Um dia queria escrever uma história dos #panelaços no Brasil. É um tema interessante, protesto social e suas múltiplas formas. E por aqui, ele foi apropriado por diferentes classes e diferentes ideologias - em diferentes contextos.
Mas a verdade é que panelaço tem uma variante latino-americana que é o cazerolazo. E como no Brasil, as "cazerolas" não têm uma ideologia específica.
No Chile, em 1971, viraram sinônimo de protesto da direita golpista contra Salvador Allende.
Mas tanto na Argentina, em 1982, quanto no Uruguai, em 1983, os cacerolazos foram apropriados pela luta contra a ditadura. Uma luta talvez ainda restrita a setores privilegiados...um professor meu, uruguaio, dizia que essa era um protesto das classes médias.
Na Argentina, em 2001, após a crise do governo De La Rua, os cazerolazos foram reincorporados. Mas enquanto os bairros de classe média de Buenos Aires batiam panela, as periferias tinham outros repertórios (a tradição dos piqueteros é muito foda, busquem conhecimento):
Apesar do estigma, as classes populares latino-americanas também batiam panela. Na Venezuela essa era uma tradição das classes populares nas décadas de 1980 e 1990 (louco pensar que já tinha fome na Venezuela ANTES do bolivarianismo, né não?)
Aliás, esse artigo que eu citei acima enumera vários casos interessantes para estudo, mas seu toque sobre a Argélia é muito equivocado - quem batia panela lá eram os franceses invasores, que batiam panela gritando "Argélia francesa".
No geral, pode parecer que em boa parte do mundo, o ato de bater panela era mais algo restrito a) classes médias e elites e b) mais próximo da direita do que da esquerda. Mesmo que se fale de classes populares, onde está o exemplo?
E aí entra o Brasil.
Em 1953 uma série de greves estouram no país e a maior delas reuniu 300.000 pessoas em SP contra a "carestia de vida". Os protestos se avolumaram e, segundo Murilo Leal Pereira Neto, em 1954 chegou a se formar uma aliança eleitoral chamada "Movimento da Panela Vazia".
Com participação direta do PCB (ilegal, mas atuante), o uso da panela vazia como símbolo foi importante. A ideia era mostrar como a carestia prejudicava a família brasileira (algo que os comunistas estavam atentos desde 1945, quando fundaram a primeira Liga das Donas de Casa).
Vocês devem estranhar a falta de fotos aqui, mas é difícil encontrar elas mesmo. Mas o nome ficou. Ao longo daquela década, como mostrei em minha tese de doutorado, a perspectiva popular contra a carestia mudou e a defesa das reformas veio pra ficar.
Com a ditadura, as panelas pararam de bater. Não é porque a situação econômica melhorou - pelo contrário, pois o novo regime agravou as desigualdades. Era a censura e a perseguição política que calou os protestos.
Mas elas não pararam por completo. Em 1974 foi se formando MCC, Movimento Contra a Carestia e sua importância merece sempre ser louvada na luta contra a ditadura: era preciso mostrar que o regime, para além do autoritarismo e da brutalidade, causava fome.
O movimento se manteve organizado até o final da década de 1970. Outros atores políticos tomaram conta dos protestos, como os operários em greve, as CEBs, a retomada das lutas nos campos. As panelas foram deixadas de lado e outros instrumentos de luta foram recuperados.
Se na América Latina e em outras partes havia ambiguidade sobre o panelaço, no Brasil estava evidente que ele era de esquerda e do lado das classes populares.
O que mudou a chave?
Parece difícil dizer, mas eu arriscaria um palpite. Na Venezuela, a classe média e as elites tomaram o cazerolazo como performance anti-chavista - mudando a lógica anterior. Pelas redes de apoio e financiamento da direita, a performance chegou no Brasil.
O conteúdo da escassez mudou, obviamente, mas deixaram alguns preciosos registros para o historiador. Se em 1953 o lamento dos operários é que lhes faltava comida na mesa, aparentemente em 2016 o lamento da panela vazia era esse:
Aliás, não se trata de questionar a economia dos anos Dilma, é mais para pensar o que move o panelaço. Aparentemente, ele pode se mover da esquerda para a direita e da esquerda de novo. E seu conteúdo de classe pode mudar muito.
Mas as classes ainda existem.
Vou ficando por aqui. E gostaria de resgatar aquele artigo lá que compara o panelaço como "ato medieval francês".
Não é bem por aí. O troço é bem mais complexo. O que define o conteúdo dos atos políticos é o seu tempo presente, mesmo que eles tenham seus "ares de passado".
