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Vou contar uma história aqui. Dois dias atrás, saí do trampo as 11 da noite, no meio de uma reunião, e como a reunião ia continuar em casa (era call), nem pensei duas vezes e chamei um Uber. Minutos depois, ele chegou. O motorista era negro.
Eu sempre me sento na frente porque gosto de conversar com o motorista. Pra mim, é quase uma espécie de terapia. E, conforme o papo começou, caiu no lance da família fuzilada pelo exército no Rio – era algo muito mais recente que hoje.
E o motorista disse que não aguentava mais essa violência no país, e que uma pessoa tinha morrido sem motivo. E eu não aguentei e falei o que estava pensando: “ele não morreu sem motivo. Uma das razões dele ter morrido é a cor da pele, que é igual a sua.”
E sim, ele pode ter morrido por “n” motivos. Mas todo mundo sabe que ser negro é um deles. Todo mundo sabe que, de forma geral, no Brasil a cor da pele pode ser mortal. Enfim, eu falei isso e ficou um silêncio ensurdecedor no carro.
O motorista ficou pensando alguns instantes antes de suspirar e soltar um “é, é foda”. E aí a conversa virou preconceito. Ele disse que a mulher dele, também negra, fez direito, mas ele tem consciência que ela é exceção.
Ele mesmo é formado em vendas e faz Uber porque não arruma emprego. Ele não coloca a culpa disso no racismo, mas diz que na maior parte das entrevistas, já “sai perdendo de 1 x 0”. Disse exatamente isso.
Usou como exemplo uma entrevista em que os candidatos estavam fazendo uma espécie de prova e quando ele chegou, o cara da seleção disse que ele podia deixar o e-mail que a prova seria enviada para ele. Claro que ela nunca foi enviada.
A conversa foi por esse tom o caminho inteiro. Eu ouvindo histórias como essa – não, ele nunca foi agredido ou xingado, mas sabe que sofre preconceito quase o tempo todo – e achando o país extremamente escroto e atrasado.
E o engraçado é que ele não se faz de vítima ou algo assim. O ponto é: ele sustenta a família dele com a mesma vontade que eu, mas sabe que terá que provar seu talento mais que os outros e terá menos oportunidades.
Mas foi meio... Não sei, libertador, poder conversar com um negro sobre racismo sem fingir que isso não existe no Brasil. A coisa fica mais... Não sei. Honesta. Sincera, talvez.
E desde então estou com uma frase de um livro que li anos atrás, chamado Brasil – Uma Biografia. É a primeira frase do livro e diz algo como “o Brasil é um país negro que insiste em se ver como branco”.
Enfim, nos despedimos. Ele mandou um beijo pro Felipe (ele viu foto do Felipe) e eu mandei um pra Caroline, a filha de três anos dele – eu vi foto também, é uma graça. E tomara que o Felipe e, principalmente, a Caroline encontrem um país menos podre que o que temos hoje.
Eu estava até agora pensando se contava isso aqui ou guardava para mim, mas acho que seria justo com o motorista - Flavio é o nome dele - passar essa bola adiante.
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