Pedro Cintra Profile picture
Feb 16 32 tweets 13 min read
26/55
E como essas estimativas são feitas? Como eu posso confiar nelas? Agora vou tentar destrinchar alguns detalhes de modelagem. Acredito que todos já estejam familiarizados com o conceito do numero de reprodução básico Rₜ (comenta nesse tweet se não estiver)
27/55
Acima de 1, epidemia cresce. Abaixo de 1, epidemia decresce. Em 1, ela é estável. Acontece que esse numero muda com o tempo devido a todos os fatores mencionados nos tweets acima. O valor de R depende principalmente de 3 coisas:
28/55
1 - O valor de Rₜ no início da epidemia, sem alterações comportamentais na população ou medidas de intervenção, o chamado R0.2 - A medida de intervenção ativa no momento ou a mudança adotada pela população
29/55
3 - A aleatoriedade latente, ela trás as mudanças aleatórias que ocorrem em uma sociedade que alteram o Rₜ, como a população de um local aderir mais a uma medida de intervenção do que outro local
30/55
Em termos matemáticos, isso é descrito da seguinte forma, os subíndices indicam que o valor de Rₜ é calculado em um instante específico “t” e uma localidade “l” para um conjunto “i” de intervenções. Image
31/55
Em tese, o R0 é escolhido para representar o período pré intervenções e mudanças comportamentais. Mas, já que estamos interessados em medir o efeito das intervenções COM as mudanças comportamentais já na sociedade
32/55
É interessante escolher um R0 de um período sem intervenções, mas mais para frente da pandemia. Assim a base de comparação do efeito das intervenções é já um período onde a população havia incorporado mudanças sociais devido à pandemia
33/55
Nesse artigo, os autores escolheram como estimativa de R0, o período de Agosto de 2020, quando muitos países europeus liberaram as restrições e o fator que mais continha o crescimento de R0 era principalmente o próprio comportamento social da população. Image
34/55
O efeito de uma intervenção é dado pelo parâmetro de efeito β. Os autores assumem que β depende apenas do tipo de intervenção e não muda entre locais ou o tempo. Image
35/55
Isso poderia ser uma limitação forte no modelo, mas a latência aleatória é responsável por trazer mudanças aleatórias na redução de Rₜ, que podem ocorrer entre locais e entre instantes de tempo diferentes. Image
36/55
A latência aleatória é dada por um random walk, ou caminhar aleatório que pode acabar representando dinâmicas diferentes para a intervenção. Ela pode ter seu efeito diluído com o tempo, ou aumentado, ou um local pode ter um efeito maior e mais duradouro.
37/55
O random walk trás essa variação. Random walk é um ruído aleatório que é adicionado ao valor de Rₜ para representar possíveis caminhos que o Rₜ pode seguir