PS: agora mesmo me deparei com esse fio, que narra algumas dessas histórias com mais detalhes. Vale a pena também.
“na sociedade comunista, onde cada um não tem um campo de atividade exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os ramos que lhe agradam, a sociedade regula a produção geral e me confere, assim, a possibilidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo,...
...de caçar pela manhã, pescar à tarde, à noite
dedicar-me à criação de gado, criticar após o jantar, exatamente de acordo com a minha vontade, sem que eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou crítico."
(MARX, 2007. p. 37-38)
Nem todo mundo na esquerda gosta de retomar essa visão de comunismo do jovem Marx, mas eu sou um grande fã dela. Imaginar uma realidade futura na qual não sejamos definidos pela divisão social do trabalho é muito poderoso.
É preciso entender que a Copa América é muito pior do que a realização dos campeonatos e eventos esportivos (que em função da pandemia, não deveriam estar sendo realizados).
São 10 delegações. Imprensa esportiva. Anunciantes. Sem torcida, claro - dentro do estádio.
Colômbia, Chile e Argentina rejeitaram o evento, mas fazem seus campeonatos nacionais. Por que? Ou por considerarem que a pandemia se agravaria, ou porque não queriam dar isenção fiscal pra Conmebol e anunciantes, ou simplesmente por causa dos protestos.
A gente pode dizer que eles estão sendo hipócritas, já que seus campeonatos nacionais tão rolando, mas as condições da Conmebol (que envolvem inclusive final com público) são inaceitáveis. Ou eram.
Sobre fascista e não-fascista, tem um textinho que encontrei uma vez vendo as referências de uma pesquisa do antropólogo Gilberto Velho.
Se chama "Good people, dirty work", escrito pelo antropólogo Everett C. Hughes focado na Alemanha nazista (procurem nos russos).
Na verdade, o foco é Hughes analisando o imediato pós-guerra na Alemanha. As pessoas comuns lá, tudo arrependidas, mas no fundo, elas soltavam pistas de que sua adesão ao nazismo na época é porque os nazistas faziam o "trabalho sujo".
O trabalho sujo poderia ser uma série de coisas, mas basicamente, na compreensão das pessoas comuns, eles resolviam os problemas das pessoas com antisemitismo, diversidade, pautas morais que estavam disseminadas antes do nazismo.
Sobre o Hamas ser legítimo, ou não, para mim parece óbvio.
Quem confere a legitimidade do Hamas enquanto partido é o povo palestino. Parte significativa dele apoia o Hamas. A legitimidade tá aí.
Pode se alegar que há discurso no Hamas que promovem o fim de Israel e anti-semitismo. Mas consideremos que o Likud também promove o fim da Palestina e o sentimento anti-árabe.
Entretanto, só o Hamas é representado como terrorista.
Ainda que desde 2008 o partido tenha se posicionado a favor da solução dos dois Estados, ainda hoje impera a versão de que o Hamas é contra o Estado de Israel. A cobertura de boa parte da imprensa segue o mesmo tom desde os anos 1990 (mesmo que o maior atentado político...
Graças ao @ThiagoKrause2 li uma das resenhas da nova biografia de Edward Said e graças ao @MundosTrabalho li a resenha da Barbara Weinstein sobre a biografia do Eric Hobsbawm.
O foda é que agora quero ler muito ambas. Já falei que gosto muito de biografias?
Mas falando sério, as duas resenhas são muito boas. E me chama atenção como dois intelectuais que escreveram textos autobiográficos ao longo da sua vida são, agora, biografados em morte.
Enfim, para quem quer ler as resenhas, essa é a da professora Barbara Weinstein (em português) sobre a biografia de Hobsbawm:
Não acompanhei a CPI, mas apesar de querer, sei que o foco não é prender ninguém.
CPI é palco.
Nesse ponto, o fato do Flavinho caganeira ter ido lá fazer chacrinha é sintomático de que é preciso criar factóide pra não ser engolido no tsunami de merda.
Isso não quer dizer que a CPI vai necessariamente dar em pizza, mas... né, o primordial dela é fazer palco, mostrar que os caras são culpados mesmo para a opinião pública. Nesse ponto, o Waisifuden lá contribuiu lindamente.
A narrativa da CPI o Planalto já perdeu faz tempo. Mas vai rolar cada vez mais chinelagem.
Renan vai jogar com chuva, no La Bombonera e sem policiamento. Vai ser bonito de ver.