- CAPÍTULO TRÊS -
a testemunha
O túnel subia lentamente entre curvas e intervalos planos. As rochas cobertas de limo deviam ter pelo menos 200 anos.
Theo imaginava quem era responsável por profanar os mortos e usar antigos túneis para se locomover em vestes negras. Não fazia ideia.
Alguma coisa dentro dele dizia que não era seguro continuar, que tinha que dar um fim ali mesmo. Que tinha que desistir.
Uma voz que gritava para que ele escrever o próprio nome no livro. Uma voz que sussurrava “não há salvação”.
Theo se arrastava de cansaço.
Estruturas de madeira começaram a surgir depois de um tempo quando a passagem se tornou mais larga, sustentando o teto agora plano.
Supôs que chegava em território urbano. Os archotes se tornavam cada vez mais frequentes. Após alguns minutos Theo alcançou uma bifurcação.
O caminho da esquerda parecia descer e o da direita era um aclive. No chão, uma grande Cruz Latina estava cravada em pedra.
Adornos com pontas finas e compridas, feitos de ferro fundido, presos às paredes davam um aspecto de ergástulo ao local alumiado por tochas.
Theo
O chão de terra deu lugar a pedras angulares perfeitamente alinhadas quando desceu pelo túnel. O ar era gelado e sem vida.
Jurava que podia ouvir sussurros pelo caminho. Em certo ponto atingiu uma área plana e circular de teto alto. Luz penetrava por uma abertura
Dezenas de tubos metálicos desciam da abóbada formada pelo salão até um imenso dispositivo que parecia ser mais velho que a existência.
Um órgão. Grandes cilindros com pontos em alto relevo eram interrogados por correias que se ligavam ao mecanismo do piano automático.
O caminho continuava passando dele. Notou folhetos apoiados no instrumento e julgou serem partituras. Não enxergou interruptor para ligar.
Ele
O traço que dava forma as palavras no papel era firme e elegante. Notou imediatamente que se tratava de latim - mais uma vez.
As frases se dispunham de forma curta, estruturadas como versos, mas não faziam sentido para Theo.
Folheou as páginas e percebeu que haviam sim partituras no meio do texto, que supôs guiarem o ritmo e as notas do cântico. Desejou entender
Levaria horas para ler tudo que havia ali, mas se deparou com um trecho, no fim, que dizia “Videte ne quis sciat. Malum in se”.
“Ver o que ninguém sabe. O mal em si.”
O resto do texto evocava “a sombra na névoa a tecer o véu das duas existências”. Folheou mais.
Parou repentinamente, paralisado, com a última página.
Tremia e se perguntava o que aquilo queria dizer.
“Da pele dos não velados, costurai a alma entre o véu, exorcizando os sussurros regurgitados sob a asa da sombra que verte no abismo”.
“Do sangue da oblata, alimentai a névoa e faz dela a sua morada. Da carne do clemente faz a peia da fissura.”
Dos que sobram, fazei deles a confissão da testemunha.”

