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80 anos atrás, começava a II Guerra Mundial. Mas começava também o Holocausto. Isso porque foi exatamente NO MESMO DIA da invasão da Polônia que Hitler autorizou um programa de eutanásia que foi um dos primeiros passos para o Holocausto. Bora contar essa história.
Hoje chamada de T4, a ordem autorizava médicos alemães a “encerrarem a vida” de pessoas com deficiência física ou mental. Até 1945, isso resultou em 300 mil mortes em hospitais psiquiátricos na Alemanha e em territórios ocupados.
Vamos voltar para 1933. Quando Hitler assumiu o poder, ele ordenou a esterilização obrigatória de pessoas com características (que os médicos achavam que eram) hereditárias, como esquizofrenia, epilepsia e até mesmo alcoolismo.
Depois da guerra, nos Julgamentos de Nuremberg (foto), descobriram que Hitler queria impor a eutanásia já nessa época. Mas ele sabia que isso era delicado demais e boa parte da população alemã poderia iria se opor a essa medida.
Além disso, vender a ideia fazer eutanásia em pessoas com deficiência era delicado, porque o ministro da propaganda, Joseph Goebbels, tinha uma deficiência em uma das pernas – ele usava um sapato especial e mancava (por isso não pôde lutar na I Guerra).
Claro que o discurso inicial foi vender a iniciativa como “compaixão”, mas também economia (esse poster de 38 fala do quanto o estado gastava com doentes, lembrando aos alemães que esse dinheiro era deles). Pura propaganda, claro. O objetivo mesmo era limpeza racial.
A propaganda nazista também produzia filmes mostrando – da pior forma possível – a vida de pessoas internadas em manicômios. Tudo para fazer a cabeça do público sobre a questão da eutanásia. Aqui tem o filme Vítimas do Passado, de 37: nicovideo.jp/watch/sm287487…
Hitler sabia que a ideia da eutanásia seria aceita com mais facilidade em tempos de guerra. E seis anos depois, a Europa estava à beira da guerra, com a Alemanha expandindo suas fronteiras. Aí ele colocou seu plano em prática.
Isso nos leva ao Caso da Criança K. Em 1939, o gabinete de Hitler recebeu o pedido de um casal alemão que queria autorização para que seu filho recém-nascido, cego e com deficiências em alguns membros, pudesse receber uma morte misericordiosa.
O médico pessoal de Hitler, Karl Brandt recebeu a missão de analisar a criança. Hoje se sabe que o nome dela era Gerhard Kretschmar, nascida em uma vila chamada Pomssen, perto de Leipzig.
Em 25 de julho, Gerhard, que tinha cinco meses, morreu, provavelmente por causa de uma injeção de luminal. Os registros médicos, porém, foram falsificados e a causa oficial da morte foram “problemas cardíacos”.
Historiadores dizem que salvar a criança sequer foi considerado. Os nazistas escolheram o caso apenas para testar e ativar – o programa de eutanásia. Deu certo. Exatamente 80 anos atrás, enquanto a Polônia era invadida, o programa foi autorizado por Hitler.
Brandt foi encarregado do programa ao lado de Philipp Bouhler, oficial da SS, a tropa de choque do Partido Nazista (SS vem de Schutzstaffel, Tropa de Proteção - a temida polícia secreta nazista, Gestapo, era um braço da SS).
Os dois cuidavam de um comitê que registrava crianças com doenças congênitas e hereditárias. Quem entrasse no registro tinha destino certo: um dos centros de extermínio montados em hospitais da Alemanha e na Áustria anexada (como esse da foto).
Claro que às vezes os pais das crianças não concordavam com a eutanásia. Aí o governo dizia que elas receberiam tratamento adequado em outros lugares. Semanas depois, as crianças invariavelmente morriam de “pneumonia”.
Com o começo da guerra os critérios de eutanásia se expandiram. Não eram mais pessoas com deficiência que seriam mortos, mas também delinquentes juvenis, desordeiros... E, como vocês podem imaginar, judeus.
Agora, olha só: antes mesmo do programa de eutanásia começar oficialmente, os nazistas já queriam expandi-lo para adultos. Isso rolou justamente após a invasão da Polônia. Manicômios e hospitais poloneses inteiros foram esvaziados. Os pacientes foram fuzilados.
Ou seja, com apenas dias de guerra, o programa já começou a funcionar como ferramenta de extermínio em massa. Mas balas eram caras (ainda mais para um país em guerra) e, segundo os nazistas, ”causavam estresse nos atiradores”. Era preciso outro método.
Ele surgiu em outubro de 1939, no campo Fort VII, montado na Polônia, quando centenas de pacientes foram mortos por envenenamento em câmaras de gás como essa da foto.
Quem assistiu a uma dessas execuções em Fort VII foi Heinrich Himmler, oficial da SS e um dos arquitetos do Holocausto. Após ver as mortes por gás, disse que enxergava “esse método sendo usado em escala maior”.
Assim, em 1940, já existiam câmaras de gás em pelo menos seis centros centros de extermínio para doentes mentais e deficientes físicos. Mas muitas dessas mortes aconteciam na própria Alemanha, e começaram a acontecer alguns protestos contra essa prática.
A maior delas foi liderada pelo bispo alemão Clemens von Galen, que se tornou a maior oposição alemã a uma política nazista desde 1933. Isso contribuiu muito com o fim do programa de eutanásia (dentro da Alemanha) em 1941.
Mas o horror estava longe de acabar. Aliás, ele estava só começando. Na mesma época, os nazistas começaram a Operação Reinhard: extermínio total dos judeus na Polônia. O Holocausto estava entrando em sua fase mais mortal (e doentia).
A essa altura, os nazistas já exterminavam prisioneiros com gás – usando especialmente as vans com gases, objeto de terror que havia sido desenvolvido pelos soviéticos – mas as mortes eram poucas, pelo ponto de vista nazista.
Assim, a tecnologia do programa de eutanásia foi transferida para o Ministério do Interior e serviu como base para a criação das câmaras de gás nos campos de extermínio. Todos nós sabemos o resultado disso: criou-se uma indústria da morte.
Então, quando a Alemanha invadiu a Polônia, não foi apenas a II Guerra que começou. Claro que judeus e minorias já eram perseguidos, mas o horror do Holocausto, um dos maiores do século 20, começou a tomar forma com uma ordem emitida no mesmo dia.
Isso não pode ser esquecido. Isso não pode ser normatizado. E isso não pode ser reescrito por motivos ideológicos. Esse horror precisa ser lembrado e entendido para que ele nunca mais aconteça.
Fica a lição: alguns dos piores horrores da história não surgiram de um dia para o outro. Eles cresceram gradualmente, com leis e projetos que atingiam sempre quem não podia se defender. Mas um dia eles batem na porta da sua casa. Aí já é tarde demais. Lute SEMPRE contra isso.
(tem alguns erros de digitação na thread, sorry)
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