Alguns comentários sobre o relatório final da #CPIdaCovid, o primeiro deles é que ele enquadra o presidente em dois artigos do tratado de Roma, "ato desumano" e "extermínio e perseguição" de povos indígenas. Nesse ponto, inclusive, ele lista crimes que antecedem a pandemia.
A diferença entre extermínio e genocídio não é exatamente insignificante no campo político - a palavra genocídio tem um peso e uma importância histórica. Especialmente se levarmos em consideração que o crime de extermínio é basicamente uma especificação do crime de genocídio.
Da fundamentação do relatório: "Apesar da semelhança entre o genocídio e os crimes contra a
humanidade acima descritos, é possível estabelecer claramente a distinção se observarmos que o genocídio pode cobrir atos isolados, ou episódicos...
... enquanto os crimes contra a humanidade ocorrem no contexto de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil, ou contra uma parte específica da população. A definição de genocídio certamente é defensável, mas o caráter sistemático com que
o anti-indigenismo se manifesta nas políticas e atitudes que expuseram os indígenas ao vírus e à violência amolda-se melhor à definição de crime contra a humanidade, nas modalidades extermínio e, inegavelmente, perseguição."
Apesar de discordar fundamentalmente do abandono da categoria genocídio em favor do "extermínio" - especialmente diante da necessidade política da palavra -, a inclusão do termo "perseguição" é produtiva pois ela abre espaço para uma discussão sobre a necessidade das demarcações.
Da definição de perseguição: "privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa"
Para além, o presidente foi enquadrado nos crimes de epidemia com resultado de morte, infração de medida sanitária, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes de responsabilidade...
e incompatibilidade com o decoro do cargo.
São mais de mil páginas e li apenas as relativas aos crimes contra a humanidade. A fundamentação para a distinção entre genocídio e extermínio me pareceu sofrível - mas é aquilo, apesar de ter trabalhado com o tema não sou jurista.
Pelo que li o relatório é criticável - como tudo -, especialmente se for compreendido que sua importância vai além de ser uma peça jurídica, trata-se de um documento político. Mais uma vez me refiro ao abandono da categoria "genocídio".
• • •
Missing some Tweet in this thread? You can try to
force a refresh
Ainda sobre a "polêmica" do Monark: ele afirma que o "movimento negro lutou pelo direito da KKK se manifestar". Bem, fundamental notar que as primeiras manifestações "antifascistas" foram organizadas por negros estadunidenses ainda no século XIX...
E tinham como objetivo coibir as manifestações da recém-nascida KKK. Sobre isso, fundamental ver os textos da Ida B. Wells que, em 1880, escreveu sobre os linchamentos sistemáticos de homens negros no Sul dos EUA.
Outro ponto interessante é o próprio movimento Goodnight White Pride. O movimento surgiu na Europa, especialmente Alemanha, e tinha como objetivo coibir a presença e manifestação de neonazis e boneheads na cena HC.
Entrando no ar para falar sobre a treta envolvendo o relatório final da #CPIdaCovid, o novo valor do bolsa família e começar o nosso experimento de escrita coletiva.
Explicando o que foi discutido ontem. Se você segmenta o eleitorado por educação formal você constata que o apoio a Bolsonaro se concentra nós estratos com ensino superior. Mais, se você compreende o aspecto "piramidal" do bolsonarismo você percebe que é aí que nasce o problema.
E esse aspecto "multinível" do bolsonarismo já foi atestado, inclusive, por seus idealizadores. Basicamente, estas pessoas vão atuando co.o recrutadores. E como nos esquemas de pirâmide, o aparente "sucesso" dos recrutadores é fundamental.
Quer entender como o Bolsonarismo se espalha em determinados segmentos, evangélicos, por exemplo, observe a proeminência social de alguns de seus articuladores locais. Por exemplo, o tipo de influência que um pastor tem na sua comunidade.
Esse foi um dos primeiros dados que minhas pesquisas mostraram, que o Bolsonarismo se expandiu como um esquema de pirâmide online. E como todo esquema de pirâmide, ele se apoia numa suposta imagem de sucesso dos "recrutadores".
Insisto: forma como o Bolsonarismo se expandiu tem uma relação direta com a própria ideia de parentesco. Na maioria das vezes em que conversei com eleitores do Bolsonaro sobre o seu primeiro contato com o Bolsonarismo eles me ofereciam um parente/amigo como resposta.
Mas não um parente/amigo qualquer, mas uma pessoa na qual confiavam por "ser estudada" ou ter uma condição financeira melhor.
A maior parte do eleitorado bolsonarista é constituída por pessoas com ensino superior completo e com uma renda razoável para os padrões brasileiros, mas aí da tem quem insista na ideia de que o problema é o "pobre que vota com a barriga".
E vamos além, os únicos grupos antivaxx estruturados que encontrei até o momento no Brasil também estão no mesmo segmento, a maioria relacionados a discussão de terapias holísticas, sagrado feminino/masculino, etc...
A grande questão é, para mim, é como o comentário político costuma atacar imediatamente os mais pobres e escolarizados, colocando-os como causas das mazelas do país.
Sou professor, minha mãe é professora e vou te falar uma coisa, poucas coisas né incomodam mais do que esse "parabéns, vocês são guerreiros" no dia de hoje.
Eu não quero ser tratado como guerreiro, eu quero ser tratado como profissional.
Eu não quero "vencer batalhas diárias", eu quero condições decentes de trabalho - e trabalho -, para mim e para os meus pares.
Esse discurso de que todo professor tem que ser um guerreiro/uma guerreira não apenas normaliza os absurdos que a categoria sofre, como gera uma pressão absurda, social e psicológica, sobre os professores.