Então a letra se transformava em rabiscos urgentes e desordenados
A maior parte deles garranchos ilegíveis e traçados dotados de certa insanidade, mas Theo foi capaz de ler claramente dois nomes.
Luana.
Theodoro.
Doeu-lhe o estômago de imediato. Malditos! O que planejavam? Decidiu
Não teve certeza por quanto tempo desceu, mas por fim alcançou um grande salão com enormes pilares, teto alto e estruturas retangulares.
Theo constatou que deviam se tratar de catacumbas. Não imaginava que havia aquilo no subsolo de Malerna. Caminhou até o centro do espaço.
A iluminação bruxuleava do topo de quatro grossas velas brancas sustentas por pedestais. Um aroma perfumado invadiu suas narinas. Flores.
Não saberia dizer quais. Então notou um cadáver no chão, coberto de pétalas, sinistramente envolto pelos pedestais. No chão, marcas de giz.
Símbolos estranhos que ele não reconhecia. Deu uma olhada a sua volta e encontrou uma portinhola de madeira numa das paredes a leste.
Ouviu uma tosse e congelou. Aguardou segurando a respiração. Na parede Norte tremeluziu um brilho amarelado pelas festas de uma porta.
Em seguida ouviu murmúrios vindos de lá. Theo
A pele estava tão gelada que Theo recuou os dedos sob o toque. Não era um especialista, mas o corpo parecia estar ali há alguns dias.
O sangue parecia ter sido completamente drenado do corpo e o rosto tinha olhos esbugalhados acima de uma boca escancarada.
As pétalas disfarçavam o cheiro do defunto, que agora que analisava de perto estava completamente podre.
Não conhecia o homem, mas seus pulsos haviam sido cortados em grande profundidade. Theo não encontrou nenhum pertence do sujeito.
Do cômodo iluminado, os murmúrios e a tosse continuavam. Da portinhola pensou ouvir um lamento. As velas bruxuleavam na penumbra. Theo
Esgueirou-se até a porta e se pôs a escutar. Um estalo seco e repetitivo acompanhava uma voz grave e envelhecida que Theo desconhecia.
O estalo era alto e forte e vinha acompanhado de uma pancada logo em seguida. Não podia ouvir bem o que a voz dizia do outro lado.
Parecia latim. Theo
A fechadura estava encrustada de ferrugem. De abertura larga, comportava chaves grossas de ferro fundido. A antiguidade lembrava masmorras.
Theo baixou a cabeça na esperança de que a chave não estivesse ali obstruindo sua visão. A luz amarela bruxuleava pela abertura.
Levou alguns milissegundos para processar o que vira e então sentiu a garganta fechar enquanto respirava pesadamente.
O que encontrou era perfeitamente arredondado e escuro. Profundo e vazio, acompanhado por gritos horrorosos e cheios de dor. Podia ouvi-los.
Dentro, uma escuridão completa onde o mal residente nas profundezas. Um medo esquecido pelo raciocínio humano.
Um medo que ainda dorme na maioria das pessoas. No caso dele, esse mal já estava desperto. Ele lembrava. Ele ouvia.
Do outro lado da fechadura ele encontrou um olho.
Um olho negro banhado em carmesim. Incompreensível. Inumano.
Olhava-o de volta. Para dentro dele.
Quando Theo se deu conta, ouviu o barulho da fechadura e a porta se abriu sozinha lentamente.
Lá dentro, uma figura ajoelhada chicoteava a si mesmo ininterruptamente de costas para ele, prostrada diante de dezenas de crucifixos. Theo
Se arrastou para dentro do recinto com cautela. O chão era de tábuas corridas antigas e arranhadas. Aquele quarto não se encaixava.
Era quase como se não devesse estar ali, no subterrâneo de uma vila antiga, ao fim de catacumbas há poucos metros de um corpo drenado.
As paredes haviam sido precariamente rebocadas. Uma grande figura de braços abertos preso a uma cruz situava-se diante da pessoa ajoelhada.
Preso a parede em meio pelo menos trinta outros crucifixos, o local tinha apenas uma cama na parede esquerda, uma cômoda na direita
e uma mesa baixa, logo à frente da pessoa que continuava a se chicotear com fervor, recitando numa velocidade inconcebível orações em latim
Theo mal deu o primeiro passo e o piso rangeu em protesto. A figura imediatamente se levantou e cobriu o próprio corpo com vestes negras.
Theo notou profundas cicatrizes na pele.

