Mas quanto disso é discurso? O que desafia essa relação?
Em primeiro lugar, a China pode ser uma adversária geopolítica bastante ameaçadora para a Rússia.
Ambas dividem mais de 4 mil quilômetros de fronteira, com direito a arranca-rabo na Sibéria, na região do Lago Baikal, o maior lago de água doce do mundo.
Há mesmo um filme, com Charlton Heston, de 1971, sobre um mundo pós-apocalíptico destruído por uma guerra entre a União Soviética e a China, chamado "The Omega Man".
"Eu Sou a Lenda", com Will Smith, é um remake desse filme, baseado no mesmo livro.
China e Rússia romperam após a morte de Stalin.
Em 1966, Mao criou a Revolução Cultural em parte para expulsar a influência russa do Partido Comunista Chinês. A irritação o levou a se aliar aos EUA (essa semana, aliás, é o aniversário de 50 anos do encontro entre Mao e Nixon).
Por décadas, graças à ruptura, o primeiro líder russo a pisar na China foi Gorbachev, em 1989.
Como ele promovia uma abertura política na URSS (a Glasnost), estudantes e trabalhadores saíram às ruas pedindo o mesmo na China.
O resultado foi o Massacre da Praça da Paz Celestial.
Desde então, Rússia e China se alinham nas instituições internacionais em busca de uma ordem global multipolar, comungando do interesse em derrubar a hegemonia dos EUA.
Esta motivação não pode ser desprezada. Mas também não serve para esconder as diferenças entre os dois países.
Em primeiro lugar, a relação entre China e Rússia é desigual.
A China é a maior parceira econômica da Rússia. A Rússia não está nem entre os dez maiores parceiros comerciais da China. Moscou é apenas um parceiro júnior de Pequim.
Além disso, Rússia e China têm grandes diferenças na identidade nacional.
A Rússia é um país fortemente ligado à Igreja Ortodoxa e ao conservadorismo dessa identidade religiosa.
A China é um Estado ateu, com histórico de perseguição a religiosos (incluindo cristãos).
Um caos na ordem global seria um problema para a China - que deseja aumentar sua importância econômica no mundo construindo cenários previsíveis nas instituições internacionais.
Pequim não tem o menor interesse em desafiar a Europa.
Na diplomacia, a China também precisa calibrar o apoio à independência de territórios disputados por Moscou porque qualquer passo em falso poderá fornecer motivos para a independência de Taiwan (e fortalecer o separatismo de Hong Kong, Xinjiang e Tibete). É um campo minado.
China e Rússia não são aliados militares. Cooperam militarmente, mas quando um lado está em guerra, o outro lado não tem nenhuma obrigação legal de ajudar.
A China, aliás, jamais apoiou militarmente ou reconheceu a anexação russa da Crimeia em 2014.
Também em janeiro, o embaixador chinês em Kiev publicou um artigo enfatizando que a China sempre apoiou a soberania e integridade territorial da Ucrânia. ukrinform.ua/rubric-world/3…
A Rússia, aliás, utiliza pouca tecnologia chinesa em seus serviços de segurança. ecfr.eu/publication/it…
E há a economia.
Nos últimos anos, a China vem avançando em importância dentro de áreas que a Rússia entende ter direito natural à influência. Por exemplo: a maior parceira econômica da Ucrânia é a China (tomou essa posição da Rússia em 2019).
A China também vem avançando em influência na Ásia Central, outra área que a Rússia entende ter direito natural à influência. A China é a maior parceira econômica da região.
Rússia e China vivem o ponto mais alto de suas relações na história recente. Xi Jinping não sairá criticando Moscou à comunidade internacional. Pelo contrário. Pequim dificilmente não apoiará a Rússia diplomaticamente. Mas esse apoio tem limites.
Nas próximas semanas você verá declarações de Pequim críticas a Washington, em solidariedade a Moscou.
Não há nada que indique, no entanto, que na ausência de um ataque americano frontal a Moscou, a China se envolverá em qualquer disputa militar contra a Ucrânia.
Tão importante quanto reconhecer a aproximação entre Rússia e China é entender que ambas também têm suas diferenças e mantêm uma relação desigual.
Moscou e Pequim são indiscutíveis parceiros, mas também competem. E essa competição é bem maior do que suas diplomacias admitem.
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Uma invasão a Taiwan seria catastrófica. Em primeiro lugar porque não seria um passeio no parque. Taiwan é uma ilha que há 70 anos Pequim ameaça invadir, sem sucesso. O custo de vidas perdidas poderia ser imenso.
Mas essa decisão impactaria também a sua vida.
