Para começar a semana, retomando um assunto que nunca pode cair no esquecimento: nossa relação com o planeta e seus ecossistemas. Recentemente o @vocativo lançou uma matéria sobre o Amazonas e por que a próxima pandemia pode vir de lá

Acompanha o fiozinho! 🧶
A reportagem pode ser conferida nesse link: vocativo.com/2021/04/25/ama…
Lembrando que eu fiz recentemente um fio falando sobre o que várias epidemias e pandemias do passado tem em comum aqui:
E abordo aqui sobre o desmatamento dos biomas brasileiros
A pandemia pode ter pego todo mundo de surpresa, mas não faltaram alertas sobre o risco de vivermos uma próxima pandemia no futuro recente.

Num TED Talk (2015), Bill Gates trouxe uma verdade inconveniente: não estávamos prontos para encarar uma pandemia ted.com/talks/bill_gat…
Mas antes que alguém venha com o argumento conspiracionista relacionando Bill Gates com esses eventos, teve muito mais gente que fez o mesmo alerta: em 2018, em Davos, a @WHO alertou para o risco que agentes infecciosos estavam se tornando para a nós

thejournal.ie/global-pandemi…
Nessa outra reportagem da Times, em 2017, um alerta semelhante: não estaríamos prontos para uma próxima pandemia, pois justamente nosso estilo de vida, nossa relação com os ecossistemas e com o nosso redor gerava o cenário ideal para isso ocorrer time.com/magazine/us/47…
Há 30 anos, cientistas já vem alertando. Esse é só um dos muitos exemplos, publicado em um volume especial "Emerging Viruses" que reúne um compilado editado de artigos acadêmicos, conforme mencionado nessa reportagem do @NatGeo

nationalgeographic.com/science/articl…
Perguntar-se "por que não ouvimos" revela o cerne da resposta para uma outra pergunta ainda mais assustadora "por que não ESTAMOS ouvindo os inúmeros alertas, como o de mudanças climáticas e suas consequências no futuro?"
Um relatório feito pelo CSIS, divulgado em Out/2019, um mês antes do 1º caso relatado de COVID-19 em Wuhan, alertava sobre a iminência do surgimento de um novo vírus parecido com o que causou os surtos de SARS (2002) e MERS (2013)
healthsecurity.csis.org/final-report/
Alertas? Foram muitos. Mas o Brasil está preparado para, novamente, ouvir mais uma vez o alerta sobre as consequências em manter-se apático sobre o que está acontecendo com nossos biomas? Sobre o que está acontecendo com a Amazonia?
Vamos por partes, para entender melhor sobre isso.

Em 15/04/21, a @WHO assim como outras agências internacionais, recomendaram a suspensão, com urgência, da venda de mamíferos vivos em mercados.

reuters.com/business/healt…
Isso porque mais de 70% dos vírus e patógenos que provocam doenças infecciosas em humanos, provêm de espécies selvagens. Frequentemente nesses locais, os animais serem abatidos e limpos em áreas abertas dos mercados, que podem ser contaminadas por fluidos corporais, por exemplo.
A China baniu o comércio de animais selvagens para o consumo humano, mas brechas na lei permitem a criação de espécies que podem abrigar doenças. Mas temos que nos atentar que esse não é o único meio desse "pulo" (spillover) entre animal-humano acontecer

nature.com/articles/s4189…
Relembrando:

🔵A grande pandemia de H1N1 em 1918 surgiu da interação de humanos com porcos, provavelmente no Kansas (EUA) durante a Primeira Guerra Mundial.
🔵 A pandemia de H1N1 de 2009 parece ter começado em fazendas de criação de porcos no México.
🔵No caso do novo coronavírus (SARS-COV-2), acredita-se que ele seja original de morcegos, tenha saltado para um animal intermediário (porco ou pangolim, ainda não se sabe) e chegado aos humanos.

