26/55
E como essas estimativas são feitas? Como eu posso confiar nelas? Agora vou tentar destrinchar alguns detalhes de modelagem. Acredito que todos já estejam familiarizados com o conceito do numero de reprodução básico Rₜ (comenta nesse tweet se não estiver)
27/55
Acima de 1, epidemia cresce. Abaixo de 1, epidemia decresce. Em 1, ela é estável. Acontece que esse numero muda com o tempo devido a todos os fatores mencionados nos tweets acima. O valor de R depende principalmente de 3 coisas:
28/55
1 - O valor de Rₜ no início da epidemia, sem alterações comportamentais na população ou medidas de intervenção, o chamado R0.2 - A medida de intervenção ativa no momento ou a mudança adotada pela população
29/55
3 - A aleatoriedade latente, ela trás as mudanças aleatórias que ocorrem em uma sociedade que alteram o Rₜ, como a população de um local aderir mais a uma medida de intervenção do que outro local
30/55
Em termos matemáticos, isso é descrito da seguinte forma, os subíndices indicam que o valor de Rₜ é calculado em um instante específico “t” e uma localidade “l” para um conjunto “i” de intervenções.
31/55
Em tese, o R0 é escolhido para representar o período pré intervenções e mudanças comportamentais. Mas, já que estamos interessados em medir o efeito das intervenções COM as mudanças comportamentais já na sociedade
32/55
É interessante escolher um R0 de um período sem intervenções, mas mais para frente da pandemia. Assim a base de comparação do efeito das intervenções é já um período onde a população havia incorporado mudanças sociais devido à pandemia
33/55
Nesse artigo, os autores escolheram como estimativa de R0, o período de Agosto de 2020, quando muitos países europeus liberaram as restrições e o fator que mais continha o crescimento de R0 era principalmente o próprio comportamento social da população.
34/55
O efeito de uma intervenção é dado pelo parâmetro de efeito β. Os autores assumem que β depende apenas do tipo de intervenção e não muda entre locais ou o tempo.
35/55
Isso poderia ser uma limitação forte no modelo, mas a latência aleatória é responsável por trazer mudanças aleatórias na redução de Rₜ, que podem ocorrer entre locais e entre instantes de tempo diferentes.
36/55
A latência aleatória é dada por um random walk, ou caminhar aleatório que pode acabar representando dinâmicas diferentes para a intervenção. Ela pode ter seu efeito diluído com o tempo, ou aumentado, ou um local pode ter um efeito maior e mais duradouro.
37/55
O random walk trás essa variação. Random walk é um ruído aleatório que é adicionado ao valor de Rₜ para representar possíveis caminhos que o Rₜ pode seguir
Agora que vimos como Rₜ muda, resta saber como ele se conecta com os casos e como extraímos ele dos nossos dados.
38/55
O Rₜ nos diz a proporção de casos secundários que um infectado causa. Portanto, a princípio, seria apenas aplicar a razão (Casos hoje/Casos ontem), e teríamos o valor de Rₜ.
39/55
Mas as coisas não são simples assim. Nem sempre um infectado infecta alguém já no dia seguinte. Isso leva um tempo. Esse tempo que leva entre infecções é chamado de intervalo entre gerações.
40/55
Ele é dado em termos de uma distribuição de probabilidade que nos diz a proporção de infecções secundárias que ocorreram entre x e x+1 dias após a infecção. Essa é a forma da distribuição de intervalo de geração da COVID-19.
41/55
Nela, a área da curva entre dois dias nos dá a probabilidade de que um caso secundário seja gerado entre os dois dias. Nessa distribuição abaixo, a probabilidade de um caso secundário ocorrer entre o dia 3 e 4 após a infecção é de 21.7%. Caso tenham duvidas, comentem aqui
42/55
Levando em conta então o intervalo entre gerações, o numero de casos hoje Nₜ é dado pelo numero de reprodução Rₜ vezes a quantidade de casos nos últimos dias, multiplicados pelo intervalo de gerações em cada dia, para sabermos quantos dos casos passados geraram casos hoje
43/55
Além disso, há outra coisa que precisa ser considerada. Uma vez infectado, uma pessoa ainda precisa ser testada e ter o resultado. Isso leva tempo. Por isso, o numero de casos hoje N só vai ser reportado após uma quantia de tempo Pc.
44/55
Novamente, Pc é dado por uma distribuição que nos diz a probabilidade de um caso ser reportado x dias após a infecção.
45/55
Ok, temos muitas coisas aqui. Mas notem que quase tudo já é conhecido. Sabemos a forma da distribuição do intervalo de geração, do intervalo entre infecção e notificação, temos acesso à quantidade de casos no passado
46/55
Sabemos a quantidade de casos hoje e o valor de R0 antes das intervenções. Assim, o único real parâmetro desconhecido é o β.
47/55
Levando tudo isso em consideração, calcula-se o valor de Rₜ para os períodos durante uma ou mais intervenções aplicadas e estima-se o valor de β para cada uma delas. Dessa forma, podemos saber o quão eficaz uma medida de intervenção foi (o quanto diminuiu a transmissão).
48/55
Uma coisa interessante é que β não necessariamente é obrigado a ser positivo (a demonstrar efeito para a medida de intervenção). Ele pode ser 0 e até mesmo negativo, caso a medida seja realmente muito ruim.
