Muitas infecções virais apresentam uma predileção pelo Sistema Nervoso (SN) e seu acometimento pode levar a problemas muito sérios e agravamentos da condição.

A COVID-19 apresenta muitas manifestações neurológicas, e estamos começando a entender o porquê

Acompanha 🧶👇
Sabemos que a COVID-19 pode levar a manifestações neurológicas importantes, algumas mais frequentes que outras, como a perda do olfato e do paladar.

Em um estudo com mais de 8 mil pessoas, cerca de 41% delas relataram perda do olfato, por exemplo nature.com/articles/d4158…
Isso são só alguns exemplos de manifestações frequentes. Outro estudo sugere que, mesmo em indivíduos assintomáticos, um aumento persistente do risco de AVC isquêmico agudo é visto, meses assintomáticos após o diagnóstico sorológico da infecção jamanetwork.com/journals/jaman…
Em outro estudo, foram observados sintomas neurológicos em 80% das pessoas hospitalizadas com COVID-19, por exemplo pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33974053/
Esse conjunto de evidências (fora muitas outras não abordadas aqui, mas em outros fios que fiz e irei citando), coloca o SN como uma estrutura importantíssima de acompanhamento durante e após a COVID-19, observando sintomas pós-COVID aguda que indivíduos podem experienciar
Como o SARS-CoV-2 gera danos no SN?

Provavelmente de forma multifacetada: aatcando certas células do 🧠diretamente, reduzindo o fluxo sanguíneo para o tecido cerebral ou desencadeando a produção de moléculas imunológicas que podem danificar as células 🧠nature.com/articles/d4158….
Recentemente, fiz um fio de um estudo que comparou imagens de cérebros de pessoas antes e depois de terem COVID-19 e encontrou perda de massa cinzenta em várias áreas do córtex cerebral. As implicações disso são imensas, e comento abaixo em detalhe:

O SN é protegido por uma barreira, que faz a interface entre esse tecido com o restante do corpo (periferia). Essa estrutura é extremamente complexa e formada por diversos componentes, chamada de Barreira Hemato-Encefálica (BHE)
O SARS-CoV-2 encontra dificuldades em passar essa barreira, assim como outros agentes infecciosos. Mas estudos 🇧🇷 do grupo do @stevensrehen demonstram que ele pode acessar o SN por regiões onde essa barreira tão é tão presente, "burlando" esse mecanismo
Ademais, é possível que o SARS-CoV-2 possa passar pela mucosa olfatória, o revestimento da cavidade nasal, em que os neurônios olfativos enviam projeções para o 🧠
Essa neuroinvasão pode levar a alterações no funcionamento de algumas células do SN (e não somente neurônios!) e isso pode acabar levando a alterações na BHE, aumentando a neuroinvasão
O grupo do @neuroproteomics liderado pelo incrível @dms_unicamp trouxe resultados surpreendentes: 66% das células afetadas pela infecção do SARS-CoV_2 eram os astrócitos, peças-chave para o bom funcionamento do 🧠com inúmeras funcionalidades críticas
Astrócitos infectados podem explicar alguns dos sintomas neurológicos associados ao COVID-19, especialmente fadiga, depressão e "névoa do cérebro" (brain fog), que inclui confusão e esquecimento, entre outros prejuízos na concentração, por ex.
Outro estudo também mostrou essa predileção da infecção em astrócitos, destacando que essas alterações acima citadas podem não ser reflexos de danos neuronais, mas sim de disfunções pela vulnerabilidade dos astrócitos.

biorxiv.org/content/10.110…
Alterações no funcionamento dos astrócitos podem vir de formas indiretas. Um estudo com amostras de 🧠de falecidos por COVID-19 mostrou que a expressão dos genes foi afetada em alguns astrócitos, não funcionando corretamente, mesmo sem vestígios do vírus.

