Essa semana uma colega de trabalho parou na minha mesa pra me perguntar se eu tinha visto o Dia das Crianças do Brasília Shopping. Eu disse que não. Ela disse que achou muito lindo porque o tema central era Frida Kahlo.
As crianças são convidadas a conhecer a sua obra e depois, sentar nas mesinhas do espaço pra fazer novas "obras" inspiradas pelo que viram. "A única coisa que eu não gostei", ela disse, "foram as cadeiras: elas têm formato de cadeira de rodas. Achei mórbido pra caramba"
Achei muito curioso isso por um monte de motivos. O primeiro de todos é o de associar a cadeira de rodas e morbidez, quando super poderia ser o contrário. A cadeira de rodas não é causa de nenhum problema. Ao contrário, é a possibilidade de mobilidade após uma lesão.
A sociedade, quando faz essa associação, coloca a pessoa com deficiência em um não-lugar, uma pessoa que está morta em vida (daí a morbidez). A imobilidade que a cadeira de rodas poderia invocar é precisamente o oposto. Se as pessoas não conseguem ir mais longe com ela +
+ não é a cadeira o problema. São os espaços que não são adequados para recebê-las. É muito fácil dizer que cadeirantes têm uma vida condenada quando existe uma responsabilidade social na imobilidade. A cadeira não consegue cumprir seu papel na autonomia das pessoas.
A outra coisa que me incomodou é que o choque das pessoas deriva também desse tratamento de ícone pop dado à Frida Kahlo que a coloca de uma forma super higienizada, com características faciais suavizadas e a deficiência apagada (essa última até o feminismo faz).
Dissociar a imagem de Frida da sua deficiência é ignorar as bases de sua arte e de sua identidade. A deficiência foi expressa por ela exaustivamente em suas obras, é impossível colocá-la à parte desse aspecto de sua identidade. É desonesto torná-la mais palatável sem deficiência.
Então eu achei incrível o shopping propor essa nova visão - pras crianças, porque adulto é uma derrota. Pode ser uma chance de fazer exatamente o contrário: tirar da cadeira de rodas essa pecha de mórbida, de indício de tragédia. Acho lindo que venha desse jeito lúdico.
