Thread by @rudaricci

Prometi o fio sobre a inesperada ofensiva contra Bolsonaro. Então, lá vai:

1) Muitos previam que em algum momento transbordaria o copo até aqui de raiva. Bolsonaro abusou e todos nós sabemos. Incompetente como gestor, humilhado politicamente pelo Centrão, restou o grito do macho alfa, mesmo combalido. Ameaçou e, como sempre, recuou

2) Mas, o outro lado do país, aquele que é majoritário, umas três vezes maior que o apoio que Bolsonaro parece possuir, continuava resignado. Resignação, talvez, não descreva exatamente o cenário. O lado de cá resolveu ser expectador. Olhar a paisagem e fazer seu julgamento.

3) Mas, de repente, a economia começou a dar sinais de que perdeu o freio na ladeira. Inflação alta e uma sucessão de notícias de empresas fechando e demitindo, tendo a Ford à frente, saindo de mala e cuia do Brasil.

4) Quase simultaneamente, estoura a tragédia de Manaus. Não adiantou apenas as mortes por Covid com o vírus já em mutação, cuja contaminação é mais rápida que até então. Desgraça pouca é bobagem, dizem. Então, acabou o oxigênio nos hospitais e pacientes morrerem um atrás do outro

5) A Venezuela, aquele país odiado pela grande imprensa brasileira e que foi ameaçado de receber mais uma Força Expedicionária Brasileira, decidiu socorrer os brasileiros do Amazonas. É humilhação que não acaba mais. E desespero.

6) O bolsonarista raiz, aquele que se pensar acaba sofrendo uma enxaqueca, começou a disseminar desejos não realizados, como uma tal distribuição de verba pública para o país inteiro que não foi usada corretamente, segundo o padrão bolsonarista de qualidade. Não adiantou.

7) O fato é que uma onda, ainda que tímida, começou a se formar no horizonte. Uma onda anti-Bolsonaro. Panelaços convocados e realizados, manifestos de médicos contra a ausência de ação articulada do governo, pressão de todos os lados pelo início da vacinação

8) A cereja do bolo foi a primeira vacina contra Covid19 ser dada à uma enfermeira paulista, tendo ao lado, como padrinho, o governador João Dória. Imagino Bolsonaro espumando e gritando e o ministro da saúde procurando alguma desculpa para se escorar.

9) Feita a narrativa dos últimos dias, acredito que seja o momento de baixar a bola, olhar o jogo com a cabeça empinada e refletir sobre a melhor jogada que se prenuncia.
Vou sugerir uma leitura sobre o impeachment. Não acho que seja provável, mas, não custa analisar.

10) O Brasil vem sendo governado pelo Centrão. Ele tomou o governo Bolsonaro para si, tomou o Congresso e dizem que parte do STF pensa como ele. Ora, se o Centrão manda e desmanda, para que derrubar Bolsonaro neste momento?

11) Centrão gosta de estar no governo como um gato preto de olhos amarelos bem abertos, perscrutando tudo e se fartando da comida que algum desavisado tenha deixado à mão. Centrão é um gato com pouco ônus e muito bônus na vida.

12) Até acredito que dará um puxão de tapete em Bolsonaro. Mas, logo no início do ano. Duvido. Se der, será no final deste ano ou em 2022. O risco é demasiadamente alto.

13) Mas, digamos que o volume de petições e envio de mensagens aos deputados e senadores seja cavalar. Café da manhã, almoço e jantar recheado de mensagens exigindo o impeachment.

14) Digamos que os deputados do Centrão decidam testar e ameaçar Bolsonaro com um pedido ao estilo Capitólio contra Trump. Uma chantagem de início de ano para fazer Jair se aprumar.

15) Imaginemos que os parlamentares do Centrão tomem gosto de aparecer o tempo todo na Globonews e decidam derrubar Bolsonaro. E aí? Quem vai governar? Alguma mudança fundamental na vida do trabalhador de aplicativo ou moradores das periferias e favelas do Brasil? Duvido

16) Sem uma esquerda organizada e determinada, coesa a partir de um programa de reconstrução nacional, não há como o Centrão deixar de ser Centrão. Aliás, Centrão rima com Mourão.

17) Lembremos que todas as campanhas políticas democratizantes no Brasil contemporâneo tiveram uma esquerda determinada, organizada, focada e com pé na rua. Foi assim com a Campanha das Diretas e até mesmo durante a Constituinte.

18) Evidente que os mais novos acham que a esquerda só chegou ao poder quando cedeu os dedos, anéis, cabelos pretos, sapatos e camisetas com estrelinhas. Não é verdade. A esquerda cresceu e se tornou confiável à maioria dos brasileiros quando teve personalidade

19) A esquerda cresceu quando se definiu como força antissistêmica. Aliás, Bolsonaro também venceu se declarando um outsider antissistema. Por que antissistêmico faz tanto sucesso no Brasil? Porque somos a sétima nação deste planeta no ranking de desigualdade social.

20) Mas, alguém que decidiu fazer MBA em lulismo declarou que a correlação de forças é desfavorável para qualquer mudança e a saída é recuar. Se um dia o Centrão veio para o bloco lulista de maneira subordinada, agora seria o momento para trocar gentilezas

21) Como uma baleia encalhada, revela seu potencial nas areias da praia, mas é logo cercada por uma plateia admirada que não revela nenhum temor de sua antiga força, ameaça e majestade.

22) Impeachment é um péssimo instituto legal. Não tem nada de democrático porque começa adotando o princípio da eleição indireta dos EUA: não é o eleitor, o mandante do mandato eletivo, que retira o mandato do eleito, mas outro eleito por ele.

23) Assim, o eleitor fica na arquibancada jogando laranjas e chinelos no juiz e nada mais. É a “elite política” que decide sobre o futuro do governante. Tudo me faz achar que impeachment é a prostituta das chantagens.

24) Sem uma esquerda determinada e com pé na rua, não vai dar. Se é para ter Centrão mandando, que não se faça de donzela pedindo para o povo desdentado exija o impeachment. É zombar da ingenuidade do brasileiro.

25) Um último lembrete: alguns esquerdonets postaram nas redes que agora João Dória vai aparecer como Salvador da Pátria. Pode até ter sentido este tipo de alerta. Porém, lembremos que a esquerda nada fez com seus 1.100 prefeitos e 11 mil vereadores.

26) Os partidos de centro-esquerda poderiam ter criado governos paralelos, comitês da crise espalhados por todo país. Somente o PT teve seis ministros da saúde (gestões Lula e Dilma).

27) Eu não vi nenhuma articulação do partido – vários ex-ministros se desdobraram, individualmente, em ações solidárias – para que este capital político e de conhecimento fosse colocado à serviço dos brasileiros que morreram aos borbotões infectados pelo COVID19.

28) Então, melhor deixar João Dória ter seus 15 minutos de fama. Não há motivos para jogarmos pedra em quem dá a primeira vacina do país contra COVID19 à uma enfermeira, negra, moradora de Itaquera, onde fica o estádio do Timão.

29) Caso os partidos de centro-esquerda decidam efetivamente entrar em campo, talvez o alerta tenha sentido e percebamos que há alternativa real ao Centrão e ao João Dória. Caso contrário, e nesse caso específico, os primeiros serão realmente os primeiros. (FIM)