, 18 tweets, 3 min read
My Authors
Read all threads
Chegamos à praia para a rotina de todo o dia 31 de dezembro: tentar aproveitar em paz a companhia dos amigos e a natureza do Rio. Mas esse ano a corda arrebentou.
Logo ao chegar, peguei um saco para recolher lixo e passei muito tempo catando a sujeira que cariocas e turistas - irmanados na falta de civilidade - espalhavam na areia. Copos, garrafas, restos de comida, espetos afiados de queijo coalho. Tudo é jogado na praia. Recolhemos tudo.
Não vou nem falar dos braseiros dos vendedores de queijo, ou dos panelões de água fervente dos vendedores de milho, ou do altinho jogado perto de crianças ou bebês. Isso a gente quase não registra mais.

Mas tem a maconha.
O uso de maconha é crime, mas uma lei determinou que o usuário não seja mais preso. Agora ele apenas leva uma bronca do juiz. Crime, sem uma punição adequada, todos sabemos, vira piada.
É por isso que, TODO FINAL DE SEMANA, minha família - que inclui crianças pequenas - tem q aturar o jeito enjoativo e ofensivo de maconha. Na nossa área, à luz do dia, na praia que frequentamos há 20 anos.

Até que a minha paciência se esgotou naquele dia 31 de dezembro de 2019
Não quero impor minha moral a ninguém. Acho o uso de drogas uma escolha hedonista, que financia uma estrutura criminosa assassina e que nenhum benefício traz ao ser humano. Mas cada um é dono do seu corpo. Se quiser beber gasolina, boa sorte.
Só que o direito do maconheiro acaba quando começa o meu direito de criar meus filhos em um ambiente livre de substâncias entorpecentes. Tenhp esse direita. Uso de drogas é crime.
Pois naquele dia vi, a menos de um metro, um vendedor de alguma coisa sentado em uma cadeira, calmamente enrolando - com muito esmero - um baseado do tamanho do mundo.
Fui lá, com o máximo de tato e gentileza, dei boa tarde e perguntei: “Você não vai fumar esse baseado aqui, né? Minha família está ali”.

Ele levantou os olhos para mim - olhos que denunciavam que aquela não seria a primeira maconha do dia - e disse “Não, não. Já vou sair”
“Então sai logo” eu disse, e voltei a ficar de pé, ao lado da minha família, a poucos metros, lamentando que o rapaz - que claramente lutava para sobreviver - já era refém da indústria das drogas.
Outro vendedor ambulante viu a cena, conversou com o rapaz e passou por mim me tranquilizando: “Ele já vai sair, tá? Ele já vai sair”.

O rapaz levantou e foi embora.
Nesse mesmo momento eu vi o outro grupo: um garoto de uns 17 anos, outro de uns 19 e uma menina nova. Eram muito brancos e pálidos, tinham os cabelos descoloridos e, sentados na areia, enrolavam um cigarro.

Fui lá: "isso aí não é maconha, é?"
"É sim", disse o mais velho, olhando pra mim e rindo.

"Vocês não vão fumar isso aqui, né? Minha família está ali".

"Vamos sim", ele disse sorrindo de novo.

"Se vocês acenderem esse baseado eu vou chamar a polícia", eu disse, já alterando minha voz.
"Pode chamar". E sorriu de novo, o sorriso de quem tem certeza da impunidade.

Fui até o calçadão. Encontrei o policial Ricardo e a policial Patrícia, trabalhando debaixo do sol quente. Ouviram minha história, desceram até a areia e abordaram o grupo com toda a polidez.
Previsivelmente, não acharam nada. Os corajosos desafiadores da lei devem ter jogado a maconha na água.

Covardes.

Agradeci aos policiais, que voltaram ao calçadão.

Os maconheiros, rebeldes da narcocausa, permaneceram mais um tempo por ali, depois foram embora.
Eles devem ter levado o susto de suas vidas. Como assim, alguém se incomoda com um baseado, no Rio de Janeiro?

Eu me incomodo. Todos os dias.

Todos os que estavam na praia viram o que aconteceu.
Assim, com o gesto de um pai cansado e inconformado, talvez se comece um moivimento, uma quebra dessa apatia que nos envolve.

Quem sabe fazemos uma bandeira dizendo "drogas não serão toleradas", e hasteamos alto nas praias ?
Quem sabe até estancamos o fluxo de dinheiro que financia as armas dos traficantes?

Quem sabe não conseguimos viver, finalmente, em paz?
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Enjoying this thread?

Keep Current with Roberto Motta

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just three indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!