nature.com/articles/s4158…
Outras evidências também apontam para alteração no fluxo sanguíneo para o SN. A @luizacaires3 fez um fio maravilhoso comentando de um estudo que demonstrou esse achado:
Uma vez alterado esse fluxo, as células do SN podem ter o suprimento de oxigênio e moléculas importantes para sua sobrevivência alterado, e isso pode acarretar em mal funcionamento e morte celular, inclusive de neurônios
Estruturas responsáveis por regular esse fluxo também podem estar alteradas em função da infecção pelo SARS-CoV-2. Uma dessas células se chama pericito, que fica intimamente abraçado nos vasos sanguíneos, regulando o fluxo. biorxiv.org/content/10.110…
Além da evidência acima em organóides (explico o que são aqui ), estudos com modelos animais confirmaram a infecção dos pericitos pelo SARS-CoV-2, alterando seu funcionamento e reduzindo o fluxo sanguíneo para o 🧠 biorxiv.org/content/10.110…
No entanto, também temos um número grande de evidências de que alguns sintomas neurológicos e danos são o resultado de uma reação exagerada do próprio sistema imunológico do corpo e até mesmo de alterações na ativação da resposta após encontrar o SARS-CoV-2
Em resposta à infecção, alguns indivíduos podem criar auto-anticorpos (anticorpos que atacam as células do corpo), que podem passar a BHE e contribuir para distúrbios neurológicos que variam de comprometimento de memória a psicose. pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33976421/
Isso é algo que observamos para doenças semelhantes à influenza, as quais parecem ser eventos desencadeantes relevantes para a Síndrome de Guillain-Barré (SGB), por exemplo, condição em que esses auto-anticorpos atacam nervos
pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20797646/
Cabe destacar que, infelizmente, pessoas insistem em associar a vacinação contra influenza com a SGB. No próprio artigo acima, os autores destacam que não há associação com a vacina, e se houver, as taxas têm sido extremamente baixas (menos de um caso por milhão de vacinados)
Dentro do contexto da COVID-19, pesquisas mostraram que tanto no sangue, quanto no líquido cefalorraquidiano de 11 pessoas gravemente enfermas com COVID-19 (todas com sintomas neurológicos) havia autoanticorpos capazes de se ligar a neurônios

pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33359380/
É de extrema relevância que a gente siga estudando e aumentando nosso entendimento de como o SARS-CoV-2 interage e afeta os tecidos do corpo, principalmente o 🧠. Isso será imprescindível para criar estratégias contra a COVID longa
Infelizmente, muitas pessoas recuperadas de COVID-19 também experienciam aumento de desordens como de sono, de ansiedade e outros transtornos.

O @josegallucci traz um estudo muito importante mostrando a vasta diversidade de consequências neurológicas e psiquiátricas após a COVID-19
Uma análise de dados de 230 mil pacientes nos EUA mostra que um terço deles desenvolveu doenças mentais ou neurológicas seis meses depois de curados. Entre elas estão ansiedade, depressão e também demência. A notícia é do @dwnews dw.com/pt-br/covid-19…
É importante ficar atento ao surgimento de qualquer manifestação. O 🧠é muito plástico, é passível de se remodelar, mas é necessário uma intervenção precoce para que o prognóstico seja mais positivo! Procure no seu município centros envolvidos com pós-COVID
E lembre-se: a vacinação segue sendo nossa MELHOR ESTRATÉGIA para se proteger da COVID-19 e evitar todo esse tipo de situação.

Preferir a aquisição de proteção pela doença acarreta em riscos altíssimos, e mesmo se recuperando, tem os riscos das sequelas.
Ainda precisamos de mais estudos para entender os mecanismos, mas é possível que, inclusive, as vacinas possam contribuir na melhora de alguns sintomas após a recuperação da COVID-19 bbc.com/portuguese/int…
Portanto, VACINE-SE!
✨Tu que te recuperou de COVID-19
✨Tu que não tem histórico de COVID-19
✨Tu, que já tomou a primeira dose, não esqueça de voltar pra segunda

E todos: SIGAM USANDO MÁSCARAS E FAZENDO DISTANCIAMENTO! A PANDEMIA NÃO ACABOU

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16 Jul
Dados do relatório analisando a transmissão local da Delta na 🇨🇳 mostraram:
🔺Carga viral do 1º teste de PCR positivo foi ~1000x maior pra Delta comparado com cepas circulantes em 2020
🔺Potencial mais rápido de replicação e de transmissão precoce

Vem entender 👇🧶
Do primeiro caso identificado em 21/05/21na 🇨🇳 até o último caso relatado em 18/06/21, um total de 167 infecções locais foram identificadas

Dados dos indivíduos em quarentena neste surto foram comparados com dados da epidemia anterior de 2020 (pelas cepas em circulação na época) Image
Uma vez isolados, uma série de PCR diárias foram feitas ao longo do tempo. Os dados mostram que, desde o dia da exposição até o dia da 1ª PCR positiva foi menor para a Delta (4 dias) do que para cepas referência (6 dias). Image
Read 22 tweets
13 Jul
Publicado na @ScienceMagazine , alguns dados sobre as variantes B.1.427/B.1.429 (Épsilon)*, trazem a questão do escape imunológico observado por essa variante.

