Eu amo o bairro onde nasci, subúrbio do Rio de Janeiro, e por isso vivo nele até hoje (não é uma escolha política, é de vida mesmo), mas se tem uma coisa que me consome é o medo constante de ser mais uma vítima aleatória da competência (sim!) policial.

g1.globo.com/sp/sao-paulo/n…
Quem mora em favela, periferia, subúrbio sabe muito bem como as ações da PM se desenham. Não importa a hora, não importa o local, a PM vai fazer o que sabe fazer (aquilo que foi criada para fazer), atirar para matar.

noticias.uol.com.br/cotidiano/ulti…
Pois foi para isso que as PMs foram "redesenhadas" durante a Ditadura Militar. A força auxiliar tem um papel muito específico na estratégia da guerra revolucionária (utilizada pela Ditadura): "procurar e destruir"

brasil.estadao.com.br/noticias/geral…
PM não investiga, PM executa. Foi para isso que ela foi criada e, não por coincidência, é isso que ela realiza; não caiam na conversa de alguns setores "à esquerda" que qualificam as ações violentas da PM como "excessos individuais" e/ou "má formação". noticias.uol.com.br/cotidiano/ulti…
A estratégia de "procurar e destruir" se mostrou mais eficaz no combate à guerrilha (e é assim que o "crime" é tratado, como guerrilha) do que a chamada "clear and hold" (limpar e manter). Que, inclusive, foi basicamente a estratégia das UPPs.

brasil.elpais.com/brasil/2018/03…
A suposta eficácia do "procurar e destruir" se deve ao fato de que, em um ambiente de guerrilha, as forças inimigas se confundem com a população local (os inimigos não usam uniformes, etc...), logo, as ações tem que ser "precisas e direcionadas"

acervo.racismoambiental.net.br/2010/11/26/bop…
Basicamente, no lugar de grandes exércitos, as tropas são divididas em unidades menores que podem entrar e sair do território inimigo por meio de veículos especializados. Esse é o papel da PaTaMo (Patrulha Tático Móvel) e também do Caveirão. diariodocentrodomundo.com.br/essencial/o-ca…
A vida da população local pouco importa nesse tipo de operação, muito pelo contrário. E esse é um ponto importante. Pois as "ações táticas" devem ser visíveis para desestimular os "insurgentes": basicamente, instaura-se um clima de terror para que a população não se revolte.
O uso ostensivo e extensivo da tortura tem um papel importante nesse processo, mas também as execuções, os salamaleques de poder e violência (pense nos símbolos utilizados pela PM, como a "faca na caveira").
Sabe de onde o Brasil importou isso? A Doutrina da Guerra Revolucionária foi "criada" pelos franceses para reprimir os movimentos de independência na Argélia. Mas foi "aperfeiçoada" pelos estadunidenses durante a guerra do Vietnã.
Sabe todos aqueles relatos (e filmes) que mostram os crimes de guerra cometidos pelos EUA durante a campanha do Vietnã? Pois então, podem creditar isso diretamente na conta da doutrina da guerra revolucionária.
Interessante notar que o caso que inspirava os militares brasileiros era uma experiência fracassada - ao contrário do que alguns filmes insinuam, os EUA perderam a guerra do Vietnã, né?
E ai que vem um ponto importantes: basicamente os militares brasileiros tiveram contato com a doutrina por meio da Escola das Américas, criada pelo Departamento de Defesa dos EUA, que na década de 1960 passou a ensinar "formação de contra-insurgência anticomunista"
E os cursos de formação propagavam os falsos sucessos da campanha dos EUA no Vietnã como uma prova da eficácia da doutrina da guerra revolucionária. Ou seja, nosso sistema de segurança é tão equivocado, mas tão equivocado que a sua base é um conjunto de mentiras.
Ou seja, ano após ano, sacrificamos pessoas, destruímos vidas inteiras baseados única e exclusivamente nas mentiras contadas pelos militares estadunidenses sobre o sucesso da campanha no Vietnã.
É interessante notar que, mesmo com a chamada "redemocratização", o projeto das forças de segurança se manteve praticamente intacto. No máximo recebendo alguma perfumaria, introdução de cursos de DH na formação, etc...

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9 Feb
Nada do que está acontecendo no BBB é acidente (talvez apenas a desistência do Lucas): o casting da emissora foi preciso, seu intento era justamente criar esse espetáculo grotesco que estamos vendo ai.