- Ja é hora do chá? - A voz da mulher era grave e carregava anos de peso. Tinha um ar resignado.
A mulher ainda encontrava-se de costas. Theo notou a cômoda entreaberta e um brilho vermelho. Havia uma cópia da Bíblia sobre a mesa.
A cama estava perfeitamente arrumada, o que parecia sugerir que a idosa não dormia há algum tempo. Theo podia não responder e sair dali.
Podia perguntar alguma coisa a idosa ou vasculhar as coisas dela. Ela não parecia ser alguma ameaça. Theo
- Chá? - Balbuciou desconfiado. - Quem é você? O que diabos está fazendo aqui? - Insistiu.
- Ah! Uma visita. Só aquela brutamontes vem aqui. Pena que ainda não é a hora do chá, senão lhe ofereceria uma xícara. - Constatou.
A mulher parecia falar mais com ela mesma do que com ele.
- Venha, ore comigo. - Ordenou efusiva batendo a mão no chão, ainda de costas.
Theo se sentiu compelido a obedecer. Àquela altura achava que se existia um Deus, só ele poderia tirá-lo daquele inferno.
- Olha, eu não posso. Eu preciso que você responda às minhas perguntas. - Insistiu Theo.
- Todas as respostas serão dadas após essa oração. Venha, jovem ansioso. Venha até aqui e ajoelhe-se comigo. Diga-me, qual o seu nome?
Theo precisava de respostas, mas percebeu que não as conseguiria facilmente. Aquela mulher parecia desequilibrada de alguma forma.
Não que pudesse culpá-la, afinal vivia presa em um quarto debaixo da terra. Ninguém seria saudável assim. Talvez colaborando...
Ao mesmo tempo, não tinha certeza se poderia confiar na lucidez de suas respostas. Theo
- Matheus - Guaguejou mentindo. - Meu nome é Matheus.
- Pois bem Matheus, aproxime-se. - Ela tinha uma voz persuasiva. Theo avançou.
- Venha, ajoelhe-se. - Convidou. Theo obedeceu, ligeiramente preocupado. - Agora feche os olhos e se concentre.
Mais uma vez Theo não soube dizer o por que, mas obedeceu a solicitação da idosa. Frases e sentenças em latim logo preencheram o ar.
Eram vocalizadas em uma velocidade e ritmo impressionantes, e eram bastante familiares, embora não parecessem orações comuns.
Foi quando percebeu que eram exatamente iguais às que constavam no livro. Theo voltou-se para a mulher, indignado quando ficou sem fala.
Via-se encarando duas órbitas vazias. A senhora havia tido seus olhos completamente arrancados. Os buracos negros o absorveram por segundos.
- Theo, não é? Minha aparência lhe perturba, não é mesmo?
Theo estava branco. Como ela sabia isso tudo? Como ela sabia seu nome?
Antes que pudesse se manifestar, ela o interpelou com três perguntas.
-Diga-me, meu filho, qual é a voz do senhor?
- Diga-me, meu filho, qual é o caminho sagrado?
- Diga-me por fim, Theo. Quem, para o Senhor, é você?
- NÃO! NÃO! NÃO! Sua alma está engolida por pecado! Você não é merecedor. Você não conhece a verdadeira face do Senhor. - Gritava a velha.
- Sob a espada afiada do senhor encontrar-nos-emos a expiação. A culpa num oceano sem fim. Não somos nada além de peregrinos sem face.
Ela ficou de pé e andava nervosamente pelo quarto, resmungando em latim e outras línguas incompreensíveis.
- SAIA! SAIA! Deixe-me sozinha! Preciso purificar minha alma. - Bramia balançando os braços.
A mulher, inquieta, fazia muito barulho, desconcertada. Theo tinha certeza de sua insanidade, mas ao mesmo tempo tinha pena dela.
Se vasculhasse o armário dela agora, com cautela, provavelmente não seria ouvido. Talvez fosse uma boa ideia, já que a mulher não ajudara.
Mas com o barulho que ela fazia, seu captor certamente ouviria e chegaria a qualquer momento. Precisava decidir rápido o que fazer. Theo
Os dedos finos da única mão livre alcançaram a porta empoeirada do armário. Abriu com cuidado enquanto a velha fazia barulhos repudiáveis.
Entre os mais diversos instrumentos de tortura - como por exemplo chicotes e mordaças - havia ainda uma cópia da Bíblia, um terço
uma caneca suja, com cheiro salgado de ferro, com resíduos de um líquido carmesim e uma minúscula chave prateada, do tamanho de um dedo.
Passos pesados romperam do cômodo de fora, atravessando furiosamente a masmorra. Alguém estava vindo. Pensou em se esconder embaixo da cama.
Poderia também fugir. Ele
Desempate. 1 hora.
Arrastou o corpo dolorido e sujo para debaixo da cama enquanto colocava a chave num dos bolsos da calça.
O livro e os papéis que carregava dificultaram o trabalho, mas por fim conseguiu se encolher no escuro e esperar por quem se aproximava.
Um par de botas gigantescos bloqueou a luz trêmula das velas no pé da cama. Theo segurou a respiração e permaneceu imóvel.
- É hora do chá? Meu convidado não quis esperar. - Comunicou a idosa. A figura não respondeu, mas caminhou pelo quarto até a porta.
Andou de um lado para o outro do lado de fora, como se procurasse alguém.
- Ele já foi, ele já foi. Mas os olhos que ele trouxe ficaram.
- Sim estão aqui ainda, os olhos de Simurg. Olhando pra mim... Eu preciso do chá. Onde está meu chá? - A velha insistia impaciente.
Os pés se dirigiram para o armário. Theo via tudo por debaixo da cama, prendendo a respiração. A porta do móvel rangeu.
Os pés então se moveram em direção a velha. As molas da cama rangeram, jogando poeira no rosto de Theo, quando a idosa se sentou.
Ouviu o som de um líquido vertendo no fundo de um objeto seco - a figura enchia a cabeça.