nature.com/articles/s4159…
Na reportagem do @vocativo fica muito ilustrativo que a invasão de ambientes em que espécies selvagens residem, por exemplo, acaba aproximando essas espécies de pessoas, aumentando o risco de um spillover acontecer, por exemplo.
Mas esse pulo pode acontecer também com espécies domésticas, como colocado nesse adendo a um fio explorando esse tópico
No @vocativo a matéria aborda que existam cerca de 4 milhões de habitantes na população da Amazonia, cercada por cerca de 60 mil espécies de plantas, mamíferos, répteis, invertebrados, anfíbios, peixes e pássaros, que representam 15%, da biodiversidade do planeta.
Cerca de 12% das 1.400 espécies de morcegos do planeta voam pela floresta amazônica, por exemplo, nessa matéria da @ScienceMagazine. Morcegos abrigam uma diversidade de vírus. Além deles, macacos e roedores, também carregam muitas ameaças potenciais.
sciencemag.org/news/2021/04/s…
Nesse cenário, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Fiocruz da Amazônia, por exemplo, realizam um papel central monitorando essas espécies. No entanto, temos outros agravantes nesse cenário: além da caça e tráfico, o desmatamento e a posição em que Manaus se encontra
Manaus é um dos principais centros turísticos da Região Norte e abriga um dos maiores polos industriais do país, sendo porta de entrada e saída para diversos países.

E infelizmente, essa relação com os ecossistemas está longe de ser equilibrada
A Lei Federal 5.197/1967 proíbe a caça dos animais de quaisquer espécies no país, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro. icmbio.gov.br/cma/images/sto…
No entanto, na prática vemos que o consumo de carne de caça na região equivale, em quantidade e lucratividade, ao da extração madeireira.

conbio.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/co…
[FIO EM CONSTRUÇÃO]
Nesse estudo, os pesquisadores entrevistaram moradores dos 62 municípios do Amazonas e, em média, nada menos que 80% relataram comprar carne selvagem e 15% dos consumidores afirmaram praticar caça de animais selvagens ao longo do ano.
Em cidades como Maraã, Fonte Boa, Alvarães e Coari, a média chegou a 90% dos entrevistados. Segundo o @vocativo justamente por ser ilegal, os valores oficiais do comércio de carne silvestre no Brasil não aparecem nas estatísticas oficiais.
Outro ponto alarmante: de acordo com relatório de agosto de 2020 da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), todo ano são traficados cerca de 38 milhões de espécies do país todos os anos. A Amazônia é o epicentro dessa prática. renctas.org.br
Sobre a questão do desmatamento, ali no início desse fio eu compilo alguns dados sobre desmatamento em biomas brasileiros, trazendo a perspectiva da região do Amazonas nos últimos anos (que foram responsáveis por impactos tremendos nesses biomas...)

O desmatamento na Amazônia chegou a 196 km² em Jan/2021, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a partir de dados do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD). É o maior valor da série histórica nos últimos 10 anos. portalamazonia.com/noticias/desma…
A desintegração desses ecossistemas causa um desequilíbrio imenso, que favorece a aproximação entre espécies selvagens e humanos, aumentando o risco de fenômenos como spillover ("pulo" ou transbordamento) acontecer e estarmos vendo um surto que pode evoluir para epidemia, ou pior
Assim como sabemos que para enfrentar a COVID-19 precisamos aderir às medidas de enfrentamento, para lidar com este problema precisamos preservar esses ecossistemas somado a vigilância e monitoramento dessas espécies "reservatórios" de potenciais agentes infecciosos de risco
Pergunto para vocês: quantos alertas ignoraremos e quantas situações absurdas e aterradoras iremos viver até entendermos o básico sobre equilíbrio e relação com o planeta? Quantas vezes insistiremos no mesmo erro?

Chega de imparcialidade sobre nossa vida, sobre nossa sociedade
Precisamos nos posicionar e ir além, exigir atitudes assertivas para lidar com a situação DO AGORA e evitar que situações do amanhã espreitem ainda mais nossa porta.

É inadmissível não termos uma ação coordenada nacional no enfrentamento de uma pandemia
É inadmissível que a região do Amazonas e tantos outros biomas estejam sofrendo essa desintegração tamanha e não há culpabilização dos responsáveis por isso

É inadmissível que em 2021 ainda não tenhamos aprendido a remar nessa corrente, ficando a esmo nesse oceano de erros
A vida é o bem mais precioso que temos e compartilhamos. A nossa vida, a vida das espécies que habitam no mesmo planeta que nós e que lutam por coexistir - e não deveria ser assim. Precisamos de uma relação menos tóxica com o planeta.

