Prometi um fio sobre o fechamento do ciclo aberto em 2018. Que ciclo foi esse? Da chegada ao poder da extrema-direita com laços com mobilizações de massa dessa corrente fanática. Lá vai:
1) Há quem faça uma leitura rasa da história recente do Brasil sugerindo simploriamente que 2013 abriu um ciclo que passa pelo ostracismo do Tiririca, a perda de identidade de Aécio Neves e José Serra, o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro.
2) Trata-se de uma leitura apressada, sem profundidade alguma, que envolve incautos e espertalhões que querem cravar uma narrativa em que a extrema-direita aparece como irresistível, uma espécie de Godzilla vitaminada
3) A extrema-direita sempre existiu no Brasil e tem lastro na cultura escravagista psicopata. Segundo o Vox Populi e diversos outros institutos de pesquisa, amealha entre 10% e 15% dos brasileiros que se consideram adultos: 20 a 30 milhões de nativos de nosso país.
4) A aparição pública da extrema-direita tupiniquim surge em meio ao desatino da derrota de Aécio Neves. Já havia mobilização nos anos anteriores de ultraliberais e seus institutos envolvendo estudantes ressentidos de universidades. Mas, naufragavam até 2015. Este é o caso do MBL
5) Há diversos estudos que indicam uma movimentação de nossos empresários na direção do ultraliberalismo e na tomada do Estado brasileiro desde os anos 1980. Sugiro o livro (tese de doutorado) de Flávio Henrique Calheiros Casimiro
6) Contudo, a data do aparecimento da extrema-direita como ação de massas é 2015. Ocorre que em 2016 já apresentava declínio. No segundo semestre daquele ano, as manifestações das centrais sindicais já eram maiores que as da direita. Em abril de 2017 ocorreu a maior greve geral
7) na narrativa da lenda sobre 2013, o retorno à tona do PT e do movimento sindical em virtude da impopularidade do governo Temer some do mapa.
8) Acontece que houve uma série de convergências para destruir a candidatura de Lula. No frigir dos ovos, o PT é o único partido que esteve em todas eleições presidenciais que tiveram segundo turno desde 1989. Todas eleições.
9) Então, minha tese é que Bolsonaro vence as eleições com manobras ilegais (envolvendo a Lava Jato e atuação de quinta categoria do então juiz Sérgio Moro, todas desautorizadas nos últimos meses) já em meio ao declínio da repercussão do discurso de extrema-direita no Brasil.
10) Bolsonaro vence em 2018 com menos municípios em que sai vitorioso que seu adversário, Fernando Haddad (mais uma vez, o PT) .
11) Haddad, no 2o turno, recupera parte dos votos evangélicos que havia sido canalizada para a candidatura de Bolsonaro. Mas, tais dados não interessam a quem quer popularizar uma narrativa mágica. Em dez de 2018, pesquisas revelavam que 75% dos eleitores tinham boa expectativa
12) A partir daí, só decadência do apoio à Bolsonaro: de 75% para 48% ainda no primeiro semestre de 2019; de 48% para 35%; uma melhora com a implantação da ajuda emergencial para, em seguida, cair para menos de 30% e queda sequencial em 2021.
13) Mas, entre as elites, Bolsonaro mantinha apoio: alto empresariado paulista, parte significativa dos militares e comando do Centrão. Até chegar a tempestade perfeita: inflação, queda de emprego e renda familiar, pandemia, CPI da Pandemia, avanço do STF e manifestações de rua
14) E o barquinho cedeu de vez. A prisão de Beto Jefferson foi a gota d´água. Uma prisão que tem o poder de abalo subjetivo nos fanáticos bolsonaristas. Vincula, na memória, com a prisão de Sara Winter e seus 300
15) Minha outra tese é: o ciclo de 2018, aberto com a posse de Bolsonaro como presidente, se fechou. O que se pode esperar é uma reação ao estilo Trump: amalucada, exagerada e.... fracassada.
16) Bolsonaro é inconsistente politicamente. Sua base é fanática e minoritária. Mas, não é dócil. Não entrega os pontos. Tem nessa base fanática seu Exército de Brancaleone para criar problemas em 2023 e tentar "venezuelar" o Brasil.
17) Temos que nos preparar. Estamos virando uma página de nossa história. Mas, ela ainda está pregada na página anterior. Não será fácil virá-la em definitivo. E haverá muita marola, bravata e histeria. O fato é que o comando está voltando às nossas mãos. (FIM)

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7 Aug
Bom dia. Venho conversando com psicanalistas para compreender melhor a personalidade de Bolsonaro e as motivações do bolsonarismo. Em especial, com Luís Carlos Petry. Farei um fio do que colhi até agora. Lá vai.