Um baque metálico o fez morrer de susto.
Líquido vermelho se esparramou pelo chão quando a jarra caiu, respingando ainda mais em Theo, que estava imundo.

Sangue. Mais uma vez.
O chá da velha era sangue. Theo sentiu que não passava bem.

Uma mão escondida em luvas de couro atingiu o nível do chão.
Então hesitou antes de pegar a jarra. Ao invés disso, se aproximou da cama. Theo queria vomitar. Queria espirrar. Queria correr.
A mão recolheu então uma folha - uma das que carregava, mas deixara cair.

Puta merda.

Ossos estalaram enquanto o invasor se agachava.
O pé da cama dava para a porta. Em uma das laterais tinha a parede e na outra a figura. Ele
Teve de ser rápido. Enquanto a sombra abaixava colocou toda sua força nos cotovelos e se moveu por baixo da cama enquanto a idosa tagarelava
Não teve tempo de olhar para trás quando correu pelo saguão de pedra. Ouviu os passos pesados atrás de si. Theo
Os pés vacilaram ao tocarem a passagem íngreme. Entre a vertigem e o medo, as forças iam se esvaindo no ritmo dos passos do perseguidor.
A meio caminho os joelhos cederam, jogando-o contra uma das paredes. Escorado, mal teve tempo de ver o gigante que se aproximava.
Os passos pesados cobriram a distância em um tempo absurdamente curto para Theo Sentiu mãos firmes se fecharem contra sua garganta.
As vistas escureceram pela segunda vez nas últimas 48h enquanto perdia a consciência. Faltava-lhe energia. Talvez devesse ter comido.
A respiração pesada de seu agressor atrás de uma máscara foi a última coisa que ouviu antes de apagar.
Acordou com o som metálico de correntes batendo. Tentou se mover, mas seus membros estavam presos ao que parecia uma mesa de madeira.
Estava completamente nu. O cômodo mal iluminado por uma vela - que chegava ao seu fim - continha apenas uma janela gradeada e uma porta.
Essa de ferro fundido, enferrujada com o tempo. Virou a cabeça procurando sinal do seu agressor e encontrou outras pessoas. Ou eram pessoas.
Dois esqueletos altamente deformados estavam pendurados nas paredes de pedra, presos pelos pulsos por grossas correntes negras.
Uma pequena mesa ao seu lado possui uma gama completa de lâminas e ferramentas. Tinha também um livro, linha e agulha e um rádio AM.
Theo podia tentar alcançar uma ferramenta para escapar, embora duvidasse que conseguisse. Ele
Esticou as pontas dos dedos da mão presa firmemente por uma argola de ferro oxidasses na direção das ferramentas. A peça arranhava sua pele.
A pontada de dor que sentiu em seguida era um indicativo de que estava prestes a deslocar o próprio pulso. Só mais um centímetro…
Sentiu, com alívio, os dedos se fecharem sobre o cabo metálico de um instrumento, segundos antes da bandeja cair com estardalhaço.
Passos velozes ecoavam pelas pedras que davam acesso àquela câmara. Alguém vinha. Theo
Uma figura de quase dois metros de altura irrompeu pela porta com um rangido metálico no mesmo instante que Theo escondia a serra nas costas
Trajava vestes completamente negras, como uma bata de celibatário. A cintura era fechada por uma corda trançada. Respirava pesadamente.
Um crucifixo prateado do tamanho de um punho, coberto de arranhões, manchas e ferrugem, pendia do pescoço. Theo estava completamente imóvel.
