Hoje falam de "pluralismo". Mas o pouco espaço que negros tem nesse país foi conquistado a duras penas, arrombando a porta. Há pouquíssimos anos, era assim. Por isso até hoje não toleram a derrota na luta das cotas. Jamais vão superar que nós falemos quando nos querem enterrados.
É interessante pensar o tanto de gente que galgou espaço buscando silenciar pessoas negras e relativizando o racismo no Brasil. Estão todos aí, com suas carreiras, falando na mídia. Essa é a guerra não declarada do Brasil. Ela se faz com o nosso sufocamento.
E @Nailahnv, emociono-me sempre vendo o seu pai nesse vídeo. Respeito e gratidão pelos nossos mais velhos.
Eu gostaria que os mais novos ou pessoas que nunca viram esse vídeo, que vejam. São cicatrizes que nunca curaram em muitos de nós. E respeitem o movimento negro, respeitem cada espaço democratizado pela luta por igualdade racial. Não foi e não é fácil.
A amiga e companheira de batalhas, @Nailahnv, fez uma thread comentando os bastidores dessa luta. Vale a pena ser lida. Respeito mil por Wilson Veleci!

Ontem fiz a thead na fúria e não voltei mais ao twitter. Como repercutiu, vão mais algumas coisas. Primeiro, o documentário de onde o trecho foi extraído. Quem puder assistir, assista. Não deixemos essa história ser silenciada, como já vem acontencendo.

Para quem se espantou com as falas (chamar o movimento negro de milícia fascista e KKK), saiba que essa inversão da realidade é tática histórica e comum do racismo no Brasil. Recentemente fiz uma thread sobre isso. É o tropos escravista ainda vigente.

As falas da mesa, portanto, eram senso comum dos anticotas, basta lembrar das acusações de "tribunal racial" (ou seja, que o movimento negro estava resgatando uma prática nazista) ou a abertura da ação contra as cotas no STF, que citava ninguém menos que Martin Luther King. Image
Aí a gente enquadra a intervenção das pessoas negras nesse evento na história mais ampla do Brasil: a luta pelas ações afirmativas foi uma luta contra praticamente todos os formadores de opinião do país. Grande mídia, intelectuais, partidos e etc: estávamos quase sozinhos. ImageImageImageImage
Mas como diria o citado Martin Luther King, "o arco do universo moral é longo, mas se inclina no sentido da justiça." O movimento negro venceu essa batalha, nós vencemos. A luta conseguiu inclusive dobrar o STF e conquistar 11 votos favoráveis, em uma decisão histórica.
Recentemente conversando com o prof. John French aqui nos EUA, ele me falou: "Marcos, a vitória das cotas no seu país é a maior vitória da população negra na diáspora. Em termos de políticas de direitos, não há nada parecido no mundo. É absolutamente fantástico."
Enquanto nossa grande mídia continua dando espaço para racistas ou pensando que só há racismo e luta negra ao norte da Linha do Equador, são essas histórias que devem ser contadas. O movimento negro brasileiro é gigante, generoso e fundamental para a democracia que precisamos.
Sou cotista. Sou filho dessa luta. Como escrevi nos agradecimentos da minha dissertação, essas histórias não servem apenas para se falar de gratidão, pois elas fornecem o exemplo de dignidade que merece ser cultivado. Nenhum direito nos foi dado. Tivemos que arrancá-los.
Acrescentando essa aula do meu irmão Paíque, com quem aprendi muito nessa mesma UnB. Daqueles professores que temos fora da sala de aula. Gratidão por ter cruzado teu caminho, meu velho. Máximo respeito.

