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Feb 16 26 tweets 6 min read
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Lockdown funciona? E fechar comércio? Escolas? Um estudo "recente" tentou responder isso, acho bom dar uma olhada nele e fazer alguns comentários. Segue o fio (Ta longo mas o essencial só vai até o tweet 24, depois são detalhes metodológicos para quem se interessar)👇🧵
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Essas perguntas são difíceis de responder seriamente. Quando falamos de sociedades, as coisas nunca são preto no branco.
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O artigo não saiu esses dias (doi.org/10.1038/s41467…), ele é de Outubro de 2021, mas acho bom usarmos ele para abordar esse tema. Primeiro que ele não é o primeiro estudo a avaliar muitos locais e estimar a efetividade de medidas de intervenção. Mas como os autores comentam
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A efetividade de medidas de intervenção durante uma pandemia podem mudar. Portanto, não muito justo se basear nas estimativas feitas durante a primeira onda em 2020 para escolher as melhores medidas hoje.
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Durante as primeiras estimativas de efetividades das medidas, a base de comparação era o período inicial da pandemia, quando muitos comportamentos ainda não haviam mudado.
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Entretanto, de lá para cá os padrões de contato social e mobilidade não retornaram, se é que vão, para o padrão pré pandemia.
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Isso estabelece uma base de comparação nova para as estimativas de efetividade. Um exemplo prático: banir grandes aglomerações. De início, o banimento de grandes aglomerações tinha uma efetividade alta em reduzir o numero de reprodução básico.
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Já agora, as pessoas naturalmente evitam mais grandes aglomerações, algumas ainda ocorrem, mas em geral pessoas se reúnem em grupos menores. Portanto, o banimento de grandes aglomerações agora teria uma efetividade mais baixa.
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Outro fator de confusão é a rigidez das intervenções, o que pode levar a efetividades diferentes em locais diferentes. Além disso, se você for estimar a efetividade para um país inteiro, você pode acabar perder efeitos característicos de regiões menores (Falácia ecológica).
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Por último, várias medidas são adotadas ao mesmo tempo, por isso é difícil estimar o efeito de apenas uma delas. Olhem o caso da região de Nürnberg na Alemanha.

Por isso é preciso um conjunto de análise grande para ter várias sobreposições de medidas e estimar os efeitos
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Para evitar problemas de heterogeneidade locais (falácia ecológica), nesse estudo buscaram analisar 7 países na Europa (🇦🇹,🇨🇿,🏴󠁧󠁢󠁥󠁮󠁧󠁿,🇩🇪,🇮🇹,🇨🇭e🇳🇱), olhando para 114 regiões dentro destes países, somando mais de 5500 medidas de intervenção analisadas (algumas repetidas).
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Também analisaram apenas o período entre o final de 2020 e início de 2021, já quando vários comportamentos sociais haviam mudado. Após discutir os resultados, eu entro em mais detalhes de como as estimativas são feitas para quem tiver mais interesse.
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Quando estimaram as diminuições no numero de reprodução Rₜ devido à cada media de intervenção, fechar o comércio e banir aglomerações foi o que mais teve efeito. Fechar escolas foi a medida de menor efeito na diminuição do Rₜ
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O caso das escolas é explicado pela aplicação de medidas sanitárias nas mesmas. No início de 2020, as escolas funcionavam como no tempo pré pandêmico. Já no final, as escolas implementavam mais medidas como turmas reduzidas, menor contato entre turmas diferentes, etc
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Isso naturalmente já reduz a chance de casos de super espalhamento nas escolas, então fechar elas agora tem um efeito de redução menor. Lembrando que isso é válido para as escolas na Europa, extrapolar isso para o Brasil requer uma análise própria nossa.
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Quando avaliaram a diferença entre banir aglomerações em espaços públicos ou fechados, notaram que o banimento em espaços fechados tem muito mais efeito. Além disso, banir aglomerações grandes tem um efeito não perceptível agora
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Provavelmente porque agora as pessoas já evitam naturalmente aglomerações maiores, ou porque a adesão à estas medidas é menor como resultado da “normalização da pandemia”. Ambos podem estar em jogo.
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Como comparação, vejam as efetividades de algumas medidas de intervenção estimadas para a primeira onda em 2020 (esquerda) e as estimativas já da segunda onda (direita).
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Muitas dessas efetividades mudaram como reflexo da mudança de comportamento social. No artigo, os autores comentam que o uso de todas as medidas de intervenção estudadas diminui o Rₜ em 66%, enquanto que para a primeira onda, o efeito era estimado em 77 a 82%.
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Durante a primeira onda, as estimativas de Rₜ também eram maiores no período sem intervenções (indo de 2 até 3, dependendo do local e do método). Enquanto agora os pesquisadores estimaram algo em torno de 1.7. Mesmo sem medidas de intervenção.
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Novamente, mostrando que o comportamento social das pessoas mudou. Isso não é surpresa para ninguém, qualquer sociedade de seres vivos (incluindo bactérias), tende a mudar seu comportamento quando assolada por um patógeno.
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Olhem por exemplo a porcentagem de pessoas que diz evitar locais com muita gente na Itália, Alemanha e Reino Unido. Tanto na Alemanha quanto no Reino Unido, esse número não voltou para o período pré pandêmico.
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Isso mostra que responder “Tal intervenção funciona?” é uma pergunta complexa. Funcionar ou não depende mais das características sociais da população do que da intervenção em si. Além de que, essa pergunta não é respondida com um Sim ou Não.
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A pergunta mais adequada a ser feita é “O quão bem tal intervenção funciona, dadas as características de nossa população?”
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A partir daqui eu vou entrar em detalhes de um dos métodos de como se mede o efeito das medidas nos casos ou óbitos. Quem quiser saber mais sobre só continuar o fio, sintam-se livres para comentar em algum local que possa ficar confuso
Percebi que os pedaços do fio não juntaram um no outro, continua aqui