A serra feria suas costas nuas com a pressão empregada, mas não podia levantar suspeitas daquela “coisa”. Theo encarava nervosamente.
A serra feria suas costas com a pressão, mas ele não poderia levantar suspeitas. Seu captor tinha as feições ocultas por uma máscara.
De bico fino, como um pássaro, olhos grandes feitos por lentes vermelhas e revestimento negro, a máscara lhe causou arrepios.
Tratava-se de uma versão modernizada e ainda mais abominável das máscaras usadas pelos médicos da peste nos séculos XVII e XVIII.
- O que você viu? - Uma voz rouca e distorcida se pronunciou por trás da máscara. Theo não reconheceu e sequer entendeu a pergunta.
Diante da Pergunta, Theo
- O q-q-que? - Gaguejou Theo.
A figura caminhou lentamente pela sala e roçou os dedos na superfície da prancha que estava preso.
A respiração era constante e intensa através da máscara. Quase palpável. Esse pensamento incomodou Theo.
Os dedos sob a luva de couro rasparam a pele de sua coxa e ele estremeceu.
- É assim que vai ser?
Theo ouviu um clique quando a figura alcançou a mesa
- Talvez assim eu possa refrescar sua memória. - A voz se misturou aos chiados do rádio
Lentamente, como quem arrasta o tempo o máximo que pode, o algoz girou o botão de sintonia do rádio.
- Você sabe o caminho para Zha’ilathal?
O dedo continuava a girar o botão, trazendo sempre estática, até que um som, praticamente inaudível começou a sair do rádio.
A figura ia perdendo a paciência.
- VOCÊ SABE O CAMINHO DE ZHAI’ILATHAL - Ela agora virava o botão de volume. Mais estática.
O som ficava mais alto. Mais distorcido, atípico. Sentiu-se enojado. Theo o reconhecia. Ficava sem tempo. Ele
- Do que você está falando? - Suas entranhas doíam e vibravam com o som. - Quem é você? Por que estou aqui? Que droga de lugar é esse?
- VOCÊ SABE O CAMINHO DE ZHAI’ILATHAL? - Os lamentos no rádio num som disforme ficaram mais rápidos. A vontade de rasgar voltara.
Quis arranhar o próprio corpo, arrancar a própria pele. Theo bateu a própria cabeça contra a prancha que estava amarrado.
Batia com violência enquanto se retorcia em suas amarras. Os ossos estalaram uma porção de vezes até que o ombro direito se deslocou.
Continuou se movendo. Torceu pulso e jogou o peso do corpo em cima dos dedos das mãos. Queria se machucar mais. Queria esfolar a pele.
Então quis matar. Matar sua algoz. Gritou de dor e raiva. Um instinto viceral de desmembrar a figura ali diante dele.
Uma figura que segurava um martelo.

O primeiro golpe quebrou os ossos da mão esquerda de Theo. Ele gritou com todas as forças que tinha.
- Theodoro, é hora de expiar seus pecados. É para isso que você está aqui. É pra isso que a névoa te trouxe até aqui. - A voz era soturna.
- Era pra você ter morrido na cabana, mas aquela abominação te protegeu. É uma blasfêmia. Uma afronta. Eu devia queimar você vivo.
A voz respirava pesadamente atrás da máscara.
- É tudo culpa sua. Você começou isso. Eu sou assim por sua culpa! Você começou isso!
- NÃO, NÃO, NÃO. Ele não é um pai. NÃO. Não ele não é digno. O corpo dele foi profanado. Posso sentir as asas batendo aqui dentro. Sim.
Theo sentia muita dor, mas queria esquarteja-la mesmo assim. Imaginou a cena em sua cabeça com detalhes enquanto a figura falava sozinha.
Não tinha dúvidas quanto à insanidade dela, mas pensando bem, ele mesmo já não sabia dizer se era são.

