Outro dia meu editor veio perguntar sobre a polêmica dos "MAPs" no mundo anglófono. Alguns acadêmicos estão propondo esse termo, que é acrônimo de Pessoas Atraídas por Menores, para "desestigmatizá-las", em vez de usar pedófilo, que se confunde com abusador. 👇
Para mim é um exemplo de compaixão fora de lugar. Pedófilos não são um grupo que merece ser desestigmatizado. Para a polícia e a lei, é importante a distinção entre ser pedófilo (ter a tal atração parafílica) e abusador (que estupra, o que nem sempre implica ter a atração).
A questão é que ter a atração é um perigo presente e constante de concretizá-la no abuso. Portanto, também é necessária uma força contrária também constante, e parte dela é o estigma. Ficar inventando termo politicamente correto pra coisa é correr risco de levar algum pedófilo...
a pensar que o que está sendo desestigmatizado é a própria parafilia e quiçá a concretização. É irresponsável. Isso não justifica atacar os acadêmicos como facilitadores de abuso (é uma rota causal muito especulativa e tortuosa). Mas justifica responder vigorosamente à proposta.
Já temos os termos úteis, já temos as distinções, logo, novos termos que parecem amenizar a coisa não são necessários.

Vou encerrar o fio contando minha experiência lidando com um pedófilo no Facebook. Quando fiz um vídeo viral, aceitei convite de amizade de milhares de pessoas.
Entre esses milhares estava o pedófilo, que eu não conhecia. Morava no NE. Eu soube que ele era pedófilo porque ele próprio confessou em um post público. Ele dizia que estava sofrendo e que não queria concretizar esses impulsos. Resolvi entrar em contato temendo linchamento.
Em mensagens nas semanas seguintes, eu o acompanhei pela literatura a respeito da pedofilia, para deixar claro para ele que criança não era capaz de consentir. Argumentei que não tem como ser normal um interesse sexual por uma faixa etária pré-púbere que dura poucos anos.
Ele compreendia os argumentos (era inteligente), concordava. Mas dias depois voltava expressando novas dúvidas. "Como sabe que essa alegação de impossibilidade de consentimento não é um simples tabu politicamente correto?" Eu respondia com fatos a respeito do desenvolvimento.
O que testemunhei foi uma mente fazendo o possível para tentar racionalizar que seus impulsos não eram tão ruins assim e que a literatura médica era enviesada na questão. Fiquei só pensando: se um inteligente tem essa dificuldade de persuadir a si mesmo, imagine os burros.
Eu encerrei contato quando, meses depois, enquanto as ideias marinavam na cabeça dele, eu vi que ele ignorou um dos meus principais conselhos: que a força de vontade é um recurso limitado, e que ele não deve se fiar nela, mas no controle do ambiente, se afastando de crianças.
Visitei o perfil dele e na foto de capa estava a foto de uma menina. Fui perguntar quem era. Ele alegou que era "uma amiga". Eu respondi que esse tipo de amizade entre adulto e criança não aparentada não é normal, que ele passou dos limites, e que cortaria contato. Bloqueei.
Moral da história: não se deve dar a pedófilo nem uma migalha de elemento intelectual que o ajude a racionalizar o abuso como moralmente permissível e a pedofilia como algo normal em vez de parafílico. Dar um novo nome a eles com menos estigma é MUITO IRRESPONSÁVEL.
P.S.: Imaginem um cara desses entrando num curso de humanas e lendo em Foucault que a comunidade médica é malvadona, que o biopoder oprime, e que a pedofilia é só "prazeres bucólicos".

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11 Nov
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10 Nov
Programa de governo do @SF_Moro está um suco de pauta genérica com risco de cair em desenvolvimentismo e varre-varre-vassourinha. Assim não ganha meu voto. Ganha quem mostrar compromisso com liberdade econômica, essa continua sendo a pauta urgente do país. Povo rico é povo livre.
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9 Nov
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Estudando a história da vacina, ficou mais clara pra mim a da homeopatia. Samuel Hahnemann claramente pegou o princípio de "cura" pelo "igual" da variolação e generalizou. Apaixonou-se pela ideia. Seria como generalizar o tratamento de vitamina A pro sarampo pra todas as doenças.
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Gênero neutro existe. Na língua alemã. Gêneros eram conjuntos de substantivos para os quais as línguas têm certas regras. Até que John Money, cientista que fez estudo antiético tentando transformar menino em menina, popularizou na academia que "gênero" é a parte cultural do sexo.
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