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3 Oct
A Folha de Saquarema: ideólogos da escravidão no séc. XXI

Desde as primeiras décadas do XIX, a escravidão passou por um forte questionamento no mundo atlântico. Revoltas escravas, abolições e crescimento da diplomacia antitráfico criaram um clima de indefinições. 👇🏾
Porém, no Brasil, ela não só vigorou como chegou a número inéditos. O núcleo político responsável por essa “segunda escravidão” era chamado de saquaremas, o “partido negreiro”. Sua base social se estendia do Vale do Paraíba a Minas, orbitando sobretudo os senhores do café. 👇🏾
Iniciado com a chegada do Regresso ao poder (1837), “o tempo saquarema” definiu a defesa da escravidão como questão de Estado. Tal hegemonia manteve o contrabando negreiro até 1850 e formou as bases institucionais do escravismo, que só seriam derrubadas definitivamente em 1888.👇🏾
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2 Sep
Crime de racismo e as artimanhas da branquidade

Essa semana, o apresentador Marcelo Barreto foi no alvo: "para ter racismo, parece que precisa de VAR." Desde que entrei no Direito, sempre me fiz a mesma pergunta: por que ninguém é condenado por racismo contra pessoas negras? 👇🏾
Obviamente há várias explicações de cunho sociológico, mas essa semana publicamos um texto no qual investigamos particularmente o papel do judiciário nessa história.

Ao analisarmos as sentenças do caso Heraldo Pereira, verificamos três artimanhas da branquidade. 👇🏾
As artimanhas são:

a. as alegações de inconstitucionalidade da Lei de Racismo;
b. a exigência do dolo específico de ofender toda a comunidade negra;
c. e a existência de uma hermenêutica da branquidade que perpassa a estrutura do poder judiciário brasileiro.
👇🏾
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30 Aug
Você é obrigado a abandonar o seu mandato parlamentar e sair do Brasil por correr risco de vida, mas vira extremista nas palavras de uma defensora de LINCHAMENTOS por ter cuspido em um fascista.

Com uma opinião pública constituída por ratos, continuaremos premiando sociopatas.
Gerações posteriores deverão estudar os vínculos entre branquidade e senso de irresponsabilidade na contribuição do jornalismo brasileiro à ascensão do fascismo ao poder. Fake news é fichinha perto de quem sempre submeteu a objetividade aos seus caprichos senhoriais.
Uma das características da moral senhorial é impor o seu subjetivismo sobre a realidade. Negar qualquer contraditório em relação à sua visão do mundo. A "epistemologia do nariz", como Chalhoub tão bem caracterizou a partir de Machado, e sua sensação de onipotência interpretativa.
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12 Jul
O Haiti é aqui? A Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil

Nesses dias de debate sobre Haiti, saiu artigo com meu parceiro Lucas Jupy a respeito da ausência da Revolução Haitiana no ensino do direito no Brasil, pela Revista Culturas Jurídicas, da UFF. 👇🏾
Ao analisarmos ementas de disciplinas e as referências bibliográficas dominantes de direito constitucional, teoria do estado e direitos humanos, constatamos o absoluto silêncio sobre o Haiti e sua importância para o constitucionalismo moderno no ensino jurídico brasileiro. 👇🏾
Diante disso, abordamos cinco consequências do apagamento:

a. a suspeita sobre a abrangência e a ideia de universalidade por trás da história narrada no ensino jurídico, na medida em que há um completo apagamento das lutas por direitos e libertação dos povos colonizados. 👇🏾
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12 Jul
Thomas Jefferson, Cuba e Haiti.

Em 1823, Jefferson escreveu ao então presidente norte-americano James Monroe:

"Confesso francamente que sempre considerei Cuba o acréscimo mais interessante que poderia ser feito ao nosso sistema de Estados." 👇🏾
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Jefferson faz parte de uma longa tradição da "diplomacia" estadunidense que sempre viu e quis Cuba como um quintal dos EUA. Como escutei em Havana uma vez, antes da Revolução, quando você via o embaixador norte-americano atravessar a rua, era sinal de reviravolta política. 👇🏾
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8 Jul
O Haiti é aqui: a Minustah e a ascensão do fascismo brasileiro

Com o assassinato de Jovenel Moïse, novamente os olhos mundiais se voltaram para o Haiti e a sua situação de tensão social. Nesse enredo, o Brasil tem um grande papel, que, como boomerang, não ficou só no Caribe. 👇🏾
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