Pois o ódio é o afeto que mais engaja.
Sempre bom lembrar de como nos últimos anos, políticos se elegeram dessa forma: Bolsonaro, Trump, etc.... todos eles cresceram mobilizando o ódio, tanto de seus apoiadores quanto o de seus contrários.

E esse é um efeito direto das redes sociais nas nossas vidas.
Sabemos, o algorítimo, a estrutura que organiza as redes, não registra se estamos falando bem ou mal de algo, registra apenas que se trata de uma interação - ou uma "meaningful interaction", como afirma o Facebook. E isso tem diversos efeitos.

fastcompany.com/90321304/faceb…
Read 20 tweets
9 Feb
Toda hora é um vídeo novo de pessoas ridicularizando as religiões de matriz africana no Big Brother, com direito a participação de quem se diz do axé, né?
Se tem uma coisa que se aprende em um barracão, talvez uma das mais fundamentais, é a de que, independente dos seus problemas ou diferenças com alguém, é fundamental respeitar os/as orixás e os/as guias daquela pessoa.
Eu, como ogã, por exemplo, jamais poderia me recusar a tocar para o/a orixá (ou entidade) desta ou daquela pessoa só por não concordar com as suas atitudes, jamais poderia me recusar a bater cabeça para ele. Zombar deles então, totalmente fora de cogitação.
Read 4 tweets
7 Feb
Esse BBB realmente virou o espetáculo do grotesco, da violência e dos microfascismos que as "esquerdas/progressistas" secretam cotidianamente, pior, secretam utilizando as "boas causas" como desculpa.
Nada melhor do que ter uma boa causa como desculpa para exercer, secretar todo tipo de violência que costumamos atribuir ao que supostamente estão do outro lado do muro do espectro político.
O pior de tudo é que isso, esse espetáculo grotesco, esse massacre, é o cotidiano das redes sociais. Qualquer um que não chegou ontem aqui já deve ter visto centenas de episódios semelhantes.
Read 13 tweets
7 Feb
Amo esses sujeitos que vendem seus serviços no Instagram na base do "só esse ano eu já faturei cinco trilhões de reais, já não preciso trabalhar... Mas tô aqui no Instagram pedindo para você arrastar para cima e me dar um dinheiro".
E eu realmente fico impressionado como "gurus do (trade, dropship, tráfego pago, Facebook ads...) estão mirando nas mulheres. Só hoje já vi dois anúncios onde mulheres associam day trade com "empoderamento".
Antes que digam, day trade não tem relação nenhuma com o trabalho de ensinar finanças para as pessoas. Eu diria que, inclusive, é o contrário disso. É mais seguro pegar tudo e jogar no bicho (papo reto).
Read 5 tweets
6 Feb
Pergunta sincera: qual são os projetos das esquerdas para o Brasil e como elas pretendem construí-los (estou falando de coisas programáticas e pragmáticas)? Ainda, o que elas estão fazendo no momento por esses projetos, como estão comunicando, levando isso ao povo?
Fala-se muito no nome de possíveis candidatos, de uma possível frente ampla. Mas quais são os projetos? O bolsonarismo não é causa de absolutamente nada, é antes de tudo um sintoma, fenômeno de superfície. Quais são os projetos para identificar e combater suas causas?
Estes projetos estão ou pretendem ser construídos com as bases, com o povo, ou será mais uma destas cartilhas de cima para baixo? Se estes projetos se imaginam populares, como pretendem construir com o povo? Como pretendem fazê-lo? Como vão atingir o povo?
Read 6 tweets
4 Feb
Aqui retomo o papo sobre as alternativas infernais. Vale assina um acordo que sequer machuca o seu bolso e a classe política ainda comemora como se fosse uma vitória, citando a criação de empregos e a manutenção das atividades da empresa na região.

g1.globo.com/mg/minas-gerai…
Alternativas infernais é um conceito criado pela Isabelle Stengers para descrever, justamente, esse tipo de operação: basicamente, os fluxos do capital se apoderam de tal forma da nossa vida que são capaz de nos oferecer "o ruim" como alternativa ao "pior".
Sabe aquela formula do "- direito + emprego vs + direito - emprego"? Pois é, basicamente isso. Esse é o ponto crucial quando falamos de algumas atividades econômicas no pais, como a mineração.
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