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Feb 16
26/55
E como essas estimativas são feitas? Como eu posso confiar nelas? Agora vou tentar destrinchar alguns detalhes de modelagem. Acredito que todos já estejam familiarizados com o conceito do numero de reprodução básico Rₜ (comenta nesse tweet se não estiver)
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Acima de 1, epidemia cresce. Abaixo de 1, epidemia decresce. Em 1, ela é estável. Acontece que esse numero muda com o tempo devido a todos os fatores mencionados nos tweets acima. O valor de R depende principalmente de 3 coisas:
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1 - O valor de Rₜ no início da epidemia, sem alterações comportamentais na população ou medidas de intervenção, o chamado R0.2 - A medida de intervenção ativa no momento ou a mudança adotada pela população
Read 32 tweets
Feb 15
1/19
💉✅Atualizando aqui a distribuição geográfica de cobertura vacinal de 2ª e 3ª dose no Brasil e o mapa de homogeneidade por estado. Dados do RNDS até o dia 13/02 (Domingo). Detalhes e comentários no fio abaixo👇 Image
2/19
Esse mapa acima é a cobertura de 2ª dose nas regiões de saúde do Brasil. Mas há 2 comentários que precisam ser feitos.

⚠️O primeiro é que algumas regiões de saúde tiveram problemas na sincronização dos dados municipais com os que baixei do RNDS (São as regiões pretas em MG)
3/19
Por isso, as regiões pretas representam locais sem estimativa de cobertura vacinal. Para ainda poder fornecer uma boa estimativa da cobertura nacional, eu mantive o mapa das coberturas usando a divisão por mesorregiões também👇 Image
Read 20 tweets
Feb 14
1/20
Hoje eu venho trazer aqui os achados desse estudo muito legal que li esses dias na @ScienceMagazine. O objetivo dele foi avaliar a resposta de células B de memória contra a variante Ômicron, para quem recebeu 2 doses da Pfizer. Segue o fio🧵👇 doi.org/10.1126/sciimm…
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Nesse acompanhamento, utilizaram o soro sanguíneo de 45 voluntários vacinados com 2 doses da Pfizer e mais 40 pessoas antes de se vacinarem e que não tiveram COVID (Elas são o ponto de referência para medir a resposta pré-vacinação ou pré-infecção).
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As atividades imunológicas foram avaliadas em um período curto após a 2ª dose (em torno de 31 dias) e um período longo (em torno de 146 dias, ou quase 5 meses depois). Image
Read 21 tweets
Feb 6
1/25
Finalmente saiu o preprint de fase 3 da vacina CoVLP da Medicago (@medicagoinc). Só tive tempo de ler o preprint agora e como eu fui um dos participantes voluntários da fase 3, segue aqui um fio sobre os resultados.🧵👇 doi.org/10.1101/2022.0…
2/25
Quando eu entrei no estudo, eu fiz um fio sobre os resultados prévios de fase 1 e 2, caso queiram ler antes
3/25
Também fiz de outro resultado que saiu avaliando a resposte imune 6 meses após a vacinação com a CoVLP (nome da vacina)
Read 26 tweets
Jan 26
1/28
Mais de 1 ano de vacinação contra a COVID e ainda tenho que ver o argumento "Mas em tal lugar tem mais vacinado no hospital do que não vacinado". Então vou refazer um fio que fiz um tempo atrás explicando porque isso é normal e como essa não é uma comparação justa 🧵👇
2/28
Já falei disso uma vez, usando um exemplo dos EUA para ilustrar a lógica que explica o porque isso acontece naturalmente
3/28
O @rizbicki também comentou isso não faz pouco tempo
Read 29 tweets
Jan 3
1/14
Na Europa é bem clara a relação entre vacinação com 2 doses e fatalidade por caso de COVID. Aqui temos no eixo-x a % da população no país com 2 doses e no eixo-y a fração de óbitos por casos registrados em 2 semanas. Mais detalhes 👇🧵
2/14
Atenção à alguns detalhes. Há fatores de confusão aqui, como testes feitos. Escolhi a Europa por ser o continente que mais testou proporcionalmente à sua população nesse período, para minimizar as diferenças por testagem
3/14
Mas claro que isso ainda tem variações. Escolhi também um período logo antes da #omicron pois no momento atual, a prevalência dela nos países Europeus varia muito, o que poderia trazer mais confusão para a correlação
Read 15 tweets

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