Já eram quase 10 da noite de um feriado. Chovia e fazia frio.
Havia a expectativa de que eu preparasse o jantar. Mas me enrolei com o trabalho e, de repente, ficou tarde.
Decidimos ir ao mercado, meu filho e eu, trazer um frango, uma salada, qualquer coisa simples.
Quando procurava vaga para o carro notei um vulto em pé na calçada.
Ele segurava algo com uma mão e com a outra fazia aqueles sinais que os flanelinhas fazem, e que, de alguma forma, acham que ajudam o motorista a estacionar.
Parei o carro e descemos, João e eu.
O homem devia ter uns 40 e poucos anos. Usava um boné. Segurava uma embalagem de ovos - daquelas de duas dúzias - e tinha no rosto uma expressão terrível.
Desespero.
Ele murmurou alguma coisa. Não me lembro das palavras. Lembro que não pediu dinheiro.
Pediu comida.
Vejam a resposta exemplar dada pelo Secretário de Segurança de Minas Gerais ao Presidente do “Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de MG”, que questionava a operação da Polícia Militar que neutralizou os 25 vagabundos (termo técnico) do “novo cangaço”.
Aconteceu com um amigo meu. Vou deixar ele contar:
“Dia desses peguei um processo criminal em fase de execução da pena. O vagabundo queria sair pra visitar a mãe.
Faltavam ainda 7 anos de pena a serem cumpridos.
7 ANOS.
A ‘vítima da sociedade’ tinha mais de 5 anotações criminais. No cumprimento da pena anterior, voltara a delinquir JUSTAMENTE DURANTE A SAÍDA TEMPORÁRIA.
Fora preso outra vez em flagrante, e agora pedia novamente uma saída para ‘ver a mãe’.
O juiz concedeu a saída.
Disse que o vagabundo tinha bom comportamento e que já havia cumprido o tempo de pena necessário para gozar do benefício.
Um conhecido, ou um amigo antigo, ou um parente, se aproxima de mim meio sem jeito, e dispara a pergunta:
“Roberto, eu aceito a sua opção, acredito que você tenha seus motivos, mas não consigo entender. Votei no Bolsonaro, mas desde a posse as decepções vem se sucedendo. E você continua apoiando o Presidente?”
Eu sempre respondo da mesma forma:
“Muito obrigado pela pergunta”, eu digo, “e pela abordagem respeitosa”.
Faço uma pausa e digo:
“Mas para continuar essa conversa, eu preciso que você faça uma coisa para mim”.