É estranho pensar que, há até bem pouco tempo, a expressão “toque de recolher” soava impensável para a nossa realidade. Qualquer governante que ousasse sugerir tal coisa seria imediatamente responsabilizado, ou até mesmo afastado de suas funções.
Isso porque, no Brasil, só existe uma única hipótese possível para o “toque de recolher”. Apesar de não aparecer com este nome, esta possibilidade é prevista no art. 139, I da Constituição Federal. Ela só é possível no ESTADO DE SÍTIO.
O toque de recolher sequer é permitido no estado de defesa. É necessário que haja uma restrição ainda mais severa - o estado de sítio - para que ele seja constitucional.
E somente o artigo 139, I prevê esta possibilidade em nosso ordenamento jurídico, ao dizer que, na vigência do estado de sítio, poderá haver a obrigatoriedade de “PERMANÊNCIA EM LOCALIDADE DETERMINADA”.
Essa restrição de liberdade é tão grave, mas tão grave, que só pode ser feita por uma única autoridade no Brasil: o PRESIDENTE DA REPÚBLICA. E, mesmo assim, ele só poderá fazê-lo desde que obtenha autorização do Congresso Nacional.
Qualquer outra autoridade que, eventualmente, decrete o “toque de recolher” (ainda que dê outro nome para disfarçar), estará agindo abusivamente, pois não tem competência para tanto, e seu ato será inconstitucional.
Neste caso, caberão (aí sim!) providências judiciais para o restabelecimento da ordem.
Nunca pense que sua liberdade está garantida. Por mais que você se sinta livre, saiba que sempre haverá alguém pronto e disposto a subtraí-la sob os mais belos pretextos. “É para o seu bem”.
Se além de “para o seu bem” ainda vier junto um “isso é para o bem de todos”, aí o poder de convencimento se incrementa formidavelmente: você entregará sua liberdade com muito mais gosto - e até mesmo com um certo orgulho no peito. Você se sentirá moralmente elevado.
Sim, eles sabem mexer muito bem com seu medo e sua vaidade, e esses seus sentimentos inferiores serão necessariamente usados contra você.
Se você não estiver atento, irá entregar o pouco que restou de sua liberdade de bandeja, e ainda achará bom. Assim, de entrega em entrega, você vai caminhando para o caos. “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

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15 Feb
Neste carnaval, estou aproveitando para dar andamento a um projeto pensado há muito tempo, e que, diante do deserto jurídico em que nos encontramos, vem se tornando cada dia mais urgente: um curso sobre o direito e a guerra cultural.
Selecionarei para o meu curso bibliografias absolutamente DESCONHECIDAS da classe jurídica, desconhecimento esse que hoje está dando frutos podres, e estamos pagando um alto preço por isso.
Isso precisa ser revertido com urgência.
Um dos livros será este: “Os donos do mundo”, da jornalista espanhola Cristina Jiménez. Foi publicado em 2010. Estamos em meio a juristas amedrontados e soberbos, incapazes de reconhecer que há outras pessoas que estudam o que eles não estudam, e que sabem o que eles não sabem.
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2 Feb
A escolha dos tipos humanos que hoje habitam a casa do BBB parece ter sido feita com base em um discurso predominante, a ser disseminado a milhões de pessoas.
Entretanto, na minha análise, algo ali deu errado: os personagens acabaram ficando demasiadamente caricaturais, com discursos extremos, que não seduzem o homem simples. Ao contrário, afastam-no.
Imaginem o seu Manoel da padaria ouvindo que a culpa dos males do mundo é dele, do “homem branco”. Tentem visualizar a dona Neide, cozinheira, ouvindo sobre a maquiagem do homem hétero ser para todes. T-O-D-E-S.
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14 Jan
Acabei de ler os termos das reclamações disciplinares no CNJ sobre minha gravíssima conduta envolvendo terríveis opiniões, memes, piadas, hashtags, etc... e me deparei com um “algo a mais” que deve vir ao conhecimento do público. Sigam o fio:
O conselheiro do CNJ Marcos Vinicius Jardim Rodrigues tentou uma liminar para me proibir de “disseminar em redes sociais e afins atos e comportamentos manifestamente contrários às medidas de prevenção e combate à pandemia do COVID-19 estabelecidas pelos órgãos de saúde”.
Na documentação, consta até mesmo como um dos posts “investigados” a minha live com a Dra. Nise Yamaguchi (@nise_dra), uma das maiores autoridades em imunologia no Brasil, e cujos respeitáveis posicionamentos científicos eu decidi divulgar.
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5 Jan
A corrosão das inteligências passa pela negação do que os seus olhos veem, substituindo a realidade por um sentimento ou uma ideia.
É a elevação das sensações à categoria de verdade absoluta, invertendo toda a estrutura da realidade, que acaba por ficar em segundo plano.
Como já havia sido previsto por @opropriolavo, descrever a verdade tal como ela é viria, em um futuro próximo, a se tornar algo criminoso. Esse futuro chegou.
A mera narrativa de como as coisas são - coisas visíveis aos olhos de todos - é capaz de despertar sentimentos e paixões, tudo com a intenção de obter uma satisfação pessoal mediante a negação da verdade que está bem à frente.
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25 Dec 20
O Google tem o costume de, em datas comemorativas, criar um “Doodle” - que são essas versões diferentes de seu logotipo. Vejam o Doodle de Natal: lampadazinhas. Só. Image
Experimentem ir lá no Google e clicar no Doodle. Aparecerão vídeos de “boas festas”. A palavra NATAL - que se refere a nascimento (no caso da festa, o nascimento de Jesus) - vai sendo sorrateiramente ocultada, para dar lugar a expressões genéricas como “festas”.
Pode parecer algo insignificante em um primeiro momento, mas quem tem os olhos treinados percebe claramente esse movimento de tentativas de ocultação dos símbolos do Cristianismo.
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8 Dec 20
Fui surpreendida, na manhã de ontem, com um ofício da Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região (AMATRA8) que veio a público.
O ofício foi subscrito pelo presidente da associação, Saulo Mota, e enviado ao diretor da Escola Judicial do TRT8, Des. Luiz Ribeiro.
Saulo assina como presidente da AMATRA8, e utiliza papel timbrado da referida associação para manifestar REPÚDIO (assim mesmo, com letras maiúsculas) à minha palestra, assim como à de @rodrigomar, proferidas a convite da escola.
Nas 15 páginas do ofício, Saulo apresenta seus pontos de vista sobre as palestras proferidas, imputando aos palestrantes “viés ideológico”, “confusão”, “senso comum”, “equívocos metodológicos”, “caráter não científico” e outras adjetivações e opiniões pessoais.
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