Bom dia. Farei um fio sobre as manifestações de ontem a partir de um prisma: a esquerda retomou as ruas. Lá vai.
1) As manifestações de ontem foram mais potentes que as duas anteriores. Os organizadores citam 800 mil manifestantes em pouco mais de 300 cidades. Tudo foi organizado em pouco mais de uma semana, já que a decisão inicial era da manifestação ocorrer em 24 de julho.
2) Os manifestantes estavam mais confiantes. Estampavam cartazes e bonecos mais agressivos em relação ao governo Bolsonaro e, agora, à Arthur Lira.
Já aparecem performances como os cartazes dos familiares mortos pela COVID estampados nas ruas de João Pessoa.
3) Mas, o mais impressionante é que as ruas estavam tingidas de vermelho. A esquerda retornou às ruas. Nas ruas e nas redes sociais. Não a esquerda partidária, mas uma mais aguerrida, menos comprometida com grandes frentes focadas na próxima eleição ou no campo institucional.
4) Há uma diferença importante em relação à proposta “republicanista” em que se parte do princípio de que as cores da esquerda assustam um liberal aliado. Os liberais já fizeram seu estrago no Brasil. Não que não estivessem ontem.
5) O PSDB paulista estava na Paulista portando suas bandeiras. Desta vez, teve até o incidente protagonizado pelos militantes do Partido da Causa Operária (PCO) que partiram para a agressão contra tucanos, aos gritos de “fascistas”. Um erro.
6) Vale recordar que parte desta esquerda esteve em 2013 e voltou às ruas no segundo semestre de 2016 e primeiro de 2017. Em abril de 2017, o movimento sindical emplacou a maior greve geral da história brasileira. Mas, a esquerda partidária sempre retornava ao republicanismo
7) A esquerda partidária sempre retornava ao republicanismo e à sua agenda prioritária: as eleições seguintes. Eleições seguintes que elegeram Bolsonaro emoldurada pela prisão de Lula.
8) Se é hora da esquerda partidária se reposicionar e redefinir seu calendário – afinal, não estamos em 2022 -, também parece ter chegado a hora do amadurecimento político desta outra esquerda, a que vem liderando as manifestações desde 29 de maio.
9) A "outra esquerda" é composta por mais de 600 entidades: são muitas frentes como Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, Fórum Democrático de Liberdades, Frente Povo na Rua, Luta Popular Socialista. E fóruns de bairros Fora Bolsonaro que vão surgindo.
10) A partir de agora demonstraram que se não são explicitamente, já são na prática uma nova direção política, à esquerda, do país.
11) A unidade das 600 entidades demonstrou capacidade de coesão, de enraizamento pelo país todo, demonstrou forte legitimidade na definição das palavras de ordem e convocação das manifestações.
12) Souberam fazer a leitura política e arriscaram ao convocar as manifestações de ontem, mesmo mantendo a de 24 de julho. Com isso, começaram a diminuir o intervalo entre uma jornada de protestos e a seguinte. O que revela que decidiram criar a “onda” de envolvimento emocional
13) Agora, não dá simplesmente para repetir o que foi feito na manifestação passada. É preciso continuar dirigindo este movimento oposicionista majoritariamente de esquerda.
14) Uma esquerda popular, fincada em organizações populares, não acovardada e sem os vícios parlamentares de falar muito e agir pouco.
As 600 entidades que organizam as manifestações mudaram o eixo e o “ethos” da esquerda, até então hegemonicamente partidária e parlamentar.
15) Agora, é hora de dizer que Brasil queremos e não apenas o que não queremos.
Chegou a hora da crisálida virar borboleta. (FIM)

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3 Jul
Início do encontro estadual do Pacto no Maranhão, retransmitido pela página da UFMA, pelo Youtube. Começou com o "Toque das Caixeiras". Em seguida, apresentação do Boi de Leonardo- Zabumba da Liberdade
Este é o quarto encontro estadual do Pacto Educativo Global no Brasil. Já tivemos o encontro de MG, de SP e de PE. Nas próximas semanas: DF, RS e PR. Queremos nos estruturar no Brasil para construir uma proposta nacional para educação brasileira
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29 Jun
Bom dia. Prometi um fio sobre os desafios das manifestações de rua e a dificuldade da esquerda partidária compreender e se definir em relação à atual conjuntura. Lá vai.
1) As manifestações que iniciaram em 29 de maio são coordenadas por mais de 600 entidades que se reúnem ao redor da Campanha Fora Bolsonaro. São organizações do campo popular e de esquerda. Então, o primeiro passo é distinguir esquerda.
2) Temos uma divisão não explícita entre a esquerda que se vincula aos movimentos sociais e entidades da sociedade civil e a esquerda partidária. Esta divisão já existia em muitas organizações de esquerda (semi-clandestinas) desde os anos 1980. Havia divergências internas
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15 Jun
Percebo que há certo oba-oba de todo setor empresarial e de direita (os de extrema-direita não conseguem falar de coisa séria) sobre a tal "retomada da economia". Até economistas aparentemente do campo progressista estão ingressando nessa ladainha.
Gente que confunde crescimento econômico com desenvolvimento econômico (seria bom retornar às cartilhas que leram na faculdade) e são tão ingênuos que não entendem que se trata de disputa, no âmbito da política. Gente que se envolveu com as discussões de miocroeconomia
Com a taxa de desemprego beirando os 15% e consumo familiar (ver ICF) atingindo o menor nível desde novembro de 2020; com ritmo de vacinação projetando sua finalização somente em junho de 2023 (ver vacinômetro, da USP), chega a ser uma afronta ao bom senso bater bumbo
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13 Jun
Um breve fio sobre a necessidade de estarmos atentos ao % de brasileiros vacinados com a segunda dose (contra Covid), não com os vacinados apenas com a primeira dose. O governo está procurando nos confundir. Lá vai.
1) Vejam o slide que estou postando como ilustração desta nota que fiz para apresentar na minha análise de conjuntura de amanhã às 8h. Percebam como vínhamos tendo a 1a e 2a doses com ligeira diferença em abril.
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6 Jun
Prometi que faria um fio sobre o desastre que se abate sobre nossa estrutura econômica. Dificilmente conseguiremos recuperar nossa pujança econômica na próxima década. Então, vamos ao fio.
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26 May
Ontem, na minha participação de toda terça na live do DCM, apareceu o incômodo que uma minoria" sente com leitura crítica sobre a esquerda. Vou me apoiar nos perrengues de ontem para propor uma leitura sobre os obstáculos para avançarmos numa proposta de Estado pela esquerda.
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