49/55
Isso é muito importante, pois restringindo β para valores positivos nós forçamos o modelo a encontrar alguma efetividade, o que é enviesar o resultado, por isso neste artigo β não é forçado para valores positivos. Isso é o efeito da escolha de priori no modelo
50/55
Essa é honestamente a parte que eu mais gosto em artigos que envolvem modelagem matemática, entender o modelo e comparar com a realidade. Claro que ainda há fatores que podem ser inclusos, como a heterogeneidade por idade.
51/55
Como cada faixa etária tem padrões de contato diferentes, seria mais justo estimar um Rₜ para cada faixa etária, afim de compor o Rₜ total a partir destes Rs.
52/55
Ou então incluir um outro termo que muda Rₜ que esteja associado à presença de variantes. Por exemplo, pode-se dizer que do período de X até Y, R0 vale 1.7, já de Y para frente, R0 vale 2.1 devido à uma nova variante com transmissibilidade intrínseca maior.
53/55
Entretanto, isso requer dados mais precisos, sabendo a quantidade de casos em cada faixa etária e sabendo a forma das distribuições mencionadas, bem como o R0 para cada faixa etária e específicos de cada variante. Aqui vemos uma barreira para fazer modelos + realísticos
54/55
Frequentemente não temos dados que sirvam para eles. Modelagem matemática de fenômenos é um balanço entre modelos acurados com a realidade e a disponibilidade de dados para ajustá-los. Encontrar esse balanço com os dados disponíveis é incrível.
55/55
A capacidade de uso desses modelos é o que nos permite quantificar e estimar as incertezas em torno de medidas no mundo real.
Perdão pelo fio longo 😅 (Se você chegou até aqui tome esse gif)
1/55
Lockdown funciona? E fechar comércio? Escolas? Um estudo "recente" tentou responder isso, acho bom dar uma olhada nele e fazer alguns comentários. Segue o fio (Ta longo mas o essencial só vai até o tweet 24, depois são detalhes metodológicos para quem se interessar)👇🧵
2/55
Essas perguntas são difíceis de responder seriamente. Quando falamos de sociedades, as coisas nunca são preto no branco.
3/55
O artigo não saiu esses dias (doi.org/10.1038/s41467…), ele é de Outubro de 2021, mas acho bom usarmos ele para abordar esse tema. Primeiro que ele não é o primeiro estudo a avaliar muitos locais e estimar a efetividade de medidas de intervenção. Mas como os autores comentam
1/19
💉✅Atualizando aqui a distribuição geográfica de cobertura vacinal de 2ª e 3ª dose no Brasil e o mapa de homogeneidade por estado. Dados do RNDS até o dia 13/02 (Domingo). Detalhes e comentários no fio abaixo👇
2/19
Esse mapa acima é a cobertura de 2ª dose nas regiões de saúde do Brasil. Mas há 2 comentários que precisam ser feitos.
⚠️O primeiro é que algumas regiões de saúde tiveram problemas na sincronização dos dados municipais com os que baixei do RNDS (São as regiões pretas em MG)
3/19
Por isso, as regiões pretas representam locais sem estimativa de cobertura vacinal. Para ainda poder fornecer uma boa estimativa da cobertura nacional, eu mantive o mapa das coberturas usando a divisão por mesorregiões também👇
1/20
Hoje eu venho trazer aqui os achados desse estudo muito legal que li esses dias na @ScienceMagazine. O objetivo dele foi avaliar a resposta de células B de memória contra a variante Ômicron, para quem recebeu 2 doses da Pfizer. Segue o fio🧵👇 doi.org/10.1126/sciimm…
2/20
Nesse acompanhamento, utilizaram o soro sanguíneo de 45 voluntários vacinados com 2 doses da Pfizer e mais 40 pessoas antes de se vacinarem e que não tiveram COVID (Elas são o ponto de referência para medir a resposta pré-vacinação ou pré-infecção).
3/20
As atividades imunológicas foram avaliadas em um período curto após a 2ª dose (em torno de 31 dias) e um período longo (em torno de 146 dias, ou quase 5 meses depois).
1/25
Finalmente saiu o preprint de fase 3 da vacina CoVLP da Medicago (@medicagoinc). Só tive tempo de ler o preprint agora e como eu fui um dos participantes voluntários da fase 3, segue aqui um fio sobre os resultados.🧵👇 doi.org/10.1101/2022.0…
2/25
Quando eu entrei no estudo, eu fiz um fio sobre os resultados prévios de fase 1 e 2, caso queiram ler antes
1/28
Mais de 1 ano de vacinação contra a COVID e ainda tenho que ver o argumento "Mas em tal lugar tem mais vacinado no hospital do que não vacinado". Então vou refazer um fio que fiz um tempo atrás explicando porque isso é normal e como essa não é uma comparação justa 🧵👇
2/28
Já falei disso uma vez, usando um exemplo dos EUA para ilustrar a lógica que explica o porque isso acontece naturalmente
1/14
Na Europa é bem clara a relação entre vacinação com 2 doses e fatalidade por caso de COVID. Aqui temos no eixo-x a % da população no país com 2 doses e no eixo-y a fração de óbitos por casos registrados em 2 semanas. Mais detalhes 👇🧵
2/14
Atenção à alguns detalhes. Há fatores de confusão aqui, como testes feitos. Escolhi a Europa por ser o continente que mais testou proporcionalmente à sua população nesse período, para minimizar as diferenças por testagem
3/14
Mas claro que isso ainda tem variações. Escolhi também um período logo antes da #omicron pois no momento atual, a prevalência dela nos países Europeus varia muito, o que poderia trazer mais confusão para a correlação