Agora que vimos como Rₜ muda, resta saber como ele se conecta com os casos e como extraímos ele dos nossos dados.
38/55
O Rₜ nos diz a proporção de casos secundários que um infectado causa. Portanto, a princípio, seria apenas aplicar a razão (Casos hoje/Casos ontem), e teríamos o valor de Rₜ.
39/55
Mas as coisas não são simples assim. Nem sempre um infectado infecta alguém já no dia seguinte. Isso leva um tempo. Esse tempo que leva entre infecções é chamado de intervalo entre gerações.
40/55
Ele é dado em termos de uma distribuição de probabilidade que nos diz a proporção de infecções secundárias que ocorreram entre x e x+1 dias após a infecção. Essa é a forma da distribuição de intervalo de geração da COVID-19. Image
41/55
Nela, a área da curva entre dois dias nos dá a probabilidade de que um caso secundário seja gerado entre os dois dias. Nessa distribuição abaixo, a probabilidade de um caso secundário ocorrer entre o dia 3 e 4 após a infecção é de 21.7%. Caso tenham duvidas, comentem aqui Image
42/55
Levando em conta então o intervalo entre gerações, o numero de casos hoje Nₜ é dado pelo numero de reprodução Rₜ vezes a quantidade de casos nos últimos dias, multiplicados pelo intervalo de gerações em cada dia, para sabermos quantos dos casos passados geraram casos hoje Image
43/55
Além disso, há outra coisa que precisa ser considerada. Uma vez infectado, uma pessoa ainda precisa ser testada e ter o resultado. Isso leva tempo. Por isso, o numero de casos hoje N só vai ser reportado após uma quantia de tempo Pc. Image
44/55
Novamente, Pc é dado por uma distribuição que nos diz a probabilidade de um caso ser reportado x dias após a infecção. Image
45/55
Ok, temos muitas coisas aqui. Mas notem que quase tudo já é conhecido. Sabemos a forma da distribuição do intervalo de geração, do intervalo entre infecção e notificação, temos acesso à quantidade de casos no passado
46/55
Sabemos a quantidade de casos hoje e o valor de R0 antes das intervenções. Assim, o único real parâmetro desconhecido é o β.
47/55
Levando tudo isso em consideração, calcula-se o valor de Rₜ para os períodos durante uma ou mais intervenções aplicadas e estima-se o valor de β para cada uma delas. Dessa forma, podemos saber o quão eficaz uma medida de intervenção foi (o quanto diminuiu a transmissão).
48/55
Uma coisa interessante é que β não necessariamente é obrigado a ser positivo (a demonstrar efeito para a medida de intervenção). Ele pode ser 0 e até mesmo negativo, caso a medida seja realmente muito ruim. Image
49/55
Isso é muito importante, pois restringindo β para valores positivos nós forçamos o modelo a encontrar alguma efetividade, o que é enviesar o resultado, por isso neste artigo β não é forçado para valores positivos. Isso é o efeito da escolha de priori no modelo
50/55
Essa é honestamente a parte que eu mais gosto em artigos que envolvem modelagem matemática, entender o modelo e comparar com a realidade. Claro que ainda há fatores que podem ser inclusos, como a heterogeneidade por idade.
51/55
Como cada faixa etária tem padrões de contato diferentes, seria mais justo estimar um Rₜ para cada faixa etária, afim de compor o Rₜ total a partir destes Rs.
52/55
Ou então incluir um outro termo que muda Rₜ que esteja associado à presença de variantes. Por exemplo, pode-se dizer que do período de X até Y, R0 vale 1.7, já de Y para frente, R0 vale 2.1 devido à uma nova variante com transmissibilidade intrínseca maior.
53/55
Entretanto, isso requer dados mais precisos, sabendo a quantidade de casos em cada faixa etária e sabendo a forma das distribuições mencionadas, bem como o R0 para cada faixa etária e específicos de cada variante. Aqui vemos uma barreira para fazer modelos + realísticos
54/55
Frequentemente não temos dados que sirvam para eles. Modelagem matemática de fenômenos é um balanço entre modelos acurados com a realidade e a disponibilidade de dados para ajustá-los. Encontrar esse balanço com os dados disponíveis é incrível.
55/55
A capacidade de uso desses modelos é o que nos permite quantificar e estimar as incertezas em torno de medidas no mundo real.

Perdão pelo fio longo 😅 (Se você chegou até aqui tome esse gif)
Percebi que os pedaços do fio não estão juntos (maldito twitter), o começo é aqui

• • •

Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh
 

Keep Current with Pedro Cintra

Pedro Cintra Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

PDF

Twitter may remove this content at anytime! Save it as PDF for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video
  1. Follow @ThreadReaderApp to mention us!

  2. From a Twitter thread mention us with a keyword "unroll"
@threadreaderapp unroll

Practice here first or read more on our help page!

More from @pedrocintra52

Feb 16
1/55
Lockdown funciona? E fechar comércio? Escolas? Um estudo "recente" tentou responder isso, acho bom dar uma olhada nele e fazer alguns comentários. Segue o fio (Ta longo mas o essencial só vai até o tweet 24, depois são detalhes metodológicos para quem se interessar)👇🧵
2/55
Essas perguntas são difíceis de responder seriamente. Quando falamos de sociedades, as coisas nunca são preto no branco.
3/55
O artigo não saiu esses dias (doi.org/10.1038/s41467…), ele é de Outubro de 2021, mas acho bom usarmos ele para abordar esse tema. Primeiro que ele não é o primeiro estudo a avaliar muitos locais e estimar a efetividade de medidas de intervenção. Mas como os autores comentam
Read 26 tweets
Feb 15
1/19
💉✅Atualizando aqui a distribuição geográfica de cobertura vacinal de 2ª e 3ª dose no Brasil e o mapa de homogeneidade por estado. Dados do RNDS até o dia 13/02 (Domingo). Detalhes e comentários no fio abaixo👇 Image
2/19
Esse mapa acima é a cobertura de 2ª dose nas regiões de saúde do Brasil. Mas há 2 comentários que precisam ser feitos.