1) A primeira distinção é entre conservadorismo e personalidade marcada pela pulsão de morte. O conservadorismo se constitui em uma ideologia política enquanto a personalidade autoritária está no plano da personalidade, parte da constituição psíquica do indivíduo.
2) Bolsonaro e o bolsonarismo, por sua vez, combinam elementos do fascismo com o do nazismo, numa espécie de "revival" do que ocorreu na Itália, na Espanha (ver Noite de São Lourenço), na Alemanha wagneriana
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28 Jul
Bom dia. Farei um fio sobre a calamidade em que grande parte de nossas crianças e adolescentes estão vivendo nesses 17 meses de pandemia em que estamos atolados na pandemia. Há algo tenebroso que não está chegando à tona. Lá vai.
1) numa cidade em que nossa equipe do Instituto Cultiva está atuando, analisamos nos últimos dez dias diversos dados coletados junto às famílias dos estudantes da rede pública de ensino. Os dados foram nos sufocando, dada a precariedade e urgências encontradas.
2) Antes, um dado sobre professores. Realizamos várias pesquisas junto ao corpo docente de vários Institutos Federais. Trata-se de uma amostra de um segmento específico. Contudo, pode significar uma tendência. Metade dos professores têm filhos em casa em idade escolar.
Read 15 tweets
25 Jul
Bom dia. Hoje, estarei com Chico Alencar (PSOL) e Alexandre Vasilenskas (PCB) analisando as manifestações de ontem. Contudo, farei um pequeno fio sobre o tema, uma espécie de spoiler do meio-dia (ao menos, no que diz respeito à minha opinião). Lá vai
1) Segundo os organizadores das manifestações de maio para cá (ontem foi a quarta desta sequência), tivemos 600 mil pessoas em 509 atos realizados no Brasil e no exterior. Números impressionantes para um período de riscos pandêmicos e depois de um apagão na esquerda
2) Aqui no Twitter, algumas observações exageradas. Comecemos pelas comparações. Houve quem comparasse com a Campanha das Diretas !!!! A Campanha teve muito menos gente e somente no final chegou aos milhares. A cifra de 1 milhão foi questionável até pelos organizadores na época
Read 14 tweets
22 Jul
Esse discursinho de "perda irreversível" dos alunos que não tiveram aula presencial é produto de quem não entende absolutamente nada de educação. Se fosse assim, analfabeto adulto estaria sem possibilidade de letramento.
Meu receio é que esse discursinho plantar as condições para a famigerada "aceleração de aprendizagem". Essa proposta, formulada por João Batista de Oliveira nos anos 1990 foi um dos maiores fracassos da cartilha empresarial da história educacional brasileira
Aliás, a educação pública está sendo atacada por interesses empresariais e por segmentos absolutamente estranhos à educação pública como os militares aposentados. Há uma agitação no meio empresarial para fazer da escola pública uma arena de testes de propostas bem embaladas
Read 7 tweets
7 Jul
A Folha começou a dar "barrigas" importantes. Sente a pressão da concorrência e a necessidade de dar "furos jornalísticos " para se diferenciar das redes sociais. www1.folha.uol.com.br/equilibrioesau…
1) Sinto que este fenômeno é recente, mas afeta veículos como a Folha que se pautam pelo perfil do seu leitor. O DATAFOLHA realiza periodicamente pesquisa sobre este perfil. Sinteticamente, trata-se de um perfil bem tucano: liberal nos costumes e na política econômica
2) No levantamento realizado em 1998, o leitor médio da Folha era casado, 38 anos, com diploma universitário, católico e das classes A e B. www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2…
Read 22 tweets
4 Jul
Bom dia. Farei um fio sobre as manifestações de ontem a partir de um prisma: a esquerda retomou as ruas. Lá vai.
1) As manifestações de ontem foram mais potentes que as duas anteriores. Os organizadores citam 800 mil manifestantes em pouco mais de 300 cidades. Tudo foi organizado em pouco mais de uma semana, já que a decisão inicial era da manifestação ocorrer em 24 de julho.
2) Os manifestantes estavam mais confiantes. Estampavam cartazes e bonecos mais agressivos em relação ao governo Bolsonaro e, agora, à Arthur Lira.
Já aparecem performances como os cartazes dos familiares mortos pela COVID estampados nas ruas de João Pessoa.
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