lampedusiana de mudar para que tudo fique como sempre esteve.
22) Temos, ainda, a quarta questão: a luta pela sobrevivência e pela alegria como estratégia comunitária. Somos resilientes em demasia e para adoçar esta marca doentia, nos tornamos um povo alegre. Alegre pela dança, pela música, pela sexualidade, pela ironia, pela gargalhada.
23) Uma alegria que flerta com a violência. Lembremos que até os blocos de carnaval fossem reeditados pelas mãos de Villa Lobos, durante o Estado Novo, eram proibidos porque não “condiziam com a civilização” ou porque na disputa de estandartes de cada bloco carnavalesco
24) Na disputa de estandartes de cada bloco carnavalesco, saíam alguns machucados ou até esfaqueados. A alegria exagerada e a violência andam juntas no Brasil, quando não abrem portas para o preconceito e o bullying explícito.
25) O que estou sustentando não é niilismo, mas a necessidade de alterarmos esses traços de nossa história que Bauman afirmou que não conseguimos nos livrar. Minha tese é que nossa saída é pela mudança do traço cultural que é oriundo da presença cotidiana do mundo escravagista
26) Uma lógica estamental que nos divide em desigualdades cristalizadas. Aqui, nos diferenciamos do mundo líquido que o sociólogo polonês identificou nesse século XXI: no Brasil, a desigualdade social é sólida, uma tradição, tão coesa e palpável que não se corta facilmente. T
27) Talvez, pela educação em massa, pela formação do espírito cidadão, pela ousadia da produção artística, enfim, pelos meios que movem corações e mentes, mudemos esta tragédia.
28) Contudo, pelo impeachment, este instituto legal criado pelas elites e para fortalecer seu poder sobre um possível governante que saia dos trilhos da nossa cultura estamental, nada será alterado.
29) Com o impeachment, estaremos de volta ao Dilema de Sísifo, este esforço para mudar para que tudo fique como sempre foi. (FIM)
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Socializo, em seguida, a "Nota sobre Retorno às Aulas Presenciais" elaborada pelo Pacto Educativo Global do Brasil (iniciativa mundial liderada pelo Papa Francisco). Segue o fio.
1) 1.As bases técnicas para o retorno às aulas presenciais
A orientação de especialistas da área de saúde indica que sem redução drástica do número de infectados pela COVID19, o retorno presencial das aulas se torna inviável, dado o alto risco de contaminação.
2) A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de setembro/2020
Bom dia. Farei um mini fio comentando as carreatas de ontem. Ontem, a reação foi um sucesso. Carreatas gigantes pelo país afora. Mas, nada de repercussão na grande imprensa. Por qual motivo? Segue o fio
1) Não foi apenas na região sudeste, não foi apenas nas capitais. As carreatas se espalharam pelas cidades do interior.
2) Mas, o que ocorreu na grande imprensa? Pequenas notas, quase no rodapé dos seus sites. Na ilustração à esta nota, percebam que não se trata de alinhamento com Bolsonaro. Trata-se de não divulgar ofensiva que não tenha o controle do Centrão
Para não restar dúvidas sobre a impossibilidade de retorno às aulas presenciais. A Fundação Oswaldo Cruz, órgão do Ministério da Saúde, publicou o documento com o título “Contribuições para o retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”, de set/20
O documento pode ser acessado através deste link portal.fiocruz.br/documento/cont… . Os indicadores globais e específicos para retorno das atividades sugeridos pela Fiocruz são: 1. Redução da transmissão comunitária: < 1 caso novo por dia por 100.000 habitantes;
2. Taxa de contágio - valor de R < 1 (ideal 0,5) por um período de pelo menos 7 dias; 3. Disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 75% livres. (Faixa verde – Conass/Conasems);
Prometi o fio sobre a inesperada ofensiva contra Bolsonaro. Então, lá vai:
1) Muitos previam que em algum momento transbordaria o copo até aqui de raiva. Bolsonaro abusou e todos nós sabemos. Incompetente como gestor, humilhado politicamente pelo Centrão, restou o grito do macho alfa, mesmo combalido. Ameaçou e, como sempre, recuou
2) Mas, o outro lado do país, aquele que é majoritário, umas três vezes maior que o apoio que Bolsonaro parece possuir, continuava resignado. Resignação, talvez, não descreva exatamente o cenário. O lado de cá resolveu ser expectador. Olhar a paisagem e fazer seu julgamento.
Essa história de Bolsonaro ser desmentido pelo governo da Índia a respeito da compra de 2 milhões de doses da vacina revela muito da personalidade do nosso presidente. Vou pistar um mini fio a respeito. Lá vai:
1) O desmentido oficial do governo da Índia, sustentando que não há como fornecer tão rapidamente a vacina se chocou com o avião que teria saído do Brasil para trazê-las em dois dias.
2) Bolsonaro parece não pensar ou planejar com cuidado. Parece pensar apressadamente no primeiro lance e executá-lo o mais rápido possível sem medir as consequências. Ansioso e pouco reflexivo, não nasceu para ser estrategista, mas para espalhar notícias, mesmo que sem fundamento