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Hoje dois trens do metrô de Recife colidiram. Nenhuma pessoa morreu, mas várias ficaram feridas.

Acidentes de trem parecem estranhos, mas não são raros. Ontem fez 33 anos que o maior acidente de trem de SP aconteceu, pertinho da minha casa, em Itaquera.

Segue o fio:
O ano era 1987, e tudo era diferente. Em 1987 você podia fumar no transporte público e todos os trens eram como os caras de lata, que ainda prestam serviço em algumas linhas da CPTM em São Paulo. A zona leste tinha poucas grandes estações de trem, e Itaquera era uma delas.
A estação Itaquera foi criada ainda no século XIX, primeiro batizada como Estação São Miguel. A renovação veio em 1909, e sua nova sede chegou em 1930. No centro do distrito, o prédio da estação ficava em um lugar muito movimentado e próximo ao Planalto, um hospital público. Image
Três décadas atrás a CPTM ainda não existia, e o serviço de trens de São Paulo era gerenciado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos, a CBTU. Hoje eles não cuidam mais do transporte de São Paulo, mas ainda atuam na área, gerenciando… isso mesmo, o metrô de Recife.
Não só Itaquera passou por uma mudança de nome, mas o Brás também. Na época do acidente, a estação se chamava Roosevelt. Ela era, como ainda é, um ponto central de ligação entre centro e periferia. Foi de lá que partiu um dos trens que se acidentou.
O outro tinha saído de uma estação de Mogi das Cruzes, uma cidade da região metropolitana de São Paulo. Os dois se encontrariam em Itaquera, uma das paradas da linha.
A CBTU estava realizando manutenções em parte dos trilhos, e o trem que ia da Roosevelt até Mogi trocou de trilhos por um tempo - andando na contramão. Não sei o quão comum essa prática é.
Do outro lado, nada foi informado ao piloto do trem que saiu de Mogi. Posteriormente, mas investigações, foi descoberto que o semáforo que deveria avisar o piloto do trem de Mogi que ele deveria DAR UM DEZ não estava onde deveria estar.
O piloto, sem informação, estava comandando no visual - e muito acima da velocidade recomendada, a 70KM/h. O trem que saiu da Roosevelt estava a 40 KM/h.
Não sabemos em que momento ele avistou o outro trem em sua direção, mas era tarde demais. Nem o Toretto ia parar o cara de lata a tempo.
O trem de Mogi freou a 300 metros da outra locomotiva, que já estava voltando para seu trilho, mas a atingiu do quarto vagão em diante. Ele rasgou o trem da Roosevelt até parar completamente. Image
51 pessoas morreram no acidente, 31 no local do impacto, a menos 500 metros da Estação Itaquera. Mais de 150 pessoas ficaram feridas. Em julho de 2000 a folha citou esse como o pior acidente de trem no estado de São Paulo.
Em 1987 eu nem pensava em nascer, mas minha mãe já saracoteava por aí. À época ela era enfermeira de um hospital no centro, e estava passando pelo centro de Itaquera - de ônibus - quando o acidente aconteceu.
Além de ver dois trens misturados em uma coisa só e as pessoas mortas, ela falou sobre os gritos. Pessoas gritando por socorro. Crianças chorando, adultos chorando. Tragédia.
Ela foi ao Hospital Planalto, e quando chegou lá encontrou o médico com quem trabalhava em outro hospital. Todos estavam indo ajudar, e acho que toda ajuda era bem-vinda. Tragédia, né?
Minha mãe tinha vinte e poucos anos na época, e jovem é um bicho horrível. Com uma amiga, também enfermeira, foi ao subsolo do hospital, onde ficam os corpos de quem morre. Estava lotado, e chegando mais a cada instante.
Corpos de pessoas que talvez não soubessem, assim como eu não sabia até pouco tempo atrás, que andar de trem poderia ser perigoso. Gente que morreu sem saber o porquê.
A manchete do Estado de S. Paulo no dia seguinte ao acidente dizia “Os trens batem, 48 morrem. Pobre zona leste, de luto outra vez”. Em um subtítulo, o jornal diz “CBTU abre inquérito. E não explica nada”. Image
Pra escrever isso aqui procurei por documentos que recontassem na história. Achei reportagens, blogs, uma página na Wikipédia do “Grande Acidente”, como o Estadão nomeou. Nada da CBTU.
Ou quase nada. Encontrei um relatório consolidado do ano de 1987 da companhia. 100 páginas onde a CBTU explica tudo que aconteceu no ano.
Logo após o sumário, uma apresentação geral aos “senhores acionistas". A companhia diz que prevê o transporte de 500 milhões de passageiros para o ano de 1988, “como resultado da boa atuação da companhia no presente exercício”. Image
O relatório se divide em capítulos sobre cada uma das STU's, Superintendência de Trens Urbanos. São quatro, ao todo: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Pernambuco. Em todas são apresentados objetivos para 1988 e problemas de 1987, além de alguns números sobre uso.
Na STU/SP, o texto é bastante otimista. O número de usuários do modal na cidade vinha crescendo alguns milhões por ano e o estado representava, na época, quase 50% da operação da CBTU em todo o Brasil.
O relatório cita, como primeiro objetivo da cia para a STU/SP, a “continuidade na melhoria das condições de segurança”, mas nada mais sobre o assunto é falado.
Ao citar os principais problemas, a CBTU elenca como primeiro a “interferência da circulação dos trens de carga com os de passageiros dos subúrbios”. E nada mais sobre segurança é falado.
No meio do capítulo sobre São Paulo, meio deslocado, uma nota sobre o “acontecimento relevante, embora infausto” de 51 pessoas mortas pelo serviço da companhia: Image
Cinco anos depois do acidente a CPTM nasceu e passou a tomar conta das linhas que antes eram gerenciadas pela CBTU no estado de São Paulo.
O prédio onde ficava a Estação Itaquera funcionou até 2000, quando foi desativado. A nova Estação Itaquera (agora Corinthians-Itaquera) funciona, desde então, ao lado de onde hoje é a Arena Corinthians.
Em 2004 o prédio da antiga Estação Itaquera foi demolido para prolongamento da Radial Leste, importante avenida dessa parte da cidade. Eu já estava vivo, mas não me lembro como era. No lugar, foi construída uma praça. A Praça da Estação.
Fiz um curso no centro de Itaquera quando era mais novo, e passei pela Praça da Estação cotidianamente sem saber bem que ali era a antiga estação de Itaquera, que dirá que mais de 50 pessoas tinham morrido onde eu pisava.
Não existe nenhuma placa que fale sobre o acidente de três décadas atrás. Não há memorial. Essa história só é viva lá por quem viu ou ouviu.
Algumas pessoas mais velhas chamam a praça até hoje de estação. Minha mãe chama de tristeza. Eu chamo de praça.
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