Nada do que está acontecendo no BBB é acidente (talvez apenas a desistência do Lucas): o casting da emissora foi preciso, seu intento era justamente criar esse espetáculo grotesco que estamos vendo ai.
Pois o ódio é o afeto que mais engaja.
Sempre bom lembrar de como nos últimos anos, políticos se elegeram dessa forma: Bolsonaro, Trump, etc.... todos eles cresceram mobilizando o ódio, tanto de seus apoiadores quanto o de seus contrários.
E esse é um efeito direto das redes sociais nas nossas vidas.
Sabemos, o algorítimo, a estrutura que organiza as redes, não registra se estamos falando bem ou mal de algo, registra apenas que se trata de uma interação - ou uma "meaningful interaction", como afirma o Facebook. E isso tem diversos efeitos.
No nível individual, quanto mais reclamamos de algum tipo de conteúdo - político, uma pauta, um reality show -, mais receberemos, seremos expostos a esse tipo de conteúdo pois a rede social entende que é algo que nos mobiliza. E ela não está errada.
Jonathan Crary cita estudos que mostram como os noticiários violentos criaram uma geração de adictos em violência na tv. Gente que sabia que o consumo daquela negatividade lhes fazia mal, que ficavam melhores quando não assistiam, mas ainda assim não conseguiam deixar de assistir
Da mesma forma funcionam as redes sociais. Quantos de nós - e eu me incluo totalmente entre estas pessoas - não temos a mesma sensação aqui? Quantos de nós já se conscientizaram de que as redes estão destruindo a nossa subjetividade, mas ainda assim somos incapazes de parar?
E ai vem o segundo momento: as timelines não são neutras, elas são criadas para refletir esse comportamento dos usuários, mas não apenas, mas também para refletir assuntos que são os mais comentados (pense na página inicial do youtube).
Logo, quanto mais as pessoas reclamam de algo, de algum conteúdo, mas a rede entenderá que aquele conteúdo é interessante: ela passará a recomendá-lo para mais e mais pessoas.
Com outras palavras: quando mais reclamamos de algo, mais aquilo se espalha, como um vírus.
Grupos de extrema-direita perceberam isso muito rapidamente e se anteciparam na ocupação das redes. Um exemplo disso: a exaltação ao Brilhante Ustra, ela foi uma grande estratégia de ocupação das redes. Digo isso tendo acompanhado estes grupos de perto (por conta do meu trabalho)
Grupos de intervencionistas entenderam que falar sobre ele mobilizava as pessoas "de esquerda". E passaram a mobilizar suas campanhas de intervenção mirando quase que exclusivamente no ódio dos que estavam do outro lado do muro.
O resultado vocês já sabem:
Não é de se estranhar que o a citação ao Ustra durante a votação do impeachment tenha sido o ato que impulsionou o Bolsonaro, que o levou a se tornar uma "celebridade" nacional. Foi basicamente um dos conteúdos mais comentados da internet (política) daquele mês.
O próprio Bolsonaro vinha "infectando" a timeline dessa forma, com suas aparições em programas de Tv que quase ninguém assistia: mas que todo mundo replicava em suas redes. A audiência de um superpop era traço, mas o compartilhamento ultrajado não.
Todos replicavam revoltados as falas machistas, misóginas e racistas do personagem Bolsonaro, o algorítimo ia aprendendo que seu nome engajava, consistia numa "meaningful interaction" para os usuários, e passava a recomendar mais conteúdo relacionado.
Ou seja, basicamente espalhava sua imagem, seu rosto, sua voz, e por meio dela chegavam outros conteúdos de extrema-direita... e sabemos, mais uma vez, como isso tudo terminou.
Voltemos ao BBB! Ai você percebe: quantas pessoas sequer assistem ao programa mas estão sendo expostas ao seu conteúdo? Como esse processo se agravou, justamente, por conta da revolta gerada por esse conteúdo. Quantas pessoas passaram a assistir por isso?
O ódio causado pelo programa, pelo comportamento dos seus personagens - algo deliberadamente estimulado pela produção e pelo apresentador - vicia. Nos leva a postar nas redes - como estou fazendo agora -, a nos manifestar, a espalhar a sua palavra, imagem.
As pessoas assistem 1984 - de onde, inclusive, veio o nome big brother - e se focam no aparato de vigilância do Estado, mas se esquecem que o livro descreve - e essa é a sua parte mais interessante - toda uma micropolítica de afetos.
