Lucas Terra, o garoto que foi carbonizado por um pastor da Igreja Universal:
AVISO: O conteúdo a seguir pode conter gatilhos de abuso sexual e homicídio. Caso não se sinta confortável, recomendamos que não prossiga com a leitura.
Lucas Vargas Terra nasceu em Salvador, no dia 20 de outubro de 1986. Era filho de Carlos e Marion Terra, e o mais novo dentre três irmãos. Desde criança foi voltado à Igreja, sendo considerado sereno e de bom coração. Queria ser médico e, também, pastor ou bispo.
Depois de passar um período fazendo leituras bíblicas em comunidades carentes no Rio de Janeiro com seu pai, os dois resolveram voltar para Salvador, em 2001. Queriam se despedir de amigos e familiares, já que iriam se mudar para Itália, onde sua mãe estava morando.
Mesmo sabendo que passaria pouco tempo na cidade, Lucas não deixou de frequentar a igreja e resolveu ir ao templo da Igreja Universal da cidade, pois já a frequentava quando ainda morava no Rio de Janeiro. Nesse período, passou a ser obreiro, auxiliando o pastor durante o culto.
Silvio Galiza, pastor auxiliar recém-transferido, era apelidado como “O Secretário do Diabo” por testemunhas e frequentadores, pois foi expulso do antigo templo que pregava devido a comportamentos inadequados – comportamentos estes que não são de conhecimento público.
Com o passar do tempo, o pastor Silvio começou a exigir cada vez mais a presença de Lucas ao seu lado, querendo controlar até mesmo aonde ele ia e com quem se encontrava. O pastor tinha a desculpa quase perfeita para isso: queria nomeá-lo como seu auxiliar.
Justificou que queria mantê-lo por perto para que fosse seu aprendiz, já que Lucas queria ser pastor. Mas na hierarquia da Igreja não existe “auxiliar de pastor auxiliar”, o que causou estranheza não só aos obreiros como, também, aos seus superiores.
Lucas, ao se apaixonar por uma moça que também era obreira, causou fúria no pastor, que o proibiu de namorá-la ou se aproximar de qualquer outra moça. Cada vez mais, frequentadores desconfiavam de seu comportamento obsessivo com o rapaz.
O pastor recorrentemente fazia com que o garoto ficasse na igreja até tarde e, em uma noite de final de fevereiro daquele ano, Lucas e um outro rapaz foram convidados por Silvio para passarem a noite na igreja, já que estava muito tarde e ele não tinha carro.
Sempre que aconteciam imprevistos, Lucas ligava para seu pai de um telefone público que ficava em uma conveniência perto da igreja e, como este local era seguro na visão do pai, tudo estaria de acordo. Porém, algo muito estranho aconteceu naquela noite.
Na hora de dormir, o pastor encaminhou o outro jovem para um banco da igreja, entregando-o apenas um travesseiro. Já para Lucas, houve o convite para dormir em seu quarto – mais especificamente em sua cama. Nem mesmo o seu pai teve conhecimento do que aconteceu naquele quarto.
Quando os superiores do pastor tiveram conhecimento do que fez nessa noite, tentaram transferi-lo para outra igreja, mas, mesmo tendo sido transferido, Silvio continuou frequentando o templo com o intuito de continuar a observar o Lucas – dessa vez, de longe.
No dia 21 de março de 2001, Silvio foi à igreja e viu Lucas conversando com amigos, incluindo uma moça, que era sua nova namorada. Isso fez com que uma raiva descontrolável despertasse nele e, por isso, chamou Lucas, com a desculpa de irem orar em outro templo.
Como de costume, Lucas aceitou o pedido, mesmo com seus amigos tentando impedi-lo de ir. Assim, ele se despediu do grupo e foi até o telefone público da conveniência para avisar ao seu pai que iria ao templo de um bairro próximo com o pastor.
Esse foi o último momento em que fizeram contato, pois Lucas não voltou para casa no dia seguinte. Por estar longe, na Itália, sua mãe não soube que o filho desaparecera, pois seu pai não queria preocupá-la.
No dia 22, Carlos foi à igreja em busca de respostas sobre o paradeiro do filho. Todos relataram o terem visto com o pastor na noite anterior. Então, Carlos ligou para Galiza, a fim de perguntar sobre Lucas, mas o pastor contou uma versão diferente, o que o causou desconfiança.
No dia 23, um corpo amarrado e carbonizado foi encontrado em uma caixa num terreno baldio na Av. Vasco da Gama. Depois de 40 dias, foi confirmado que era o corpo de Lucas. O laudo apontou que, antes de ser queimado vivo, tentaram asfixiá-lo, devido ao pano encontrado em sua boca.
O pedaço de pano não tinha sido totalmente carbonizado, o que permitiu que a polícia notasse que a cortina do templo do pastor Silvio era do mesmo tecido e cor do pano encontrado na boca de Lucas. Por isso, o pastor foi considerado autor do crime e, em 2004, condenado a 23 anos.
Bispos e pastores debochavam de Carlos, que sofreu várias ameaças de morte, fazendo com que ele alertasse o Ministério Público. Equipes de reportagem também foram ameaçadas e perseguidas pela igreja, por ordem de um bispo.
Em fevereiro de 2002, Carlos foi até a Suíça para falar com os Órgãos Internacionais de Direitos Humanos da ONU, pois procurava respostas sobre a origem do dinheiro que pagava os sete advogados - um deles era um dos mais qualificados - do pastor, já que ele morava na periferia.
Seus advogados recorreram e diminuíram a pena para 15 anos em regime semiaberto. Em 2006, Galiza disse que o pastor Joel Miranda, o bispo Fernando Aparecido e o segurança Luís Cláudio eram os verdadeiros culpados, e que só assumiu o crime para não ser morto.
Em 2007, a Igreja Universal foi sentenciada pelo STF a pagar 2 milhões de reais de indenização por perdas e danos aos pais de Lucas, pois tanto o STJ como o STF entenderam que, como os pastores tinham vínculo e agiam em nome Igreja Universal, ela também teve responsabilidade.
Em 2008, tanto o bispo como o outro pastor, que não foram presos, estavam foragidos e conseguiram habeas corpus por falta de provas. Porém, este foi anulado pelo Ministério Público da Bahia. Em 2018, a Procuradoria Geral recorreu para que o caso fosse a júri popular.
Em 2016, Carlos Terra lançou o livro 'Lucas Terra: Traído pela Obediência', em que narra, com detalhes que tanto a imprensa como a sociedade não tiveram acesso, sua luta incessante por justiça e para esclarecer o assassinato de seu filho.
No dia 21 de fevereiro de 2019, Carlos teve uma parada cardiorrespiratória e faleceu. Seu corpo foi sepultado ao lado de seu filho, no Cemitério Bosque da Paz. Ele chegou a cursar Direito para se inteirar de todos os trâmites do processo, mas abandonou no último semestre.
Ainda em 2019, o jornal Correio listou o caso como um dos crimes que marcaram os últimos 40 anos na Bahia, chamando-o de “Luta por Justiça”. Em setembro do mesmo ano, o STF decidiu que dois dos três suspeitos iriam ser julgados por júri popular.
Até o momento da publicação dessa thread, a data do julgamento não é de conhecimento público, mas sabe-se que o Galiza está solto, vivendo normalmente, cursando Direito e atuando como pastor em outra igreja. Enquanto isso, a família Terra busca pela devida justiça até hoje.

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