Explico aqui:
Taiwan é a casa da maior fabricante de chips do mundo: a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC).
Semicondutores são componentes essenciais nos aparelhos eletrônicos, de carros a smartphones. Eles agem como cérebros de processamento de dados para esses produtos.
Nós somos altamente dependentes de semicondutores. E adivinha de onde vêm quase 2/3 de todos os semicondutores do mundo? Taiwan.
Ou seja: uma hipotética invasão impactaria o mercado global e encareceria boa parte dos produtos que fazem parte da sua vida.
Vladimir Putin está, mais uma vez, no centro das atenções internacionais, depois de ameaçar usar o poder militar para invadir a Ucrânia.
Mas quem é esse sujeito? Como ele foi parar nesse lugar? O que pensa? Com quem governa? Onde quer chegar?
Eis a thread:
Vladimir Putin nasceu em 1952, em Leningrado, na extinta União Soviética, atual São Petersburgo, a cidade dos czares da dinastia Romanov.
Foi batizado pela mãe em segredo na Igreja Ortodoxa, escondido do pai, membro do Partido Comunista. A fé era um exercício subversivo na URSS.
Putin se formou em direito, antes de entrar na KGB, o serviço secreto da União Soviética, como oficial de inteligência.
No início, ainda morando com os pais, seu trabalho consistia em contra-inteligência e monitoramento de estrangeiros e funcionários consulares em Leningrado.
Aposto: se você não está lendo este tweet no seu celular, está com ele bem próximo.
Mas como esse aparelho chegou até você?
Quanta geopolítica é necessária para produzir este objeto, tão importante que é capaz de dominar nossa atenção por longas horas do dia?
Eis a thread:
Há quase 16 bilhões de celulares no mundo. Dois por habitante do planeta.
Ninguém vende mais aparelhos que a Samsung. Ela é seguida, nessa ordem, por Apple, Huawei, Xiaomi, Oppo, Vivo, Motorola e Lenovo - ou seja, dos 8 primeiros fabricantes líderes desse setor, 5 são chineses.
1,5 bilhão de celulares são vendidos por ano. A receita dessas vendas alcança mais de US$ 400 bilhões.
O impacto na economia é imenso. Essa indústria fornece mais de 14 milhões de empregos diretos.
Uma thread sobre como a geografia desempenha um papel fundamental na disputa entre Rússia e Ucrânia:
A Rússia é enorme. Literalmente o maior país do mundo, com 1/8 de toda a área terrestre do planeta.
Para você ter noção do quão grande é esse lugar, eu estou falando da mesma área de superfície de Plutão.
Quando o sol nasce no leste da Rússia, está se pondo no oeste.
A Rússia é aquilo que conhecemos como país transcontinental - faz parte de dois continentes: a Europa e a Ásia.
E a Rússia é tão grande que a sua parte asiática é grande o suficiente para transformá-la no maior país da Ásia, e sua parte europeia faz o mesmo na Europa.
Este é um filme clichê para entender o perigo do livre discurso nazifascista: A Onda.
Nada obscuro - mas se você não viu, veja.
Há inúmeros motivos para o nazifascismo ser perigoso: incluem a promoção de uma ansiedade social, irracionalidade, paranóia e negação da realidade.
Um livro que analisa a psicologia do autoritarismo é "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", do psicólogo Steven Pinker.
Para ele, uma utopia é perigosa porque "permite que qualquer número de ovos seja quebrado para fazer a omelete utópica". Ou seja, os fins justificam os meios.
Além disso, ideologias só são reproduzidas em grupo.
O problema, para Pinker, é que "grupos assumem uma identidade própria na mente das pessoas, e os indivíduos desejam ser aceitos dentro do grupo, promovê-lo em relação aos outros, e isso pode sobrepujar seu melhor julgamento".
Conhece essa foto aqui? Foi tirada no campo de concentração nazista de Buchenwald, liberto pelos EUA em 1945.
Buchenwald virou campo de concentração soviético.
Quase 30 mil pessoas passaram por ele depois da queda do nazismo. Mais de 7 mil morreram nas mãos da União Soviética.
Essa foto aqui foi tirada em Sachsenhausen.
Também foi utilizado pelos soviéticos como campo de concentração.
Por 5 anos, Moscou preservou sua câmara de gás e enviou mais de 60 mil pessoas para o mesmo espaço em que os nazistas aniquilavam seus adversários.
Com a queda da Alemanha Oriental, escavações encontraram os corpos de mais de 12 mil vítimas assassinadas pelos soviéticos em Sachsenhausen - a maioria de crianças, adolescentes e idosos.