O segundo golpe atingiu sua bacia.
A dor foi tamanha que quase desmaiou, se a adrenalina de querer fatiar seu agressor em pedaços minúsculos teria apagado.
- Sim, eu vou apenas quebrá-lo. É culpa dele.

A figura ergueu o martelo, preparando o terceiro golpe
Foi quando um objeto negro entrou flutuando pela janela e pousou no peito nu de Theo. Leve e de toque suave.

Uma pena negra gigantesca.
Se agressor ficou atônito, caindo para trás no chão da masmorra.

- Maldição! Não pode ser! NÃO. NINGUÉM VAI TE SALVAR AQUI.
Ela tentou se levantar, apoiando-se na prancha com a mão que segurava o martelo. Theo
Trêmulo e incerto do que fazer, Theo alcançou a serra em suas costas com a mão algemada e movimentos restritos.
Os dedos se fecharam no cabo áspero de madeira enquanto a figura se levantava. Theo rapidamente desferiu um golpe contra a mão.
O sangue seguiu o grito, jorrando sob as vestes negras.

- DESGRAÇADO! - pronunciou a figura com a voz rouca e vacilante.
Theo não teve tempo de desviar quando o martelo atingiu seu maxilar. Não teve tempo nem de gritar de dor quando sentiu o osso deslocar.
Ainda assim, sentia que o golpe não fora tão forte quanto poderia ser, talvez pelo fato de seu agressor estar com a mão ferida.
O algoz perdia sangue numa velocidade aterradora. Largou o martelo no chão e atravessou a porta de madeira pressionando o corte.
Imprudente, largara um Theo ferido e desnorteado em posse da serra.
Ele se preparava para cortar as correntes quando ouviu uma voz familiar
- Olá, tem alguém aqui? - O timbre ecoava pelos corredores rochosos de seu cárcere.

A voz reconfortante de um idoso.
Sabia que seu captor não tardaria a retornar - e dessa vez furioso. Se gritasse, provavelmente o alertaria e tornaria o idoso uma vítima.
Qualquer barulho atrairia também o idoso. Theo
Desajeitadamente, apoiou a corrente sobre a prancha e começou a serrá-la. Apurou os ouvidos para a volta de seu captor.
A serra protestava a cada encontro de seus dentes com os elos da corrente, mas ele continuou. O barulho reverberava pelo corredor.
- Theo? O que você está fazendo aqui? - A voz familiar de Orlando era reconfortante. - O que aconteceu com você?
Theo sabia que devia estar em um estado deplorável. Orlando entrou mancando e com as roupas ensangüentadas.
Ajuda seria bem-vinda.
O alívio de Theo durou poucos segundos antes que fosse dominado pela desconfiança. O que ele estava fazendo ali? Como o encontrara?
Algo parecia errado. O último elo da corrente se rompeu. A serra já estava praticamente cega. Theo nao encontrou suas roupas.
Não tardaria até que seu torturador voltasse. Ele
A passagem apertada e escura findava em uma porta de madeira que abriu sob a ação de Theo com facilidade. Não estava preparado pro que viu.
Orlando vinha em seu encalço com uma expressão perplexa.
- Theo? Depois que você sumiu da hospedaria fiquei preocupado. Cadê Luana?
Theo não prestava atenção. Encarava as dezenas, talvez centenas, de retalhos pendurados em arames e esticados em um enorme salão de pedra.
Iluminadas apenas por tímidos candelabros, as membranas translúcidas tinham um aspecto repugnante. Pingavam líquido asqueroso.
O ambiente todo fedia, impregnado com um odor forte e primitivo. Theo se aproximou abismado e percebeu ema textura capilar.
Ao toque percebeu que se tratavam de fato de pêkos e foi por fim que percebeu que aquelas eram peles humanas removidas e curtidas.
Theo temeu só de imaginar para que seriam usadas e como haviam sido obtidas.

Seu corpo tremia com o frio vindo das cavernas.
O salão possuía uma portinhola de saída na parede extrema e uma escada de mão, posicionado no meio da sala, subia ao teto.
A escada então terminava em um alçapão.
- Foi dali que eu vim. - Disse Orlando apontando a escada. - você devia arrumar umas roupas, Theo.
Theo
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