⚠️O primeiro é que algumas regiões de saúde tiveram problemas na sincronização dos dados municipais com os que baixei do RNDS (São as regiões pretas em MG)
3/19
Por isso, as regiões pretas representam locais sem estimativa de cobertura vacinal. Para ainda poder fornecer uma boa estimativa da cobertura nacional, eu mantive o mapa das coberturas usando a divisão por mesorregiões também👇 Image
Read 20 tweets
Feb 14
1/20
Hoje eu venho trazer aqui os achados desse estudo muito legal que li esses dias na @ScienceMagazine. O objetivo dele foi avaliar a resposta de células B de memória contra a variante Ômicron, para quem recebeu 2 doses da Pfizer. Segue o fio🧵👇 doi.org/10.1126/sciimm…
2/20
Nesse acompanhamento, utilizaram o soro sanguíneo de 45 voluntários vacinados com 2 doses da Pfizer e mais 40 pessoas antes de se vacinarem e que não tiveram COVID (Elas são o ponto de referência para medir a resposta pré-vacinação ou pré-infecção).
3/20
As atividades imunológicas foram avaliadas em um período curto após a 2ª dose (em torno de 31 dias) e um período longo (em torno de 146 dias, ou quase 5 meses depois). Image
Read 21 tweets
Feb 6
1/25
Finalmente saiu o preprint de fase 3 da vacina CoVLP da Medicago (@medicagoinc). Só tive tempo de ler o preprint agora e como eu fui um dos participantes voluntários da fase 3, segue aqui um fio sobre os resultados.🧵👇 doi.org/10.1101/2022.0…
2/25
Quando eu entrei no estudo, eu fiz um fio sobre os resultados prévios de fase 1 e 2, caso queiram ler antes
3/25
Também fiz de outro resultado que saiu avaliando a resposte imune 6 meses após a vacinação com a CoVLP (nome da vacina)
Read 26 tweets
Jan 26
1/28
Mais de 1 ano de vacinação contra a COVID e ainda tenho que ver o argumento "Mas em tal lugar tem mais vacinado no hospital do que não vacinado". Então vou refazer um fio que fiz um tempo atrás explicando porque isso é normal e como essa não é uma comparação justa 🧵👇
2/28
Já falei disso uma vez, usando um exemplo dos EUA para ilustrar a lógica que explica o porque isso acontece naturalmente
3/28
O @rizbicki também comentou isso não faz pouco tempo
Read 29 tweets
Jan 3
1/14
Na Europa é bem clara a relação entre vacinação com 2 doses e fatalidade por caso de COVID. Aqui temos no eixo-x a % da população no país com 2 doses e no eixo-y a fração de óbitos por casos registrados em 2 semanas. Mais detalhes 👇🧵
2/14
Atenção à alguns detalhes. Há fatores de confusão aqui, como testes feitos. Escolhi a Europa por ser o continente que mais testou proporcionalmente à sua população nesse período, para minimizar as diferenças por testagem
3/14
Mas claro que isso ainda tem variações. Escolhi também um período logo antes da #omicron pois no momento atual, a prevalência dela nos países Europeus varia muito, o que poderia trazer mais confusão para a correlação
Read 15 tweets

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just two indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3/month or $30/year) and get exclusive features!

Become Premium

Don't want to be a Premium member but still want to support us?

Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal

Or Donate anonymously using crypto!

Ethereum

0xfe58350B80634f60Fa6Dc149a72b4DFbc17D341E copy

Bitcoin

3ATGMxNzCUFzxpMCHL5sWSt4DVtS8UqXpi copy

Thank you for your support!

:(