Thread by @tantotupiassu

Hoje são 50 anos da morte de João Cândido, o Almirante Negro.

Vocês conhecem o cara?

Ele foi foda, então vou falar um pouco dele.

Como já disse, João Cândido era foda. Ele nasceu em 1880 em Encruzilhadas, (RS) filho de escravos e jamais estudou.

Mesmo assim, ingressou na Marinha aos 14 anos, fez missões pelo mundo todo e sabia operar tudo em um navio de guerra.

Em 1910, em pleno auge de sua carreira, João Cândido presenciava uma Marinha que tentava ser moderna, apesar de algumas práticas medievais: ainda penalizavam algumas faltas graves com chibatadas.

O máximo eram 25 chibatas, vejam bem...

Aí vejam: um marinheiro chamado Marcelino cometeu uma falta e foi condenado a receber 250 chibatadas! DUZENTAS E CINQUENTA.

Dez vezes mais do que as regras.

Vocês imaginam o que isso causou no meio de milhares de marinheiros negros e pobres?

Um marinheiro negro como eles, nu da cintura para cima, amarrado no mastro do navio, recebendo 250 chibatadas.

O que fizeram os marinheiros, comandados por João Cândido? Tomaram 4 navios de guerra e exigiram respeito.

João Cândido comandou 2.379 marinheiros que apontaram canhões de guerra para a Capital do país e disseram CHEGA.

Diante desse “argumento”, o presidente Hermes da Fonseca concordou com os pedidos e pôs fim à Revolda da Chibata após breves 5 dias.

Mas é claro que Hermes não teve honra. Não podia aceitar a insubordinação de homens negros.

Nos dias seguintes começou a perseguição. Dos 2379 marujos revoltosos, 1216 foram expulsos da Marinha. 600 foram presos. 105 foram desterrados para a Amazônia para trabalhos forçados.

E o Almirante Negro?

Foi preso e colocado em uma solitária com 17, no espaço de 5. Ficaram 2 dias sem água e comida.

Como a cela estava cheia de fezes, urina e ratos, jogaram cal para “desinfetar”.

Dos 17, só João Cândido e mais um sobreviveram.

Depois, foi internado como louco, mas Juliano Moreira, diretor do Hospital Nacional dos Alienados, disse que de louco ele não tinha nada.

A República tentava desmoralizar o movimento, fazendo-o fruto de loucura, mas se deu mal: foi fruto de consciência.

Por fim, João Cândido foi novamente preso e sobreviveu a uma tentativa de assassinato na cadeia.

Acabou absolvido das acusações, mas expulso da Marinha que tanto amava.

O Almirante Negro mergulhou então no esquecimento, e assim ficou até 1937.

De 1912, quando foi expulso, até 1937, João Cândido viveu de biscates e da venda de peixes. Teve 3 casamentos e 11 filhos.

E em 1937 foi encontrado por Edmar Morel, repórter de O Globo, que escreveu sua biografia, A Revolta da Chibata.

O Almirante então foi reconhecido pelo seu grande feito e retornou como herói - e perigo para todos os governos e governantes.

Em 08/12/1969 ele morreu, vítima de câncer no intestino.

O enterro foi vigiado e fotografado por homens da ditadura. O negro gigante ainda metia medo.

João Cândido nunca quis ser herói, nem buscou fama ou dinheiro. Só lutou pelo que era humano.

O Almirante nunca foi punido com a chibata, mas não aceitava que um irmão seu o fosse. Não foi ato de heroísmo, foi ato de humanidade.

“As carnes de um servidor da pátria só serão cortadas pelas armas dos inimigos, mas nunca pela chibata de seus irmãos. A chibata avilta” declarou quando da Revolta, em 1910.

A Revolta foi uma ruptura contra um sistema racista e opressor, e poucos sabem disso.

O Almirante Negro virou música de Aldir Blanc com João Bosco, com voz de Elis. Inspirou samba-enredo e virou estátua no Rio de Janeiro. Teve livros, peças.

Em novembro de 2019 foi reconhecido como herói estadual no RJ.

Recebeu anistia póstuma do presidente @LulaOficial...

...virou nome de navio e deu basta aos castigos físicos que imperavam nos modernos navios da Marinha Brasileira, que açoitavam somente os negros.

E ainda falta muito a fazer por esse gigante (era realmente alto) que pouca gente conhece.

Fim