Mas o que sabemos sobre ela? 🧶👇

* Também conhecidas anteriormente como CAL.20C e, atualmente, como Épsilon
Em março de 2021, eu fiz um fio comentando sobre essa variante e também outras variantes que estavam circulando nos 🇺🇸, especificamente em Nova York. Ainda em Dez/20, tivemos a identificação da CAL.20C, hoje conhecida como Épsilon, na Califórnia
A Épsilon apresenta um conjunto de mutações ao redor da Spike, como a descrita abaixo. Naquele momento, pela posição da mutação, estando dentro RBD, levantou-se a possibilidade de possível escape imunológico (anticorpos).

Read 25 tweets
13 Jul
É um completo absurdo. Somado a isso, temos o pedido da volta das torcidas para os estádios. Vocês já viram a curva da Holanda? Do pontencial da Delta? Imagina numa população como a nossa, em que temos ainda muita gente não vacinada?

Tenham bom senso, não é nossa primeira vez
Por fim, não se justifica um absurdo com outro absurdo. Jovens estarem sem aulas desde 2020 é um absurdo e precisa ser corrigido, o estado precisa encontrar meios de promover a educação adequada ao momento da pandemia que estamos vivendo.
Read 4 tweets
12 Jul
Publicado em Junho na @Nature estudos demonstram a proteção pela vacinação, não somente das pessoas vacinadas, mas também de pessoas (ainda) não vacinadas na comunidade! Um exemplo são as crianças se beneficiando de proteção com uma alta % de adultos vacinados 🧶👇
📊O estudo analisou os registros de vacinação e resultados de testes coletados durante o início rápido da vacinação (💉Pfizer) em uma grande população de 177 comunidades geograficamente definidas em Israel 🇮🇱, que já tem uma alta % de vacinação na população
Os autores tiveram o cuidado de controlar alguns viéses, como recuperados de COVID-19 (que poderiam ter uma proteção pela recuperação e somar-se ao efeito da vacinação), intervalos parecidos fixadoss em todas as comunidades analisadas, para evitar confusões espaçotemporais, etc
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12 Jul
Nota técnica do Observatório COVID-19 da @fiocruz sobre a efetividade de vacinas aqui no 🇧🇷 nas faixas etárias 60+, que já tem uma cobertura maior!
Com pelo menos a primeira dose:
💉AZ: 81,7% (60-79 anos), 62,8% (80+)
💉CoronaVac: 70,3% (60-79), 62,9% (80+)
🧶👇
Com duas doses:
💉Independente da vacina aplicada: 79,8% (60-79), 70,3% (80+)
💉CoronaVac: 79,6% (60-79), 68,8% (80+)
💉AZ: 93,8% (60-79), 91,3% (80+)

Na figura abaixo, vemos como a vacinação foi importante para reduzir o nº de casos graves e óbitos nesssas populações + velhas
Como o intervalo da AZ é maior, foi possível avaliar a efetividade com somente uma dose:
💉AZ: 81,1% (60-79), 57,5% (80+)

Importante lembrar: AS DUAS DOSES SÃO IMPORTANTES para a proteção completa. Volte para a segunda dose!
Read 5 tweets
10 Jul
Ontem foi publicado um estudo na @TheLancet Microbe de um grupo de pesquisa da Unicamp! O pessoal do @BlogsUnicamp fez um texto maravilhoso, e vou fazer um fiozinho pra complementar :)

Ação de anticorpos neutralizantes de vacinados com CoronaVac e a variante Gama (P.1)! 🧶👇 Image
Tudo, inclusive a forma como os autores fizeram o ensaio, tá super explicadinho nesse texto do pessoal do @BlogsUnicamp e por conta disso, vou comentar os resultados a partir de então
blogs.unicamp.br/covid-19/antic…
Na imagem abaixo, vemos células com diferentes cores: cada cor é um alvo diferente que estamos visualizando: em vermelho, a proteína do nucleocapsídeo; em verde, a Spike; e em amarelo, as duas proteínas juntas (o que chamamos de merge) Image
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