20 de janeiro de 1983. Morre, aos 49 anos, Garrincha. 
O caderno de esportes do Jornal do Brasil abria com o seguinte texto de João Máximo: "Penitência por um ídolo morto".
"Nós, que amamos Garrincha com a mesma força com que o destruímos (e que nesse amor-destruição nem nos demos conta de que, mais que chapliniano, ele foi um personagem trágico), devemos-lhe, agora, um minuto de penitência.
"Nós, técnicos de futebol que o dirigimos (e que graças a ele colhemos nossas maiores glórias), mas que não o defendemos da destruição, escalando-o tantas vezes sem saúde para que através de seu sacrifício o clube ganhasse mais dólares e nós, mais glórias;
"nós, dirigentes esportivos, que por comodidade cultivamos sua imagem de 'irresponsável', usando-a como escudo de nossa própria incompetência, incapacidade de ajudá-lo, orientá-lo, guiá-lo, tratá-lo como gente, mas que abençoamos essa irresponsabilidade...
"... sempre que ela nos trouxe as vitórias e o campeonato que tanto bem fizeram à nossa vaidade;
"nós, médicos, homens de ciência que o assistimos, mas que jamais pensamos seriamente em suas pernas tortas, mágica às avessas com que a anatomia presenteou o futebol, e que nessas mesmas pernas cometemos tantas infiltrações cruéis, injeções criminosas...
"... para fazê-lo driblar, driblar, driblar sempre, sem ao menos um domingo de folga;
"nós, jogadores que atuamos ao seu lado e que nunca percebemos o quanto ele era solitário em seus dribles, deixando-o entregue à própria sorte na corrida pela vida, preocupados que andávamos em realizar nossas próprias jogadas, em marcar nossos próprios gols...
"... a maioria deles nascidos de seus pés;
"nós, jornalistas que o conhecemos de perto, que o seguimos em seu dia a dia no clube e na seleção, vendo-o ser usado, explorado, maltratado, dopado e até mesmo humilhado, e não lhe demos sequer a ajuda de nosso testemunho;
"nós, torcedores que o aplaudimos nos estádios, embalados no sonho de seus dribles, na fantasia de seus chutes de curva, na ilusão de seus gols, bebendo-lhe até a última gota de suor sem nos preocuparmos com seu destino;
"nós, brasileiros que nascemos sob o signo da bola de meia, da pelada de rua, do futebol como arte instintiva, mas que ultimamente vínhamos mantendo prolongado flerte com as táticas e filosofias de jogo europeias...
... (acreditando que, trocando o individualismo caboclo pelo cientificismo de fora, driblávamos o nosso subdesenvolvimento) ...
... e que por esse equívoco acabamos nos esquecendo de que nele, peladeiro eterno, artista instintivo, residia enfim a síntese e a razão do futebol tricampeão do mundo;
"nós todos, que só vimos nele o passarinho, o menino, o demolidor de joões, a alegria do povo, o Carlitos da bola (que ao contrário do outro Carlitos não teve a ventura do final feliz), e que presos a metáforas poéticas não lhe compreendemos o drama, nem lhe divisamos a tragédia
"Nós, que amamos Garrincha com a mesma força com que o destruímos, devemos-lhe, agora, um século de penitência."