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6 May
🚨Mais dados de efetividade da vacina da Pfizer contra as variantes B.1.1.7 e B.1.351!
👥Mais de 380.000 participantes (Qatar 🇶🇦)
🦠50% dos casos de COVID-19 eram B.1.351 e 44.5% erma B.1.1.7
💉Efetividade contra B.1.1.7 = 89,5% e B.1.351 = 75%

nejm.org/doi/full/10.10…
💉A eficácia da vacina contra doença grave, crítica ou fatal devido à infecção com qualquer SARS-CoV-2 (com as variantes B.1.1.7 e B.1.351 sendo predominantes no Qatar) foi de 97,4%! Image
Uma dose não é suficiente, especialmente B.1.351 que tem uma propriedade de escape da resposta imunológica mais significativa (a mais acentuada de todas as variantes até o momento)

Eu ja tinha discutido isso recentemente pensando no caso da P.1

Read 6 tweets
5 May
Aqui tu leva 3 em 1!

🔵Dados publicados da fase 2b da Novavax
🔵Ação de anticorpos neutralizantes induzidos pelas vacinas da Moderna e Novavax contra a CAL.20C e B.1.351!
🔵Notícia boa da Moderna para o Brasil!

Bora conferir?
Já tem um tempinho que eu fiz um fio comentando sobre a CAL.20C, variante emergente da Califórnia 🇺🇸 considerada como variante de preocupação. Apresenta um conjunto de mutações que podem levar a um escape imunológico significativo

Paralelamente, temos a B.1.351, variante emergente da África do Sul 🇿🇦, que já sabemos que impacta na ação de anticorpos neutralizantes de algumas vacinas, como a Pfizer e AstraZeneca*, Moderna **

*
**
Read 29 tweets
4 May
Desde março, o RS iniciou um recorde histórico que se manteve em abril: mais pessoas morreram por todas as causas do que nasceram, aponta análise da @ArpenBrasil

gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/…
O impacto da pandemia no nosso sistema de saúde é devastador. Segundo @PedroHallal esses números têm impacto na expectativa de vida, um indicador que vinha subindo muito nos últimos anos e que, pela primeira vez, há sinais de redução. Image
Mesmo registrando um número menor de nascimentos antes da pandemia, a COVID-19 acentuou o número de óbitos e fez saltar aos olhos a distância em relação aos nascimentos.
Read 5 tweets
4 May
Com essa questão em pauta, resolvi compilar nesse fio dados que temos sobre a Pfizer (especialmente efetividade) e também trazer uma discussão na perspectiva de variantes com algum escape imunológico, como a P.1.

Afinal, 1 ou 2 doses? Qual intervalo?

Segundo a bula da Pfizer, a vacina de nome comercial "Comirnaty é administrada por via intramuscular após a diluição como uma série de 2 doses (0,3 mL cada) com um intervalo maior ou igual a 21 dias (de preferência 3 semanas)."

pfizer.com.br/sites/default/…
Esse intervalo vem dos estudos de fase 2 e 3. Todos os dados podem ser conferidos nesse fio que compila os principais dados do documento do @US_FDA no momento da análise do imunizante para a aprovação
Read 27 tweets
1 May
Boa notícia! @anvisa_oficial autoriza @fiocruz (parceria Biomanguinhos + AstraZeneca) para o uso de IFA produzido no Brasil 🇧🇷 para a vacina da COVID-19! 💉

saude.estadao.com.br/noticias/geral…
A inspeção começou na segunda, 26, terminou nesta sexta, 30. Trata-se de um passo importante para viabilizar a produção 100% nacional do imunizante no segundo semestre, segundo a reportagem do @Estadao
Por que isso é tão legal? Com isso, a transferência de tecnologia se completa, e a fundação ganha total autonomia na produção da vacina contra a COVID-19!
Read 8 tweets
1 May
Preprint 🇧🇷 : cobertura vacinal em idosos +80 anos pela vacinação com CoronaVac (77,3%) e AstraZeneca (15,9%) está associada à uma redução da mortalidade por COVID-19, comparado com indivíduos mais jovens, em um local onde a P.1 é dominante!

medrxiv.org/content/10.110…
👥Proporção de todas as mortes ocorrendo nas idades de 80+ anos foi superior a 25% nas semanas 1-6 e diminuiu rapidamente para 13,1% nas semanas 13-14.

As taxas de mortalidade foram mais 13x maiores em 80+ anos x 0-79 anos até a semana 6, e diminuíram para 6,9x nas semanas 13-14
💉A cobertura vacinal (primeira dose) aumentou rapidamente entre indivíduos com mais de 80 anos, atingindo 49,1% nas semanas 5-6 e mais de 90% após a semana 9.

Vacinas funcionam sim 🎈
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