Thread by @Cvyrtlick

1. O romance considerado o "1984 brasileiro", escrito em 1980, do grande Lenildo Tabosa Pessoa... Já era assim a nossa realidade.

— "Vicenzi — disse ele — estou vindo da reunião do Grupo...".
— "Que grupo?".
— "O grupo que se reúne no escritório do prof. Gomes...

2. "Já lhe falei muitas vezes disso, não me diga que não se lembra...".
— "Ah, sim. Agora me lembro...".
— "Pois bem. Saio dessas reuniões cada vez mais pessimista. Falamos sobre o futuro do País e o horizonte parece cheio de nuvens negras. Depois,

3. "ao voltar para a correria das ruas, fico em dúvida se não estamos exagerando um pouco. Afinal de contas, a vida continua e tudo parece tão normal...".
— "Para dizer a verdade, Gustavo, também eu estou um bocado preocupado. As ruas não são o melhor lugar para se ter

4. "uma imagem exata do País. Quando se observa a fotografia de uma praia, ainda que seja do país mais totalitário do mundo, as pessoas que tomam sol diante do mar parecem todas livres e felizes. Com as ruas acontece quase a mesma coisa, quer você as observe em fotografia

5. "ou ao vivo, embora não haja o cenário do espaço aberto do mar e as pessoas pareçam menos descontraídas. As faces tranqüilas que você encontra nada significam e as preocupadas podem indicar apenas que seus portadores tiveram problemas no trabalho, ou brigaram em casa,

6. "com a mulher ou o marido.
John Henry Newman dizia, em um livro que, se você ainda não tiver, deve levar hoje, sem falta, que uma ilustre Universidade não deve ser subjugada nem mesmo por um ilustre duque de Wellington. É para aí que você deve voltar a atenção.

7. "É preciso ver o que há nas universidades e nos outros centros do pensamento...".
— "Na verdade, não posso dizer que a Universidade me encha de otimismo...".
— "Pois é. Você está em contacto direto com a mocidade e pode observar suas tendências, ou melhor,

8. a direção na qual ela está sendo levada. Talvez eu tenha a sensibilidade um pouco aguçada, a esse respeito, porque tive a experiência de meu próprio país. Também na Itália, em Roma, onde eu vivia, contemplando o movimento da Via Veneto à tarde e à noite

9. "e a alegria despreocupada tanto dos turistas quanto dos próprios italianos, ninguém acreditaria que pudesse acontecer o que aconteceu. Mas não quero deixá-lo ainda mais preocupado e, além disso, como já lhe disse muitas vezes, prefiro não tocar nesse assunto".
(...)

10. "Gustavo Neves — era este seu nome completo — temia, como dissera a Vicenzi, que o futuro viesse a ser uma repetição prolongada ou permanente dos tempos difíceis que vivera quando a esposa morrera. Mas não se preocupava tanto consigo mesmo. Com seus 43 anos

11. "e embora com uma experiência profissional que incluía apenas a advocacia, logo abandonada, e o magistério, que decorrera, de modo geral, de forma pacata — só nos últimos anos vinha enfrentando uma radicalização cada vez maior dos seus alunos,

12. "quase sempre extremamente intolerantes em relação a idéias com as quais não concordassem e desejosos de impor, a todo custo, as próprias — ele desenvolvera uma coragem pessoal que o tornava quase fatalista."

Lenildo Tabosa Pessoa

13. Nestas passagens do seu livro "A Lágrima", de 1980, apresentado como o "1984" (de George Orwell) brasileiro, o escritor, jornalista e filósofo pernambucano, Lenildo Tabosa Pessoa (1935-1993), escreve esse romance distópico em que já indicava que a Guerra Cultural

14. reside em grupos de debate fechados e mas universidades.

Ele começou a escreve esse romance narrando a agonia do professor Gustavo Neves, que via o que estava acontecendo nos debates que presenciava no "Grupo"

15. e na radicalização dos alunos na Universidades em que lecionava Direito, que não aceitavam opiniões contrárias. Realidade brasileira já dá década de 1970, senhoras e senhores.