Sobre como a população participa ativamente do aparelho repressor - e todas a ditaduras são assim - seja pelo medo, seja pela raiva. As pessoas não são exatamente manipuladas, enganadas, o regime cria uma ligação direta entre suas ações e as paixões tristes dos governados.
As redes sociais, a televisão, os veículos de comunicação de massa tem um papel importante nesse sistema. Seja mobilizando nossas paixões em nome de um regime político, como em 1984, seja mobilizando em nome do lucro, como é o caso do BBB.
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Eu até compraria essa ideia de que o casting do BBB foi feito sob medida para esvaziar pautas sociais se todo santo dia, absolutamente todo santo dia, não tivéssemos exemplos de militantes agindo daquela mesma forma (e em absolutamente todas as causas/pautas).
Outro dia, inclusive, falávamos sobre isso por aqui, sobre como confundimos as redes sociais com "espaço público", ao ponto de achar saudável expor debates importantíssimos - como conflitos intrapartidários - ao escrutínio do algorítimo.
E esse me parece o ponto, tem pelo menos uma década que os debates políticos, as pautas sociais, a militância vem sendo afetada pelo sua relação com as redes sociais: um ambiente que estimula a beligerância, o voluntarismo e o personalismo.
Toda hora é um vídeo novo de pessoas ridicularizando as religiões de matriz africana no Big Brother, com direito a participação de quem se diz do axé, né?
Se tem uma coisa que se aprende em um barracão, talvez uma das mais fundamentais, é a de que, independente dos seus problemas ou diferenças com alguém, é fundamental respeitar os/as orixás e os/as guias daquela pessoa.
Eu, como ogã, por exemplo, jamais poderia me recusar a tocar para o/a orixá (ou entidade) desta ou daquela pessoa só por não concordar com as suas atitudes, jamais poderia me recusar a bater cabeça para ele. Zombar deles então, totalmente fora de cogitação.
Eu amo o bairro onde nasci, subúrbio do Rio de Janeiro, e por isso vivo nele até hoje (não é uma escolha política, é de vida mesmo), mas se tem uma coisa que me consome é o medo constante de ser mais uma vítima aleatória da competência (sim!) policial.
Quem mora em favela, periferia, subúrbio sabe muito bem como as ações da PM se desenham. Não importa a hora, não importa o local, a PM vai fazer o que sabe fazer (aquilo que foi criada para fazer), atirar para matar.
Pois foi para isso que as PMs foram "redesenhadas" durante a Ditadura Militar. A força auxiliar tem um papel muito específico na estratégia da guerra revolucionária (utilizada pela Ditadura): "procurar e destruir"
Esse BBB realmente virou o espetáculo do grotesco, da violência e dos microfascismos que as "esquerdas/progressistas" secretam cotidianamente, pior, secretam utilizando as "boas causas" como desculpa.
Nada melhor do que ter uma boa causa como desculpa para exercer, secretar todo tipo de violência que costumamos atribuir ao que supostamente estão do outro lado do muro do espectro político.
O pior de tudo é que isso, esse espetáculo grotesco, esse massacre, é o cotidiano das redes sociais. Qualquer um que não chegou ontem aqui já deve ter visto centenas de episódios semelhantes.
Amo esses sujeitos que vendem seus serviços no Instagram na base do "só esse ano eu já faturei cinco trilhões de reais, já não preciso trabalhar... Mas tô aqui no Instagram pedindo para você arrastar para cima e me dar um dinheiro".
E eu realmente fico impressionado como "gurus do (trade, dropship, tráfego pago, Facebook ads...) estão mirando nas mulheres. Só hoje já vi dois anúncios onde mulheres associam day trade com "empoderamento".
Antes que digam, day trade não tem relação nenhuma com o trabalho de ensinar finanças para as pessoas. Eu diria que, inclusive, é o contrário disso. É mais seguro pegar tudo e jogar no bicho (papo reto).
Pergunta sincera: qual são os projetos das esquerdas para o Brasil e como elas pretendem construí-los (estou falando de coisas programáticas e pragmáticas)? Ainda, o que elas estão fazendo no momento por esses projetos, como estão comunicando, levando isso ao povo?
Fala-se muito no nome de possíveis candidatos, de uma possível frente ampla. Mas quais são os projetos? O bolsonarismo não é causa de absolutamente nada, é antes de tudo um sintoma, fenômeno de superfície. Quais são os projetos para identificar e combater suas causas?
Estes projetos estão ou pretendem ser construídos com as bases, com o povo, ou será mais uma destas cartilhas de cima para baixo? Se estes projetos se imaginam populares, como pretendem construir com o povo? Como pretendem fazê-lo? Como vão atingir o povo?